Friday, 22 de November de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1315

Caminhando contra o vento

O presidente Lula está errado: punir jornalistas por divulgar escutas telefônicas é o primeiro passo para a volta da censura. Mas o presidente Lula está certo: é preciso tomar alguma providência para proteger a intimidade das vítimas de escuta telefônica. Do jeito que está é que não pode continuar.

Como funciona? Alguma autoridade grampeia ilegalmente o telefone de um desafeto. Muitos meses depois, pede autorização judicial para grampeá-lo. As gravações antigas, ilegais, podem perfeitamente ser encaixadas na nova. Quem data as gravações? Aquele foneticista que passou a ser especialista em tudo?

Mas o pior não é isto. Uma autoridade grampeia alguém, legal ou ilegalmente, mas não pode divulgar as informações. Simples: passa tudo para um jornalista amigo, que publica o ‘grampo’ e diz que encontrou as fitas na janela da cozinha de sua casa de praia. Com base na notícia publicada, abre-se um inquérito. Com base nas fitas, abrem-se inúmeras possibilidades de chantagem.

No centro de São Paulo, área de concentração de produtos eletrônicos, há quem venda, baratinho, CDs que, segundo dizem, têm a lista dos clientes do Banestado. Verdade ou mentira? Este colunista não tem como saber. Mas, se a lista foi verdadeira, é preciso lembrar que os sigilos foram quebrados para facilitar a investigação, não para espalhar dados confidenciais a quem puder pagá-los.

A intimidade é um dos direitos fundamentais da Humanidade. O que se faz, hoje, e que precisa acabar, é transformar o país num grande Big Brother.



Quem agüenta?

Na semana passada, este colunista comentou a queda de circulação dos jornais – uma queda dramática, que os reduziu a 30% das vendas de poucos anos atrás. O Jornal Nacional também está em queda: mesmo apoiado numa novela de sucesso, Belíssima, o Ibope passou de 40 pontos em 2004 para 36 em 2005 e para 31,1, em 2006. Se a gente não agüenta ver os jornais transformados em lista telefônica de denúncias, é muito mais difícil tolerar o festival de acusações acompanhado por caras e bocas de heróis da mídia, repórteres e apresentadores.



O retorno

A Rede Globo, pelo menos, está atenta à queda de audiência. Repórteres de peso, como Maria Cristina Poli, Sandra Passarinho, Caco Barcellos e Neide Duarte voltam às ruas. São um colírio: fazem reportagem, não se limitam a entrevistar denunciantes que procuram destacar-se uns dos outros pela voz mais raivosa.



O sabor fica de fora

O pequeno diálogo foi uma das melhores coisas acontecidas na Comissão de Ética, durante o interrogatório do deputado José Mentor. E não apareceu em nenhum órgão de imprensa. O advogado Antônio Cláudio Mariz de Oliveira fez um comentário ao ouvido de seu cliente, e o relator Edmar Moreira (PFL-MG) se irritou: ‘O sr. pode falar ao microfone’. Mariz, advogado tarimbado, respondeu com toda a calma: ‘Eu disse ao meu cliente que o sr. já lhe fez a mesma pergunta quatro vezes’. O relator, ainda irritado: ‘É que eu acredito na teoria de que água mole em pedra dura tanto bate até que fura’. Mariz concluiu, então: ‘O sr. sabia que este é o método usado pelos investigadores da polícia?’



Cárcere

Aliás, nenhum repórter mostrou em suas matérias o que as CPIs fazem com os interrogados. Todos devem apresentar-se às 9 da manhã, e ficam numa sala, fechados, com seguranças à porta, até que Suas Excelências decidam iniciar a sessão (lá por volta de 11h30). Ir ao banheiro exige autorização dos seguranças. Os cavalheiros vão depondo, e os outros esperando; há quem seja chamado às 9 da noite, depois de 12 horas de espera na saleta.

Se a polícia fizer isso com alguém, a reportagem vai denunciar e protestar. Na CPI, fica todo mundo quietinho, esperando a matéria das agências oficiais para embasar seu relato.



I beg your pardon

Estilista, modista – que coisa mais feia, usar o nosso português num mundo chique como o da moda! Tem de ser ‘fashionista’ – da mesma forma como o jovem virou ‘teen’ e modelo virou ‘top model’ (ou, num requinte dos companheiros que pensam ser sofisticados, ‘über’, assim mesmo, em alemão). OK, saber inglês é importante. Mas será preciso fazer um curso para assistir aos desfiles?



Dúvida

‘Brutalmente torturado.’ A expressão está em todos os meios de comunicação. E alguém poderia nos informar em que circunstâncias a tortura não é brutal?



Diamantes da mídia

1. Esta é de um portal daqueles imensos, cheios de canais e recursos: ‘O zagueiro Gamarra adquiriu uma conjuntivite nos olhos’. Quanto o excelente beque paraguaio terá pago para adquirir a conjuntivite? E onde mais poderia ter conjuntivite? Não, caros colegas: ali onde vocês pensaram se chamaria ‘hemorróidas’.



2. Também da internet: ‘Mulher que teve o rosto transplantado não é reconhecida’. Se trocaram seu rosto, como reconhecê-la? Pelo branco dos olhos?



3. Transcrito de um grande jornal: ‘Um americano conseguiu reaver um carro esporte que tinha sido roubado há 33 anos’. O carro era um Corvette 69, roubado em 1969 mesmo. Vamos fazer contas? De 1969 para 2006 não dá 33 anos, não. Mas o problema não se limita às contas: segundo o jornal, o dono do veículo ‘a muito já tinha perdido a esperança de reaver o seu carro (…). O ‘a’, de ‘a muito’, certamente é conjugação do verbo ‘aver’.



O leitor quer saber

É ele! É ele! Um cavalheiro, que se identifica como fiel leitor desta coluna, pergunta se analfabetismo numérico é doença ou requisito profissional para jornalistas. E cita um exemplo: depois de dar o montante dos investimentos federais no Rio, o jornal afirma que o número ‘é 119% menor que o que será investido em Minas Gerais’. Notável: se alguém dá a este colunista um desconto de 100% está entregando o produto de graça. Será que o Rio está sendo obrigado a pagar alguma coisa ao governo federal?

O detalhe é que esta notícia saiu num grande jornal. E foi transcrita num blog, letra por letra, ou, como se diz no interior, ‘iguar que nem’. Nem o jornal nem o blogueiro perceberam que na conta havia um erro destes.