O novo presidente dos Estados Unidos prometeu dar um cachorro às filhas, para compensá-las pela mudança de Chicago, onde tinham sua vida e suas amigas, para Washington. Prometeu também que, diferentemente do que ocorreu durante a longa campanha à Presidência, reservará muito mais tempo para ficar com a família. Vão até, como antigamente, jantar todos juntos com freqüência.
Isto é o que se sabe, o que os meios de comunicação divulgaram sobre o novo ocupante da cadeira mais poderosa do mundo. O que ele pensa ainda não foi divulgado: como pretende enfrentar a crise econômica, como lidará com as ambições nucleares do Irã, que caminho seguirá para enfrentar o terrorismo, de que maneira buscará melhorar as relações com a Rússia, que estão no pior nível desde que a União Soviética se dissolveu.
E a energia? Parece estar claro que boa parte da alta do petróleo, há alguns meses, se deveu à especulação financeira, e isso sangrou as finanças não apenas dos Estados Unidos, mas também de nações muito pobres. Quais as idéias do presidente a respeito de petróleo, álcool, biocombustíveis em geral, aquecimento global? Pretende lutar pelo álcool de milho, prejudicando os países produtores de cana? Que é que pode acontecer com a aplicação dessas idéias no relacionamento com a América Latina e, especialmente, o Brasil?
O jornalista Luis Weis, sempre preciso, definiu a cobertura jornalística dos primeiros dias após a eleição de Barack Obama como ‘onda Caras na comunicação de massa’ (ver ‘Os Obamas vão jantar juntos!‘). E não deve ser muito difícil, para quem estiver disposto a pesquisar a vida política de Obama, encontrar aquilo que pensa sobre alguns assuntos de interesse mundial. Mas o primeiro-cachorro (que será um vira-latas, segundo informou o presidente eleito) sem dúvida tem mais charme.
A cobertura das eleições pela imprensa brasileira foi ótima: até as previsões deram certo. Falta completá-la, agora, com as idéias do presidente eleito.
As contas, lá e cá
A cobertura foi ótima, mas quem disse que foi perfeita? As contas, por exemplo, parecem ser um dos pontos fracos também dos jornalistas lá de fora (afinal, se eles soubessem fazer contas, estariam ganhando dinheiro, em vez de botar uma letrinha atrás da outra). As primeiras notícias da TV mencionavam 1 milhão de pessoas no comício da vitória de Barack Obama, num parque de Chicago. Um pouco depois, o número já era de meio milhão. Mais tarde, 300 mil. A última notícia era de 100 mil.
Aquela continha simples – mede-se a área e, conforme a concentração de público, calcula-se de uma a seis pessoas por metro quadrado – ficou de lado.
Preconceito, de novo
É difícil ser mulher, também na política. De homens a imprensa diverge, com homens os jornalistas debatem, as brigas são imensas, mas normalmente a intimidade é preservada. Com mulheres é diferente. Um colunista, pouco antes das eleições, criticou as posições políticas de Sarah Palin, a vice da chapa republicana de John McCain, usando uma expressão chula – a tal ponto chula que os próprios jornais em que a coluna foi publicada deveriam evitá-la. Seriam as expressões chulas absolutamente necessárias – digamos, a reprodução do que a candidata tivesse dito, ou a transcrição de uma troca de insultos? Não: expressões civilizadas, urbanas, educadas, seriam sinônimos perfeitos daquilo que foi escrito. A escolha foi deliberada, apenas porque a vice era mulher. Coisa feia!
Dica
Vale a pena visitar o ProjetoSecreto. Traz idéias interessantes sobre uso de internet em campanhas políticas, idéias já testadas no exterior (e vitoriosas com Barack Obama).
Denúncia vazia
Há cerca de 60 anos, um tcheco que trabalhava para a espionagem americana foi preso em Praga. Agora, uma revista tcheca informou que, segundo os arquivos da época, quem denunciou o espião foi o hoje escritor Milan Kundera (A Insustentável Leveza do Ser), na época com 20 anos de idade. Kundera diz que jamais havia ouvido falar nessa história. Quem o conhece confirma: Kundera não é dedo-duro, jamais teve algo a ver com serviços secretos (ver, neste Observatório, ‘Escritor acusado de dedo-duro‘).
E daí? Daí, nada. Embora a revista tcheca não tenha feito qualquer acusação contra ele, informou que a notícia existia nos arquivos de 1950. Para boa parte da opinião pública, é suficiente: alguma ele aprontou. É o mesmo fenômeno que ocorre quando alguém é preso e prova sua inocência: quem acredita inteiramente nele? É como a história do rapaz que, certa vez, salvou uma velhinha que estava sendo assaltada por dois bandidos. Um mês depois, alguém o reconheceu na rua e perguntou: ‘Não foi o senhor que esteve envolvido no assalto a uma velhinha?’
Que fazer, então? Fingir que a notícia não existe? Este é um tema interessantíssimo de debate jornalístico: como lidar com esse tipo de notícia. Todos têm certeza de que Kundera não tem nada a ver com espionagem, mas ao mesmo tempo é fato que a informação está no arquivo. Além de tratar cada caso com a máxima cautela, que mais um jornalista pode fazer para evitar o assassinato de reputações?
Como lidar com a denúncia
Neste momento, a propósito, um jornalista de Brasília fez uma série de denúncias contra uma personalidade ligada à política brasileira, incluindo números que seriam de contas bancárias clandestinas no exterior. Até o momento, aparentemente, a tática utilizada pelo cavalheiro denunciado é a do silêncio: não se manifestou. Talvez esteja preparando alguma ação judicial, mas ainda não houve nada público nesse sentido (não anunciou, por exemplo, que recorreria à Justiça). As denúncias foram feitas publicamente, por jornalista plenamente identificado. E, de maneira surpreendente, ninguém foi ainda ouvir o acusado. Se a denúncia é vazia, sonegam-lhe o direito de se defender; se acreditam que o acusador não é idôneo, mais um motivo para oferecer espaço e tempo para a defesa.
Ou será que manter-se em silêncio é a melhor tática para que eventuais acusações sejam esquecidas?
Abaixo de zero
Está saindo nos jornais e revistas um anúncio fantástico, de uma importadora de carros coreanos: informa que já recebeu o subsídio do governo e, por isso, pode oferecer juros mais baixos.
Acontece que, até agora, esta importadora oferecia seus carros a juros de 0% ao mês – exatamente, zero por cento. Este colunista talvez tenha faltado a alguma aula importante, mas como é que a importadora vai fazer para oferecer juros mais baixos? Vão pagar algum para quem comprar carro a prazo?
Good news are no news
O presidente Lula, em Tucuruí, no Pará, se queixou de que a imprensa prefere as notícias ruins, ‘como se nada acontecesse de bom no país’. O presidente tem toda a razão – só que as coisas são assim mesmo. Ninguém vai noticiar que 16 milhões de passageiros de ônibus chegaram normalmente ao destino. Notícia é quando, destes 16 milhões, dez se machucam num acidente. Ninguém vai noticiar que, dos prédios de mais de três andares construídos nos últimos 30 anos, nenhum apresenta defeito estrutural. Mas experimente um deles desabar. Os meios de comunicação destacam os acontecimentos não-normais. Como dizem os americanos, ‘boa notícia não é notícia’.
Há uma profusão de publicações, basicamente destinadas a noticiar a vida de pessoas famosas, que dão muitas notícias boas. Mesmo essas, entretanto, não perdem a chance de publicar que alguém bateu em alguém por causa de alguém.
Papel no chão
O que irritou o presidente não foi nada muito recente: foi a foto do ano passado, quando inaugurou obras em Tucuruí e o flagraram comendo um bombom e largando a embalagem no chão. O presidente que nos desculpe, mas ele mesmo, se estivesse vendo a TV, gostaria mais de ver o papel largado no chão ou o discurso de ‘nunca antes na história desse país’?
Como…
De um grande jornal:
‘Além de terem roubado o carro da vítima (…), os assassinos fugiram com uma pasta que pertencia a Christóvão, cujo conteúdo será investigado pela polícia.’
Se a pasta foi levada pelos assassinos, como irá a polícia investigar seu conteúdo?
…é…
Num importante portal noticioso:
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‘Policiais fazem parto embaixo sob viaduto do Largo da Concórdia’Isso é que é garantir um teto ao paciente: não apenas embaixo do viaduto, mas também sob ele.
…mesmo
De um press-release:
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‘Mal humor pode ser doença e tem nome: distimia’Também pode ter outro nome: texto ‘mau’ cuidado.
Egoísmo
Veja só o que certa imprensa anda ensinando:
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‘As nove regras para tomar chope do Editor do (…)’Por que não deixar o editor tomar o chope dele em paz, e pedir outro para a gente?
E eu com isso?
E pensar que existe gente mergulhada na vida de Barack Obama, tentando descobrir seus pratos preferidos, o nome que será dado ao primeiro-cachorro, a escola que suas filhas irão freqüentar em Washington (e, claro, o tipo de proteção que lhes será oferecido, e que inevitavelmente vai atrapalhar sua vida social). Será que ele pedirá ao Congresso que suspenda o bloqueio a Cuba?
Mas há outras preocupações menos estressantes (até mesmo sobre o tema dominante nos noticiários, a eleição de Barack Obama)
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‘Sem dormir direito, Obama curte vitória malhando na academia’Há notícias sobre entomologia:
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‘Abelhas conseguem contar apenas até quatro’Pode-se também acompanhar a evolução do mercado imobiliário:
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‘Escocês põe papagaio à venda e dá casa de brinde’Estudar o comportamento humano:
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‘Pink já colocou fogo em quarto durante sexo e bebedeira’Ou esquecer todos esses temas sérios e preparar-se para conversas sem compromisso:
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‘Demi Moore vai a festa de Halloween fantasiada de abóbora’**
‘Marcelo Serrado busca filha no balé e encontra Ingrid Guimarães’**
‘Beijoqueira, Daniele Suzuki almoça com o namorado’**
‘Papa-defuntos bêbado persegue mulher’**
‘Gilberto Gil passeia com mulher por Ipanema’**
‘Fábio Assunção almoça sozinho na Barra’**
‘Agente é processado por tirar sarro do tamanho do pênis de Pitt’O grande título
Há coisas bem interessantes, que incluem uma excelente imitação de índio de filme americano:
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‘Juiz ordena SP indenizar agente feito refém por presos’Há um de construção complexa: é fácil entender o sentido, embora os detalhes fiquem um pouco confusos. Afinal, houve um foguete ou vários? Era foguete mesmo, ou ninguém tem muita certeza do que aconteceu?
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‘Supostos míssil norte-americano mata 13 no Paquistão’E um absolutamente impecável:
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‘Berlim recebe obra que lembra cachorro de bexiga’Que será um ‘cachorro de bexiga’?
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Jornalista, diretor da Brickmann&Associados