Em 2011 e 2012, grandes obras do setor elétrico foram sacudidas por manifestações de trabalhadores como há muito não se viam no país. A imprensa sistematicamente chegou depois, o que se explica, entre outras razões, pela distância entre as represas e as sucursais – para não falar das sedes – de jornais e revistas de influência nacional.
Um dos jornalistas que cobriram o day after desses movimentos indo ao local foi André Borges, da sucursal brasiliense do Valor. Ele aproveitou para fazer e conservar bons contatos com pessoas que lhe deram informações. Graças a essa pequena rede, na segunda-feira (11/3) Borges publicou no jornal reportagem de natureza antecipatória, com chamada na primeira página: “Tensão cresce de novo em Belo Monte”. Alertou para a iminência de mais um movimento de protesto de trabalhadores da construção da hidrelétrica de Belo Monte, no Rio Xingu, no Pará. Uma obra que integra o PAC, Programa de Aceleração do Crescimento.
“É o que vai acontecer se não houver entendimento entre as partes, e o entendimento parece distante”, disse na terça-feira em entrevista ao Observatório da Imprensa. O consórcio construtor, CCBM, liderado pela empreiteira Andrade Gutierrez, quer cortar da remuneração dos trabalhadores 20% de acréscimo dados hoje a título de “hora itinerário”, tempo em trânsito entre as casas onde moram – muitos com suas famílias – na cidade de Altamira, 100 mil habitantes, distante entre uma hora e uma hora e meia (na Amazônia as distâncias se medem em tempo de deslocamento, mais do que em quilômetros) do canteiro.
“Hora confinamento”
A desejada mudança decorre da construção de alojamentos junto à obra para 20 mil operários. Eles não precisariam mais se deslocar, mas não querem abrir mão do adicional de 20%, agora denominado “hora confinamento” por sindicatos que atuam na obra. O CCBM tenta, segundo Borges, “aplacar o descontentamento”.
A reportagem mostra que não existem conflitos apenas entre operários e consórcio construtor, mas também entre este e a Nova Energia, que determinará a contratação de mais 8 mil trabalhadores até meados de agosto, quando a obra terá seu pico de mão de obra.
O CCBM foi contratado pela Norte Energia, dona da hidrelétrica, empresa na qual o capital majoritário é das estatais Eletronorte (19,98%), Eletrobrás (15%) e Chesf (15%). Fundos de pensão de empresas estatais têm outras parcelas relevantes das ações.
Acúmulo de complicações
O conflito mais intenso, porém, é entre os dois sindicatos que atuam em Belo Monte, o Sindicato dos Trabalhadores nas Indústrias da Construção Pesada (Sintrapav), vinculado à Força Sindical, e outro sindicato, ligado à Conlutas, uma central não reconhecida oficialmente pelo governo que defende, entre outros pontos, a “anulação da reforma da previdência aprovada com uso do mensalão”.
“E existem outros graves problemas”, disse Borges ao Observatório. “Reclamações de indígenas, prostituição infantil em Altamira, a questão ambiental. O momento em Belo Monte está bem complicado.”
Há certa ironia amarga nessa história, insuficientemente coberta pela mídia jornalística: o discurso oficial a respeito da obra de Belo Monte foi de que ela ia “fazer escola!” em matéria de relações trabalhistas. Seriam aproveitadas, para que não se repetissem, as más experiências de Tucuruí, Balbina, Itaipu, Jirau e Santo Antônio.
Uma das aparentes aberrações em curso é uma taxa de R$ 30 mensais cobrada pelo Sintrapav de 18 mil funcionários da usina. Até onde se sabe, a contribuição sindical é paga anualmente, e vale um dia de trabalho. Segundo uma reportagem de André Borges ligada à matéria principal, “o pano de fundo que envolve os conflitos de trabalhadores de Belo Monte e, por vezes, o quebra-quebra nos canteiros de obra da usina, passa diretamente por uma intensa disputa sindical que tem marcado a construção da hidrelétrica desde o início, em junho de 2011. O título da matéria é “Sindicatos disputam receita anual de até R$ 6,5 milhões”.