A desvairada já foi mais discreta, pelo menos quando hospedou a Semana de Arte Moderna, em 1922. Quase noventa anos depois, na sétima edição da Virada Cultural, os jornalões paulistanos entregaram-se a um delirante oba-oba.
A formidável maratona de eventos no fim de semana (15-17/4) – 1.300 atrações ao longo de 24 horas – merecia uma cobertura na segunda-feira (18) seguinte menos displicente e mais responsável. A começar pelo número de assistentes/participantes.
A prefeitura paulistana decretou que a virada foi acompanhada por quatro milhões de pessoas. Ninguém duvidou. Quatro milhões o tempo todo ou só no sábado e metade do domingo? Qual o critério utilizado para medir este mar de gente espalhado pelo centro da cidade ao longo de uma jornada inteira?
A prefeitura evidentemente quer faturar a sua façanha – sobretudo no momento que o burgomestre tenta ganhar exposição nacional – mas a obrigação dos jornais é descrever com precisão o que aconteceu.
Lixo e bebida
Na sua primeira página a Folha de S.Paulo destacou defeitos no som. Mas que som, de quantos shows e de quais apresentações? O impávido Estado de S.Paulo simplesmente deu guarida aos dados do release oficial. Será que quatro milhões de pessoas não merecem saber tudo o que aconteceu?
Na cobertura da Folha, perdida no meio da vibração artística (‘Ilustrada’, pág. 3) uma notícia de 30 linhas informava que a ‘edição’ (isto é a Virada Cultural) teve duas mortes no mesmo viaduto, um violento confronto entre punks e skinheads e três esfaqueamentos com vítimas em estado grave. A polícia, segundo a Folha, suspeita que as mortes foram voluntárias, suicídio. Menos mal.
Irrelevâncias. Mas não valeria uma apuração mais cuidada mesmo que a manchete da página tenha garantido que a festa deste ano foi ‘mais limpa’? Aristocrático, o Estadão deu a sua versão da ‘jornada memorável’: atendeu ao gosto de quatro milhões, problemas apenas nos excessos de lixo e a bebida.
São Paulo é demais. A mídia local ainda não o percebeu.