Friday, 22 de November de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1315

Atenção: está sobrando para nós

O delegado Amaro investiga o delegado Protógenes que investiga o banqueiro Daniel Dantas, e o delegado Saadi investiga simultaneamente o delegado Protógenes e o banqueiro Dantas. Quem perde nessas brigas de Polícia Federal?

Bingo: nós, jornalistas. A Federal vaza mais do que cárter furado e a culpa é dos jornalistas que fazem reportagem a partir dos vazamentos (ou que simplesmente transformam os vazamentos em reportagens não-checadas). Já houve interceptação de telefones de jornalistas, já houve tentativa de prender uma jornalista, há insinuações, tanto de policiais federais como de colunistas de outras tendências, de que repórter que não concorda com eles certamente recebeu algo em troca. Divergência de opinião? Tudo besteira: no submundo da troca de vazamentos por reportagens, acredita-se que quem não foi comprado está vendido.

O problema não é de agora, nem surgiu com o caso Dantas. Já vinha acontecendo há algum tempo (e este próprio Observatório da Imprensa acompanhou muitos episódios): o jornalista não pode se afastar das fontes a ponto de perder a informação, nem pode se aproximar delas a ponto de ser contaminado.

Mas agora o problema se agravou: Dantas tem poder e dinheiro para reagir, tem conexões políticas, tem excelente estrutura jurídica. Mas, ao longo de sua carreira, juntou inimigos poderosos (com alguns dos quais conseguiu se compor, mas não com todos), também dotados de dinheiro, estrutura e conexões políticas, e movidos por incansável espírito de luta. E, nos dois lados, a vontade permanente de esmagar quem estiver em seu caminho, sejam ou não jornalistas.

Vale a pena debater esse tipo de problema, antes que os inimigos que gostariam de transformar-nos em vítimas alcancem seus objetivos. Há várias entidades do setor, sindicais ou patronais, associações setoriais, que poderiam encabeçar discussões sobre o assunto. Alguém precisa lembrar que jornalista existe para relatar o jogo, não para entrar em campo.



É censura ou não é?

As notícias desse tipo recrudescem no horário de verão: programas impróprios para o horário estão sendo exibidos em boa parte do país, o Ministério Público protesta, o Ministério da Justiça ameaça as redes de TV que não cumprem o ‘horário indicativo’.

Talvez este colunista tenha perdido uma parte da história, mas se o horário é indicativo ninguém tem obrigação de obedecê-lo, não é mesmo? Se há a obrigação de obedecê-lo, o horário passa a se chamar impositivo. E passa a violar a Constituição, que proíbe a censura prévia. Será que a dra. Solange voltou e ninguém contou isso para a gente?

Sejamos claros: o governo pode indicar horários. Pode anunciar, antes de cada programa, a faixa etária a que é destinado. Mas cabe aos pais, e só aos pais, decidir o que pode ser visto em sua casa. A TV, se não nos falha a memória, tem botão liga-desliga, tem tomada na parede, tem controle remoto, tem seletor de canais, todos equipamentos de grande utilidade. Os adultos da casa devem escolher os programas; se o governo tenta substituí-los, não funciona. Basta ver os índices de audiência das tevês e rádios chapa-branca. Aquilo que o governo acha que é bom simplesmente não interessa ao público.



Burrice ou maldade?

Por falar em emissoras chapa-branca, a Cultura, de São Paulo, acaba de demitir o magnífico Walter Silva, o Pica-Pau, um dos maiores especialistas do país em música brasileira, líder de audiência no rádio durante muitos anos com o seu ‘Picape do Pica-Pau’ (picape, jovens colegas, era o nome que se dava antigamente ao toca-discos, ao ‘som’). É burrice, porque uma emissora que traz Cultura no nome não pode ignorar um profissional como Walter Silva; é maldade, porque Walter Silva, aos 75 anos, ganhando pouco mais de R$ 2 mil mensais, certamente não está onerando o milionário orçamento da estatal.

O secretário da Cultura, João Sayad, e o governador José Serra não podem fingir que não sabem de nada: têm de saber e têm de agir. E, se puserem para fora os burocratas que o demitiram, vão economizar muito mais e perder muito menos.



Retificando

Esta coluna cometeu um grave erro na semana passada, ao se referir às denúncias de um jornalista de Brasília contra uma personalidade ligada à política brasileira. Ao contrário do que dissemos, o cavalheiro denunciado está processando o jornalista que divulgou números que seriam de contas bancárias clandestinas no exterior. Mas um fato estranho continua acontecendo: as denúncias foram feitas, divulgadas, e até o momento ninguém foi ouvir o acusado.

A informação sobre o processo está no blog do cavalheiro denunciado, a quem esta coluna pede desculpas.



Os adolescentes 1

Os garotos (dois maiores, um menor) estupraram uma menina de 15 anos, desmaiada no banheiro, filmaram a cena toda e ainda a puseram na Internet. Com toda a certeza:

1 – estavam excitadíssimos com a aventura (que nós chamamos de crime);

2 – mais do que com o estupro, ficaram mais excitados ainda ao documentá-lo;

3 – Mais do que com a documentação, o que os atraiu foi a Internet – a divulgação.

Em outras épocas, havia até piadas sobre variações do tema: de que valia transar com a moça mais bonita da cidade se não se pudesse contar pra ninguém? Só que, nesse caso, tratava-se de um fato muito menos grave.



Os adolescentes 2

Os estudantes que depredaram a escola pública Amadeu Amaral, uma das mais bem equipadas de São Paulo, estão sendo apontados como vândalos, monstros da destruição. Este colunista, nos tempos do guaraná com rolha, presenciou em escolas públicas e particulares coisas muito parecidas: no dia em que faltou água, um grupo de estudantes colocou panos tapando a parte de baixo da sala de Química e deixou as torneiras abertas – quando a água voltou, foi uma inundação sensacional; puseram açúcar no tanque de gasolina do carro de uma professora especialmente ranzinza; puseram um balde de água suja no alto da porta da sala de aula, para atingir um professor (foi bem no alvo!); derrubaram armários pesados, destruindo-os, com bombinhas. Fora, claro, pregos na cadeira, chicletes no cabelo de colegas e das professoras, aquele cordãozinho malcheiroso escondido na classe, sódio metálico explodindo na água da privada.

Qual a diferença? Sem dúvida, o nível de violência aumentou, mas os fenômenos são parecidos. As duas grandes diferenças são o tipo de repressão – na época do carro a manivela, o diretor da escola era a instância suprema, cuja autoridade era incontrastável, de quem todos tinham medo, e hoje é a PM; e o vandalismo aparece na televisão, com repórteres pedindo ao governador e a seus secretários que anunciem providências (o que acaba elevando o nível do problema). Como é que nós, gente da comunicação, devemos nos comportar? Ainda não há respostas definitivas, mas é preciso buscar uma saída, para evitar que a divulgação dos problemas acabe por magnificá-los. Não podemos contribuir para que adolescentes se transformem em vândalos só para aparecer nos meios de comunicação e – ‘alô, mamãe!’ – ganhar seus 15 minutos de fama.



Adolescentes 3

Quanto aos garotos do estupro, de uma coisa não há dúvida: por mais que seu interesse fosse a divulgação daquilo que consideravam atitude de machos, cometeram um crime terrível. Relembrando: a moça, de 15 anos se sentiu mal numa festa (provavelmente, excesso de bebida) e foi ao banheiro. Lá, foi empurrada, caiu no chão e bateu com a cabeça. Desmaiada, foi estuprada. Suspeita-se também de que tenha sido dopada. Há vários crimes diferentes pelos quais responder: estupro, abuso contra menor de idade, provavelmente lesão corporal. E, naturalmente, crime contra a honra, pela divulgação via Internet.

Que a imprensa não trate os garotos como coitadinhos, vítimas, ou coisa parecida. Merecem ser ouvidos, merecem ter sua versão divulgada; mas coitadinhos é que não são. Jornalista não pode tratar de crimes como estes como se fossem uma simples brincadeira de adolescentes.



Cadê o barulho?

Uma empresa, grande anunciante, acaba de ser condenada por ‘publicidade abusiva’. Seu anúncio prometia pagamento em dez vezes sem juros e 10% de desconto. Depois de assinar o contrato, o cliente era informado de que a promoção não era cumulativa: ele poderia optar entre dez vezes sem juros ou 10% de desconto. A Justiça determinou que a empresa cumpra o prometido em seus anúncios para todos os que já assinaram contrato, e coloque claramente nos anúncios que as vantagens não são cumulativas.

Até aí, tudo bem – só que este colunista achou a notícia apenas em portais jurídicos oficiais. Cadê a ampla divulgação do tema? A empresa é grande anunciante – mas isso a exime de entrar no noticiário quando enfrenta problemas?



Como…

Título da notícia de um grande portal:

Obama promete dialogar com Irã e solucionar crise

Texto da notícia:

Sobre o Irã, o presidente eleito disse que não aceita a produção de armas nucleares por aquele país (…) ’O apoio a organizações terroristas tem de acabar’ (…) Obama disse que ainda vai avaliar a forma como vai lidar com o Irã‘.

Quem tem razão, o título ou a notícia?



…é…

De um grande jornal:

Eleito com a promessa de mudar Washington, Barack Obama poderá manter vários nomes do atual governo, entre eles o presidente do Fed (banco central) Ben Bernanke (…)

Só que esta não é uma decisão de Obama: Ben Bernanke tem mandato e Obama só poderá substituí-lo (ou reconduzi-lo) no final deste mandato.



…mesmo?

No portal de um grande jornal, uma informação preciosa: a de que a Calábria fica no Norte da Itália. A Liga Norte, que sempre quis se livrar da Sicília, da Calábria, de toda a parte Sul da Itália, não deve estar entendendo mais nada.



Uma extra

Um prêmio para quem entender este trecho de prestigioso blog:

Vai abaixo uma fatia do bom-bocado pelado às páginas pelo repórter (…)

Bom-bocado deve ser o texto citado, realmente muito bom. Mas que será o ‘pelado às páginas‘?



E eu com isso?

Não, não perca tempo com reuniões do G20, G8, G7 e outros gês diversos. Aqui você encontra notícias mais divertidas e tão importantes quanto os gês.

1. Pit bull dá marcha a ré em carro e pega estrada nos EUA

2. Cantor Joe Jonas, do Jonas Brothers, tem nova namorada

3.  Yoko Ono confessa animação com jogo sobre Beatles

4. Ex-Spice Girl termina namoro por telefone

5. Sandy machuca o pé na entrada do Grammy Latino

6. Sheron Menezes conversa com amigas em banco de praça

7. Suri Cruise se protege da garoa com guarda-chuva de joaninha

Quanto à Spice Girl, tranquilize-se: não se trata de Victoria Beckham.



O grande título

Temos três exemplos notáveis:

Justiça da Itália permite retirar aparelhos que mantém mulher em coma viva

Até dá para entender. Mas é preciso fazer um certo esforço.

Ex-saltadora com vara que trocou de sexo vira treinador na Alemanha

Este dá para entender de várias maneiras. Mas deve ser a malícia que freqüenta a cabeça de cada jornalista.

Lipoa acaba com o trauma do ‘tchau’

Este já é quase incompreensível. Mas este colunista conseguiu decifrá-lo: o trauma do ‘tchau’ é o medo que algumas mulheres têm de balançar o braço, a partir de certa idade, mostrando que têm pele caída. E ‘lipoa’ é o apelido carinhoso de ‘lipoaspiração’. Traduzindo, lipoaspiração nelas!

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Jornalista, diretor da Brickmann&Associados