Wednesday, 18 de December de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1318

Assim é, se lhe parece

Boa parte do noticiário sobre a corrupção não dá para engolir. O empresário Marcos Valério decide ‘contar tudo’ ao Jornal Nacional, incriminando-se também; e ‘conta tudo’ com um sorriso nos lábios. Esquisitíssimo! No mesmo dia, descobrem-se documentos parcialmente queimados das empresas de Valério. Os documentos tinham sido queimados, mas o timbre das empresas aparecia direitinho. E onde estavam esses papéis tão comprometedores que precisaram ser queimados? No meio da rua, expostos, prontinhos para ser encontrados por quem quer que passasse lá, e com o timbre bonitinho, para que pudessem ser identificados.

Lembremos alguns fatos: primeiro, papel queima inteirinho. Só resta intacto o timbre da empresa se alguém tomou providências para isso. Segundo, quem queima documentos se livra das cinzas. Jogar papel parcialmente queimado no meio da rua não faz sentido. Há alguma armação aí – talvez para distrair as atenções dos papéis verdadeiros, talvez para dar a impressão de que papéis efetivamente queimados são esses que apareceram, e cujo conteúdo deve ser inócuo.

Histórias estranhas, histórias estranhas. E a imprensa as divulga como se fossem absolutamente normais, sem nadinha de esquisito.

Só mais uma coisinha: faltou perguntar a Marcos Valério por que, poucos dias depois de ter contado uma história no Congresso, foi à TV contar outra. Que é que aconteceu nesse curto espaço de tempo que o levou a mudar de idéia?



A prisão-espetáculo

Nossa imprensa discutiu a Daslu como se fosse um problema ideológico: para alguns, foi a prova de que este governo, ao contrário dos anteriores, não poupa os ricos; para outros, comprovou-se que este governo tenta, ao invadir uma loja elegante, desviar o foco da crise dos problemas apontados no PT.

Só que a discussão é outra: se há indícios de irregularidades, devem ser investigados, haja ou não problemas no PT. Se os envolvidos são pobres ou ricos, isso não deve influenciar as investigações. Os problemas de verdade são dois:

1. A tentação autoritária de prender primeiro e investigar depois;

2. O show desnecessário, com centenas de homens pesadamente armados, apoiados por helicópteros (e, naturalmente, pelas emissoras de televisão, sempre chamadas antes dos advogados).

Imaginemos que todas as suspeitas que recaem sobre a Daslu e seus proprietários sejam verdadeiras. Imaginemos que a empresária Eliana Tranchesi, uma das proprietárias da loja, não tivesse sido presa; e que tivesse ocorrido um processo normal de busca e apreensão, sem o aparato bélico. Nada teria mudado.

A propósito, recordemos que a imprensa muitas vezes se entusiasma com os ataques à liberdade alheia e depois fica indignada quando, inevitavelmente, se transforma em vítima. Não é preciso ir muito longe: a Folha de S.Paulo foi invadida pela Polícia Federal durante o governo Collor, e nada se comprovou.



Os ótimos também erram

A coluna de Elio Gaspari na Folha e no Globo tem uma característica interessantíssima, de alto valor: ninguém é capaz, ao lê-la – e este colunista o faz duas vezes por semana, há anos, continuamente, e sempre, a propósito, com muito prazer – de identificar as preferências partidárias do autor. Elio elogia (o que também é raro em colunistas) e critica, sem que influa, no elogio e na crítica, a identificação do alvo. Não dá, pelo que escreve, para saber em quem ele vota.

Elio Gaspari também costuma ser extremamente preciso. Mas, enfim!, num só domingo (17/7), duas imprecisões. Registremos:

1. Caso Daslu. Ao comentar declarações do senador Jorge Bornhausen, presidente nacional do PFL, de que os investidores estrangeiros prefeririam se afastar do Brasil para não correr risco de prisão, Elio lembrou que nos Estados Unidos os empresários vão também para a cadeia. É verdade – só que, lá, os empresários vão para a cadeia depois do processo, e não antes. Vão para a cadeia depois que são processados e condenados. Aqui, a cadeia vem antes. E, se o réu for declarado inocente, nem desculpas lhe pedem pelo tempo que passou preso.

2. Queda da Bastilha. De acordo com Gaspari, isso aconteceu há 206 anos. Erro de conta: a fortaleza caiu em 1789, portanto há 216 anos.

Agora, aguardemos outros dez anos para encontrar novos lapsos na coluna de Elio Gaspari.



Cabeças a prêmio

Por falar em ameaças à imprensa, a prisão da repórter Judith Muller, do New York Times, por se recusar a revelar à Justiça americana a fonte de suas informações, é um problema dos mais sérios: os exemplos americanos tendem a globalizar-se, e os abusos que lá ocorrem podem perfeitamente transplantar-se para cá.

Este colunista sabe que o uso de fontes anônimas é perigoso; permite muita invenção, muita ilação. Mas sabe também que, sem o uso de fontes anônimas, a informação transmitida ao público será muito menos abundante. Cada veículo de comunicação precisa cuidar de sua transparência, precisa ter a certeza de que as fontes, identificadas ou não, existem e sejam críveis. Mas não se pode transferir ao governo a tarefa de controlar a imprensa. Quando o governo controla a imprensa, por qualquer meio que seja, a democracia se transforma em ditadura.



Dos outros

Coluna Cláudio Humberto, de 16 de julho:

‘Incrível como a pontuação muda uma frase. Pode-se dizer, por exemplo, que ‘O Brasil não merece isso (Lula)’, como se pode dizer ‘O Brasil não merece isso, Lula’. Ou, finalmente, ‘O Brasil não merece isso: Lula’’.

O ótimo Jorge Moreno, em sua coluna ‘Nhenhenhém’ (O Globo, 16/7), conta que José Dirceu teve uma crise compulsiva de choro. ‘Chorou de tristeza, mesmo, ao perceber que seu sonho está desabando’. E comenta: ‘Foi a primeira vez, em 25 anos de PT, que alguém viu José Dirceu chorando’. Nada disso, Moreno: Dirceu chora feito um bebê sempre que encontra seu líder supremo, Fidel Castro.



Boa notícia

O bom cronista Eduardo Almeida Reis está agora no Estado de Minas. Leitura agradável todos os dias.



Descuido

Outro dia, falando sobre uma empresa que contribuiu para a campanha de Lula, uma reportagem disse que esta tinha sido a terceira maior contribuição. As primeiras, de 1 milhão de reais, do Instituto Brasileiro de Siderurgia, e a Companhia Brasileira de Metalurgia e Mineração; a seguinte, da Promodal, de 800 mil reais. Há um erro: faltou citar a Recofarma, um dos braços da Coca-Cola, que também doou 1 milhão de reais para a campanha do atual presidente.

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Jornalista, diretor da Brickmann&Associados