Era tradição: a imprensa sempre manteve a Academia Brasileira de Letras num pedestal, livre de qualquer escrutínio. Além de consagrados com a aura da imortalidade, nossos acadêmicos conseguiram da imprensa um estatuto especial graças a um habeas corpus preventivo e permanente. Só eram notícia quando lançavam uma nova obra (alguns não o fazem há décadas) ou quando morriam e começava a corrida para sucedê-los.
A imunidade – ou impunidade – originou-se na imprensa da ex-Capital Federal pois cada jornal tinha o seu acadêmico, muitas vezes por ele imposto. Como a proteção não poderia ser estendida apenas a alguns privilegiados, convencionou-se que todos seriam preservados.
O tabu protetor foi finalmente quebrado pelo colunista Ancelmo Góis (O Globo, 8/11) quando levantou o cortinado que encobria a ABL e revelou o arranca-rabo ocorrido dias antes entre dois acadêmicos (Ledo Ivo e Eduardo Portela) por causa da extemporânea proposta de um terceiro (Arnaldo Niskier) para homenagear o ministro da Educação, Tarso Genro.
Dia seguinte, os repórteres do Globo descobriram outros detalhes e, no fim de semana, Época (15/11, pág. 72) deu-lhe a merecida dimensão nacional. Mas não contou tudo: o inusitado bafafá entre Ivo e Portella é secundário, assim também as antipatias e ressentimentos que grassam entre os imortais quando se descobre quem votou ou não votou neste ou naquele candidato. Além disso, registram-se indignados confrontos ideológicos aos quais os comuns mortais não têm acesso.
Sem respostas
O que importa no episódio tão oportunamente escancarado é justamente o seu pivô, Arnaldo Niskier. Na qualidade de dono de uma universidade particular no Rio e cacique do lobby da indústria do diploma, precisava aproximar-se do ministro da Educação como já o fizera com alguns antecessores.
O acadêmico é assíduo colaborador da Folha e do Globo, já esteve no centro de alguns episódios não muito agradáveis mas sempre conseguiu escapar dos holofotes da mídia graças a outro habeas corpus: as universidades privadas são grandes anunciantes dos jornais. Este Observatório já tratou destas maracutaias [veja remissões abaixo].
Niskier também teve problemas no âmbito interno da ABL e, num deles, foi obrigado a recuar de outra ‘homenagem’, desta vez pressionado por uma comissão de inquérito informal constituída por acadêmicos legitimamente escandalizados com o seu comportamento. Nada disso apareceu nos jornais.
Por que só agora a devassa no laureado cenáculo? A pergunta faz sentido, cabe aos jornais respondê-la.