A nova mídia dos blogs e sites, e a velha lúmpen-mídia – os programas de entrevistas de rádio cuja selvageria fazem o Ratinho dos primeiros tempos na TV parecer, em retrospecto, um monge tibetano – são os dois canos de grosso calibre da arma que o governo americano usa cada vez mais para espalhar as suas verdades de fabricação caseira e obrigar a mídia tradicional a dar-lhes atenção, embora a contragosto.
Radialistas como Rush Limbaugh e blogueiros como Matt Drudge, os mais populares representantes dessa escumalha que conseguiu arrastar a níveis inéditos de baixeza o próprio jornalismo marrom, tornaram-se formidáveis formadores de opinião. Quanto mais o bushismo a eles recorre para semear os seus venenos, maior fica a sua audiência – e assim sucessivamente, levando às últimas a expressão círculo vicioso.
Claro que a direitona não detém o monopólio nem da blogosfera, nem mesmo da atmosfera. Mas o fato de serem esses os meios de comunicação, no sentido literal do termo, a que a Casa Branca dá prioridade para difamar políticos adversários e infamar o pensamento progressista americano em geral é um sinal dos tempos que os jornalistas em toda parte fariam mal em ignorar.
Espaço sem lei
As patranhas e mensagens de ódio confeccionadas sob a égide de Karl Rove, o mais influente conselheiro de Bush, encontram na blogosfera as condições climáticas ideais para se propagar.
Porque ela é habitada por uma proporção alarmante de tipos facinorosos que se intitulam ‘jornalistas-cidadãos’, sem que tenham o mais remoto compromisso com qualquer dos fundamentos do ofício e cujo alvo primário (nas duas acepções da palavra) é a Geni da cultura de massa nos Estados Unidos de hoje – a grande imprensa tida como ‘liberal’.
Floresceu nos últimos anos, escreve John F. Harris no Washington Post, ‘um ambiente político e de mídia frequentemente tóxico’. As mudanças na cultura midiática, observa, ‘influenciaram dramaticamente as estratégias e as rotinas diárias das principais figuras políticas’ nos Estados Unidos.
A política transformada em guerra – e em guerra suja, ainda por cima – que caracteriza a vida americana destes tempos sombrios tem na internet e nas já também citadas emissões de rádio o seu front natural. Por serem o espaço sem lei da mídia, os blogs estão para o extremismo assim como a grande imprensa, pelos freios e contrapesos que carrega, está para a moderação.
Formas de refúgio
O colapso dos padrões de contenção na nova mídia e na política de terra arrasada que asfixia o debate público na América ‘favorece os republicanos’, julga Harris – e bastam algumas horas de navegação pelos websites políticos americanos para perceber que ele está certo.
O vice-presidente Dick Cheney, cujos pendores ditatoriais dispensam apresentação, como se diz, citou outro dia o desmanche do ‘monopólio’ da velha mídia como uma das tendências mais favoráveis que já encontrou em toda a sua vida política.
A ele e à sua turma se aplica perfeitamente a observação de John Harris de que a transformada cultura de mídia proporciona a certos políticos ‘novas formas de refúgio’.
É o jornalismo-cidadão na sua mais temível encarnação.