Wednesday, 18 de December de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1318

Barrabás, o herói do povo

O caro colega ainda lembra como é que começou essa confusão toda?

Recordemos juntos: foi quando Maurício Marinho, dos Correios, foi filmado embolsando 3 mil reais, e dizendo que tudo o que fazia era comandado por Roberto Jefferson. Logo depois, aparecia o presidente do IRB (Instituto dos Resseguros do Brasil) informando Roberto Jefferson lhe determinara um piso de arrecadação de 400 mil reais mensais. Na briga para se livrar da incômoda condição de único acusado, Roberto Jefferson abriu fogo e incriminou os colegas de rapina.

No entanto, Roberto Jefferson vem sendo tratado pela imprensa (e pela opinião pública) como o salvador da Pátria. Até para debater a reforma política, na Associação Comercial de São Paulo, ele está sendo chamado. Daqui a pouco, pais orgulhosos vão pedir que tire fotos ao lado de seus lindos pimpolhos.

Os novos escândalos têm prioridade, mas não é para esquecer os escândalos um pouco mais velhos. Com a internet, o rádio e a TV trazendo o noticiário instantâneo, cabe aos jornais e revistas colocar ordem no caos, hierarquizar, transformar os fatos soltos numa história que faça sentido – editar, enfim. Cabe também levantar novos fatos, mas esta é a tarefa da reportagem; e a edição deve articulá-los. E, mais ainda, deve lembrar o que aconteceu.

Você viu em algum lugar que, em 28 de fevereiro de 2004, Carlos Chagas escreveu na Tribuna da Imprensa uma bela matéria sobre como o PT se financiava? [Clique aqui para detalhes da história e a íntegra do texto de Chagas.] E que alguns meses antes, em 8 de outubro de 2003, na IstoÉ Dinheiro, Hugo Studart publicou ótima reportagem sobre o ‘tesouro vermelho’? [Veja abaixo a íntegra da matéria.] Boa parte do que hoje se sabe já estava lá.

Mas este colunista, em vez de republicar as matérias, preferiria elogiar a imprensa por tê-las redescoberto, posto no contexto e oferecido a seus leitores.

Tesouro vermelho

Hugo Studart

[Copyright IstoÉ Dinheiro, 8/10/2003]

O PT cresceu, enriqueceu e quer mais. Nesta segunda-feira 6, o partido lança em todo o País uma agressiva campanha de filiação para conquistar 5 mil novos militantes por dia. A meta é saltar dos atuais 500 mil filiados para mais de um milhão ainda este ano. Velhos e novos militantes, todos têm de entregar pelo menos 1% de seus rendimentos para o caixa do partido. Em todo o País estão sendo instalados 1,5 mil outdoors, distribuídos 3 milhões de adesivos e 350 mil folders didáticos, num investimento de R$ 850 mil – além de R$ 3 milhões para a campanha de TV. Noutro claro sinal de que os problemas financeiros ficaram no passado, o partido inaugurou na segunda 29 sua nova sede nacional. Fica em Brasília, tem 600 metros quadrados em forma de pétala e aluguel de R$ 22 mil mensais. A rígida contabilidade do partido registra que R$ 661 mil foram investidos em decoração, móveis e equipamentos. ‘Merecemos, sem falsa modéstia, ter chegado até aqui’, comemorou o ministro José Dirceu, da Casa Civil, durante a inauguração.

O PT chegou ao poder com 400 mil filiados e conquistou mais 100 mil em seus dez meses de governo, 11 mil por mês. No momento, o partido vive também a maior expansão financeira de sua história de 23 anos. Em 2002, ano eleitoral, o partido arrecadou cerca de R$ 60 milhões em todo o País, segundo as contas oficiais. Este ano, deve amealhar cerca de R$ 120 milhões, equivalentes a US$ 40 milhões, o mesmo que o Partido Democrata dos Estados Unidos disse que gastou na eleição presidencial de 2000.

‘Não queremos fazer caixa, vamos gastar tudo o que for arrecadado no crescimento do partido’, revela o secretário de Finanças Delúbio Soares. Como se chega a essas contas? A arrecadação oficial deste ano aponta para R$ 83 milhões. Desses, R$ 23 milhões são verbas legais do Fundo Partidário; R$ 60 milhões são contribuições obrigatórias dos filiados. Deve-se somar ainda pelo menos R$ 30 milhões que a militância gasta com faixas, gasolina e alimentação, que não entra na contabilidade do partido. Com a campanha de expansão dos filiados, de R$ 20 milhões a R$ 30 milhões extras deverão entrar, um quarto este ano. Para 2004, o PT já começa o ano com um orçamento de R$ 100 milhões, mais R$ 50 milhões da militância. ‘Nosso maior capital é a capacidade de organizar as massas’, diz o presidente da legenda, José Genoino.

Há um triunvirato de executivos operando a expansão do PT. Além de Genoino e Delúbio faz parte dele o secretário de Organização, Sílvio Pereira. Delúbio é o administrador de tudo. Tem um poder bem acima de suas funções oficiais. Goiano, foi um dos que mais estimularam o conterrâneo (e contribuinte oficial do PT) Henrique Meirelles a entrar para a política. Mais tarde, participou da reunião que discutia o convite a Meirelles para presidir o Banco Central. Lula bateu o martelo quando Delúbio lhe entregou um jornal de Goiânia com as idéias do banqueiro.

Depois da posse de Lula, Delúbio arrastou 150 petistas, entre prefeitos e deputados, para uma festa na fazenda de seu pai, em Buriti Alegre. ‘Tenho muitos amigos’, diz. Ele é casado com Mônica Valente, ex-chefe de gabinete da prefeita Marta Suplicy e hoje secretária de Administração de São Paulo. Eles moram num apartamento no elegante bairro dos Jardins. ‘Estou lá há 14 anos’, contabiliza.

Delúbio adora charutos cubanos. Em Brasília, mantém uma caixa de Partagas (R$ 1.130) e outra de Cohiba (R$ 2.480). Por vezes, fuma dois de uma vez, um em cada sala. ‘São presentes de um amigo’, explica. Veste-se de forma sóbria, sempre de terno, e usa um velho relógio Citizen de titânio. ‘Custou US$ 100’, conta. ‘Tenho que me adaptar ao salário de R$ 5 mil que o partido me dá.’

O terceiro membro do triunvirato, Sílvio Pereira, também é o pivô do partido. Domina o mapa de 17.897 cargos federais de confiança. Já foram nomeadas 5.642 pessoas – ainda há 12.225 vagas a preencher. O PT tem uma tabela de contribuição obrigatória para os cargos de confiança, entre 6% e 20% do salário. A deputada tucana Yeda Crusius está acompanhando de perto cada nomeação. Segundo seus cálculos, o partido deve arrecadar este ano entre R$ 40 e R$ 50 milhões com o dízimo. ‘O PT está usando o dinheiro do meu imposto para financiar sua expansão’, diz. ‘Vamos terminar com um partido único.’ O presidente Genoino garante que o valor do dízimo não é significativo. Mas o fato é que quanto mais o partido cresce, mais rico fica.



Alzheimer

Por falar em memória, quando grandes empresas – coincidentemente, grandes anunciantes – são envolvidas no noticiário, isto ocorre a contragosto; e a notícia some rapidamente. Se o assunto voltar à tona mais tarde, volta mais leve, sem carregar o nome da grande empresa – que, coincidentemente, além de grande anunciante, também pode patrocinar viagens, concursos e prêmios de reportagem.

Há um ano, o jornalista Luís Costa Pinto informou que o deputado Ibsen Pinheiro, ex-presidente da Câmara, tinha sido cassado pelo Congresso graças a uma reportagem errada. Na época, um grande jornal, falando sobre Luís Costa Pinto, informou que ele, além de assessorar o então presidente da Câmara, deputado João Paulo Cunha, recebia também de uma multinacional de refrigerantes para ‘monitorar parlamentares’. Hoje, escrevendo sobre o envolvimento de Luís Costa Pinto e João Paulo Cunha com Marcos Valério, o mesmo repórter, no mesmo jornal, traça outra biografia do jornalista – e esquece a multinacional.

Não seja maldoso: esquecer alguma coisa todo mundo esquece, não é mesmo?



Com Ancelmo

Coisa boa dos Estados Unidos (impostos suportáveis, por exemplo) ninguém copia. Coisa ruim, como a prisão da jornalista Judith Miller por se recusar a revelar suas fontes, o povo se apressa em copiar. A vítima agora é um excelente jornalista, gente fina, ultra bem informado, Ancelmo Gois, de O Globo. O Ministério Público do Rio de Janeiro o denunciou por publicar informações mantidas sob segredo de Justiça numa disputa entre magistrados. Se condenado, Ancelmo está sujeito à pena de até seis anos de prisão. [Veja aqui as repercussões do caso.]

Duas observações: primeiro, quando gente do Ministério Público chama jornalistas para que divulguem detalhes de processos, ninguém processa ninguém. Segundo, quem tem de manter sigilo é o funcionário público que tem acesso aos processos. Já o jornalista tem a obrigação profissional e ética de divulgar o que descobre e de proteger suas fontes. É para copiar os EUA? Lembrem-se de Watergate: se o Ministério Público de lá pegasse o ‘Garganta Profunda’, fonte principal do Washington Post, iria processá-lo. Já Bob Woodward e Carl Bernstein, os repórteres que usaram as informações do ‘Garganta Profunda’, puderam trabalhar em paz – e, em conseqüência de seu trabalho, caiu um presidente corrupto.



Aprende, leitor!

Notável: um avião fez pouso forçado no Recife, com quase 300 passageiros. E o jornal nos explica direitinho, com direito a entrevista com técnico do DAC, o que é um pouso forçado. Que bom! Como é que pudemos viver até agora sem uma explicação técnica sobre o que significa realmente um pouso forçado?



O nome e a sigla – 1

Este colunista não conseguiu ler o comunicado oficial da Portugal Telecom explicando que não tem nada a ver com nada. Não conseguia parar de rir. Pois não é que o anúncio vinha encimado pela sigla da Portugal Telecom? Sim, claro: a sigla é PT. Nada melhor para uma empresa que anuncia que não tem nada a ver com nada, que nem ouviu falar dos sucessivos escândalos no Brasil, e que desmente a notícia de que Marcos Valério, o hoje famoso publicitário do PT, foi a Portugal especialmente para visitá-la e propor-lhe novos negócios. Como não deu mesmo para ler o anúncio, este colunista se despede: PT saudações.



O nome e a sigla – 2

Quando o presidente Costa e Silva sofreu um derrame e foi substituído por uma junta de oficiais-generais – um dos piores e mais duros períodos da ditadura militar brasileira – a agência americana Associated Press mandou ao Brasil um de seus melhores repórteres, Joseph Novitsky – que aprendeu um excelente português, ficou no Brasil um bom tempo e até se casou aqui mesmo. Novitsky teve problemas: no mundo inteiro, AP era Associated Press; no Brasil dos militares, era Ação Popular, movimento armado de oposição. Foi duro convencer os milicos de que ele, ao se apresentar como ‘Novitsky, AP’, não estava debochando deles.

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Jornalista, diretor da Brickmann&Associados