Wednesday, 18 de December de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1318

Como buscar equilíbrio na cobertura

Aquilo que até hoje se fingia que não existia é agora oficial: começou a campanha. E para nós, jornalistas, é hora da difícil convivência entre o que pensamos e o que devemos publicar. É preciso, apesar da posição do veículo, apesar de nossa posição pessoal, tentar um mínimo de equilíbrio, que garanta aos candidatos oportunidades semelhantes de aparecer, independente do que pensemos sobre eles, independente de sua posição nas pesquisas.

Não é questão de aritmética, de medição. ‘João é ótimo’ e ‘José é ladrão’ ocupam praticamente o mesmo espaço, são ditos no mesmo tempo, e não significam que os candidatos tenham oportunidades semelhantes. Reportagens sobre comícios triunfantes e, em espaço idêntico, pesadas denúncias contra os adversários não significam oportunidades semelhantes. Ao mesmo tempo, é preciso publicar as denúncias; e é preciso publicar reportagens sobre comícios triunfantes.

O equilíbrio é fruto do bom senso e da disposição do jornalista de prestar ao leitor (e eleitor) o melhor serviço possível. Exige um jornalista consciente de que não se ganha eleições a golpes de manchete (e, se for possível fazê-lo, deve-se evitá-los). É preciso, também, prestar redobrada atenção à chuva de denúncias que ocorre neste período. A maior parte é furada, não presta; mas pode aparecer alguma coisa que deve ser aprofundada – seja de que lado for.

É complicado; há, no jornalismo, uma dose de subjetivismo. Isso não pode ser eliminado. Mas pode ser controlado, com uma dose idêntica de honestidade.



Só nós? E eles?

Mas há outro ponto que não deve ser esquecido: a avalanche de propaganda do governo federal. No caso, cabe à Justiça não apenas restringi-la, mas aplicar punições compensatórias, para que aos demais candidatos não reste apenas lamentar o prejuízo. Este colunista não entende sequer por que há propaganda oficial (excetuando-se a institucional: vacinas, editais, data de entrega do imposto de renda, essas coisas): nos EUA, modelo tão seguido por nosso país, não há propaganda de governo. Tudo bem, não é hora de discutir o assunto. Mas se a propaganda oficial, além de tudo, for maciça, concentrada em época pré-eleitoral, tendente a induzir o voto no candidato do governo, aí não pode ser tolerada.



Só ela?

Uma importante coluna publicou recentemente que Adelina Silveira de Alcântara Machado, empresária paulistana, seria candidata a um cargo eletivo. Tudo bem: é verdade. E os outros candidatos a cargos eletivos, também terão o nome divulgado?



O bom ministro

Roberto Rodrigues deixa o Ministério da Agricultura depois de, durante três anos e meio, ter tido seu desempenho elogiado pelo governo e por boa parte dos fazendeiros. Por que saiu? As versões são múltiplas – a tal ponto que não se sabe se pediu demissão ou recebeu o pedido de exonerar-se.

Curiosamente, pouco se mencionou a próxima reunião de ministros da Agricultura do Mercosul, que se realizará neste mês. Haveria lógica na demissão, tão perto de um compromisso importante, a menos que alguma divergência ligada ao evento tenha forçado a saída? O fato fica ainda mais curioso quando se recorda que, pela primeira vez, a Venezuela de Hugo Chávez participa da reunião. Haverá alguma concessão solicitada pelos hermanos a que Rodrigues se opusesse? Se isso ocorre, qual?



A crise ao lado

A imprensa presta pouca atenção ao movimento autonomista de Santa Cruz de la Sierra, na Bolívia. Santa Cruz é a capital de uma região plana, sem coca, sem vínculos com a área andina boliviana e sua população indígena, sem simpatia pelo presidente Evo Morales. A autonomia está para ser votada, e Evo Morales é contra. Se a autonomia for aprovada e o governo boliviano se recusar a implementá-la, haverá atritos. E esses atritos ocorrerão bem na fronteira do Brasil.



Quem lê primeiro?

Houve época em que o primeiro a ler a notícia era o revisor. Houve profissionais magníficos, como Ruy Onaga, Luís Carlos Cardoso, Raul Drewnick, Adam Sun. Por eles não passava nada. Com a entrada dos computadores nas redações, sumiram os revisores; supostamente, a matéria deve ser lida por quem a escreveu. Mas, como disse um famoso repórter ao chefe, que o acusava de não ler o próprio jornal, ‘eu sou pago para escrever besteira, não para ler besteira’.

Veja o resultado:

‘Solana vai reunir-se com autoridades do Irã em julho’.

E, logo abaixo, a frase que não foi retirada:

‘Corrige o título e o primeiro parágrafo, pois ainda não é certo se a reunião será no Irã’.

Há muitos e muitos anos, quando a correção monetária era novidade, uma delegação brasileira foi a Israel para uma reunião econômica internacional. O correspondente escreveu longa matéria sobre os diversos temas. E, num trecho, colocou:

‘A delegação brasileira falou de indexation (não sei a tradução nem de que diabo se trata)’.

A frase, naturalmente, foi publicada na íntegra.

Uma outra frase maravilhosa, recentíssima:

‘Revogada risão de acusado de assaltar BC de Fortaleza’.

Alguém precisa ler o texto antes de ir para o público!



E eu com isso?

Pois é: como é que fazíamos para viver antes do controle remoto? E escrevendo nossos textos a máquina, enviando-os por telex e confiando na telefoto?

A gente se vira. Afinal de contas, até agora conseguimos viver sem algumas informações fundamentais – por exemplo, a de que Nicole Kidman usou uma aliança brasileira em seu casamento. Mais algumas notícias sem as quais não conseguiremos chegar ao dia de amanhã (os portais de internet fazem a maior parte do serviço, sem dúvida; mas os veículos tradicionais também oferecem sua colaboração):

1. Bruce Willis brinca com tesoura em abertura de festival.

2. Victoria Beckham dá tempo em compras e futebol para ir ao teatro.

3. Paris Hilton vai à Copa e canta para os alemães.

4. – Atriz de Lost se casa com ator em Los Angeles.



Entenda!

Veja que delícia de título:

‘Blowtex faz samplig durante as férias de julho em Campos do Jordão’

Quem entender direitinho esta frase merece um prêmio – digamos, um retrato de Monica Lewinsky.

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Jornalista, diretor da Brickmann&Associados