Monday, 23 de December de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1319

Calma no Brasil

Parreira é burro, Ronaldo Gorducho não joga nada, Cafu está velho, a seleção é uma vergonha, precisa trocar todo mundo. Está na imprensa, caros colegas – na mesma imprensa que saudou o Parreira campeão do mundo de 1994 e lamentou sua saída do Corinthians, onde foi campeão brasileiro; na mesma imprensa que chamou o Ronaldo Gorducho de Fenômeno e, após o jogo contra o Japão, louvou seu futebol e sua capacidade de recuperação; a mesma imprensa que elogiou a forma de Cafu, sua humildade, sua defesa dos colegas, seu gesto de declarar amor à esposa enquanto levantava a Copa do Mundo.

Como se diria no tempo em que Zagalo era jovem, calma no Brasil! Não precisa trocar todo mundo, não. Da seleção que nos decepcionou em 54, na Suíça, sobraram quatro que foram campeões do mundo em 58 (e dois, Castilho e Nilton Santos, vinham da Seleção de 50, a que perdeu no Maracanã). Da vergonha de 66, na Inglaterra, sobraram seis que foram campeões do mundo em 70 – inclusive Gérson, que a torcida só não chamou de santo. Da horrenda Seleção de 90, nove foram convocados por Carlos Alberto Parreira para serem campeões do mundo em 94, Branco entre eles (e que acabou sendo decisivo na conquista do título).

E vamos esquecer essa bobagem de idade. Djalma Santos foi bicampeão do mundo (bicampeão mesmo: duas vezes em seguida) quando já tinha, só de minuto de silêncio, a idade de Roberto Carlos. Stanley Mathews, com 40 anos, deu um baile em Wembley em Nilton Santos, a Enciclopédia do Futebol.

Uma pergunta: se, no finzinho do jogo contra a França, Ronaldinho Gaúcho tivesse convertido aquela falta, as análises da Seleção seriam iguais às de hoje?

O dinheiro de Lula

A manchete sobre o patrimônio de Lula, que dobrou durante seu governo (embora não seja nada de excepcional para um homem cujas despesas, praticamente todas, são pagas pelo governo), traz um erro de conceito: se não há qualquer suspeita sobre o aumento de patrimônio, a manchete não se justifica. Se há suspeita, o aumento de patrimônio deve ser investigado. E, se do trabalho de reportagem resultar alguma acusação, esta sim deve ser manchete.

Imaginemos uma situação diferente. Uma manchete sobre, digamos, a saúde de um jogador de futebol. Algo assim: ‘Jacarezinho Junior deixa o campo após sentir dor no peito’. As implicações são claras – mas podem ser falsas: ele pode ter tomado uma cotovelada que o deixou dolorido e o obrigou a sair do jogo (e, assim, uma massagem e algum descanso o deixarão novo). Neste caso, uma manchete seria excessiva. Mas pode ser algo grave, e só neste caso, depois de investigado o assunto, valerá manchete.

Do jeito que a coisa foi colocada, levantou-se veladamente uma suspeita contra o presidente da República, tão veladamente que não permite defesa; mas que provoca indignação de leitores já irritados por outros episódios e que funciona como arma para a propaganda adversária na campanha eleitoral.

Os mensaleiros

Boa parte da imprensa continua julgando em bloco os parlamentares que foram acusados de receber recursos do esquema do mensalão. Entram nas reportagens sobre os candidatos às eleições os que foram condenados no Conselho de Ética e que, absolvidos mesmo assim em plenário, provocaram revolta da imprensa e da população. Mas entram também os que foram absolvidos no Conselho de Ética e tiveram a absolvição referendada em plenário, como se os casos fossem idênticos.

E entra, junto com os outros, um que jamais foi acusado de receber nada: o deputado federal Sandro Mabel (PL), de Goiás. De acordo com uma parlamentar goiana, Mabel lhe teria oferecido vantagens financeiras para mudar de partido. Ela disse ter recusado. A acusação não foi comprovada. Mabel foi absolvido no Conselho de Ética e no plenário. Mesmo assim, é envolvido nas reportagens como se fosse um dos que receberam dinheiro do valerioduto.

Parecem aqueles processos de outros tempos, em que os réus só iam a julgamento depois de condenados, tendo preservado o direito de confessar tudo aquilo que lhes fosse determinado. O curioso é que a imprensa ficou feliz quando esses tempos acabaram, mas fica furiosa quando alguém é inocentado.

O cientista

Aliás, há uma história maravilhosa sobre esses tempos acima citados. Um eminente cientista foi preso em 64, e o carcereiro gostou de seu jeito reservado, sua boa educação, seu hábito de ler o tempo inteiro. Um dia, resolveu aproximar-se do preso, e perguntou: ‘O senhor é corrupto ou subversivo?’ Foi acusado, alguma culpa deve ter. Não tem saída.

Boas sacadas

1- A grande manchete da Copa, sem dúvida, vem de Portugal. Referindo-se ao lance em que a torcida portuguesa pediu pênalti em Cristiano Ronaldo, o jornal estampa: ‘Roubaram o Puto!’

Puto, em Portugal, é sinônimo de garoto. E Cristiano Ronaldo é bem jovem.

2 – Uma das melhores primeiras páginas sobre a desclassificação brasileira vem da Folha de Pernambuco, jovem jornal que, em poucos anos, assumiu a liderança das bancas em Recife: toda preta, só com o título ‘França 1 x 0 Brasil’, e a frase ‘Não temos palavras’.

Lembra grandes primeiras páginas como a do Jornal da Tarde, em 82, com a foto do garoto chorando após a desclassificação brasileira no Estádio do Sarriá, ou a da Folha de S.Paulo após a derrota da emenda das diretas-já.

O furo n’água

Na principal coluna de notícias políticas do jornal, a informação de que o governador matogrossense Blairo Maggi não subiria ao palanque do ex-governador Dante de Oliveira. Duas páginas depois, na mesma edição, a triste notícia da morte de Dante de Oliveira.

Tá faltando um

Bandeirantes, Record e Globo já marcaram a data dos debates entre os candidatos à Presidência da República. As emissoras estão certíssimas: é importante que o eleitor tenha uma oportunidade de comparar os candidatos, de vê-los frente a frente, de assistir a um contraditório, de escapar à propaganda.

Mas não vai dar certo: o presidente Lula não deve comparecer aos debates. Em termos de marketing político, está certo: ele é o líder nas pesquisas. Se ganhar o debate, isso não lhe acrescenta muito; se perder, perde muito. Acontece que esse raciocínio derruba o interesse que seria despertado pelos programas e obriga o eleitor a assistir a um debate manco, entre um dos candidatos principais (Alckmin garante que vai) e os, com todo o respeito, candidatos nanicos.

Que fim levou?

Ninguém fala mais na lista de Furnas? E como anda o caso de Márcio Thomaz Bastos com Ivo Morganti – que jura ter enviado ilegalmente US$ 4 milhões para sua conta bancária no Exterior?

Olha…

Há muitos e muitos anos, o deputado Roberto de Abreu Sodré era um dos modelos da Assembléia Legislativa paulista. Homem honrado, sempre bem vestido, bem barbeado, de família tradicional, da UDN (o partido chique da época), Sodré era imitadíssimo pelos outros deputados. Tinha suas falhas gramaticais – mas boa parte de seus companheiros de Assembléia estava convencida de que um homem tão fino só podia falar corretamente. Foi uma época em que a maioria absoluta dos deputados dizia, como ele, ‘creio de que’, ‘acredito de que’ e outras pérolas (que foram retomadas muito tempo depois por um político que chegou a um posto muito mais alto).

Dois deputados plenamente alfabetizados e bem-humorados, Arruda Castanho e Raul Schwinden, costumavam apartear os discursos de Sodré, chamando a atenção para seus equívocos linguísticos: ‘deputado, cuidado com o solecismo!’ Sodré nunca lhes deu atenção: aliás, nem mesmo sabia o que era solecismo.

…a língua!

Talvez tenha chegado a hora de a imprensa tomar cuidado com os solecismos. Certos erros se espalham em altíssima velocidade. Agora, por exemplo, ninguém agradece nada a alguém: todos ‘agradecem alguém’. Ninguém baixa ao hospital. Todos ‘baixam hospital’. Departamento de Pessoal, jamais: agora é ‘departamento pessoal’. ‘Corpo de delito’, como é correto? Não: usa-se o horrendo ‘corpo delito’. O ‘lhe’ vem tomado rapidamente o lugar do ‘o’. E, no entanto, os manuais de Redação tratam do assunto de forma bem simples e didática.

Por que insistir em falar e escrever errado?

Coisa feia

Um homem de grande cultura, que chegou a altos postos como cultor do Direito, resolveu publicar um livro de humor, uma espécie de dicionário das expressões das empregadas domésticas. Eta, idéia infeliz!

Primeiro, porque a piada é antiga: as mesmas frases, ou semelhantes, já foram exaustivamente divulgadas pela Internet como tradução da linguagem dos mineiros (algo como ‘lidileite’, significando ‘litro de leite’). Segundo, porque não se ridiculariza quem já tem motivos de sobra para sentir-se discriminado. É claro que a intenção do autor do livro não foi ridicularizar ninguém, mas apenas fazer humor; no entanto, mesmo não intencional, o efeito acaba sendo esse.

Sotaque é sotaque, e pronto. O professor Henry Kissinger foi secretário de Estado americano falando com um sotaque alemão pesadíssimo. O almirante Cochrane mal falava português quando liderou brasileiros na luta contra os colonizadores portugueses.

É tudo Brasil, de ‘meu rei’ a ‘um chopps’. Não é questão de combater o livro, apenas de esquecê-lo. E de pedir ao autor – que é culto e bem humorado – que nos dê outra obra engraçada, sem esse tipo de problema. Afinal de contas, precisamos rir de alguma coisa.

Melhor que plástica

A frase é da cantora canadense Nelly Furtado, explicando por que mudou a aparência riponga e adotou um estilo mais sensual: ‘Miami faz bem à bunda’.

E eu com isso?

É difícil explicar como é que sobrevivemos tantos anos aos carros sem cinto de segurança, nem como é que vivemos tantos anos sem computador nem Internet. Mais difícil é entender como conseguimos viver sem as informações abaixo:

1 – Grupo Meteora, do namorado de Ivete Sangalo, lança primeiro CD.

2 – Kelly Key leva filhos ao circo e brinca com palhaço.

3 – Irmã mais nova de Paris Hilton vai lançar hotel próprio.

4 – Luana Piovani confirma namoro com Dado Dolabella.

Como é mesmo?

Esta notícia saiu com destaque:

Hilary Swank diz que vício do marido prejudicou seu casamento

‘A atriz ganhadora do Oscar Hilary Swank disse que a separação após oito anos de casamento com o ator Chad Lowe foi causada em parte devido ao problema de abuso de substâncias que ele vinha combatendo.

‘(…) A atriz disse, na última edição da revista Vanity Fair, que ficou chocada ao descobrir o vício de Lowe, que acabou contribuindo para o divórcio’.

Alguém poderia contar a nós, pobres leitores, qual é o vício que causou o divórcio?

******

Jornalista, diretor da Brickmann&Associados – carlos@brickmann.com.br