As diferenças são monumentais: Lula, mesmo para o mais fanático de seus admiradores, não tem a menor semelhança com Humphrey Bogart; Beto Richa, por mais que se admire no espelho e repita orgulhoso a pergunta da madrasta de Branca de Neve, jamais poderia ser confundido com o galã Claude Reins. Dilma, definitivamente, não é Ingrid Bergman – embora Ingrid Bergman tenha dito que “felicidade é boa saúde e má memória”. Ninguém espera que, ao contrário do que ocorreu no filme Casablanca, esteja se iniciando uma bela amizade entre os personagens.
Mas há coisas em comum entre o filme de 1942 e o Brasil de 2015. Primeiro, a Casablanca do filme é uma cidade dividida entre os cidadãos em dificuldades (lá, por causa da guerra) e os que têm dinheiro e prestígio para frequentar os melhores lugares, onde flui a boa bebida e a elite dos derrotados confraterniza com os vencedores, apenas com uma ou outra divergência. Segundo, as rusgas entre os bem-nascidos, mesmo quando terminam em morte, se resolvem de maneira socialmente adequada: sejam quem forem os envolvidos, quem leva a culpa são os suspeitos de sempre.
No Brasil, nós, jornalistas, somos os culpados de sempre. Na opinião dos políticos, claro: Lula já disse que juntando todos os jornalistas de Veja e Época não chegam a 10% da ética dele (ambas as revistas, completa, “são um lixo e não valem nada” – embora Veja fosse ótima e válida quando estava a seu lado nas denúncias contra Fernando Collor). Em compensação, abra as redes sociais e há duras críticas ao Grupo Globo por seu apoio aos petistas (ao lado de duras críticas ao Grupo Globo por seu ódio aos petistas). Acusa-se a Folha de S.Paulo de ser tucana e de ser antitucana. Os petistas acusam a imprensa por dar pouco espaço à pancadaria policial contra manifestantes em Curitiba, os tucanos dizem que a imprensa só divulgou uma parte da história, evitando mostrar quem iniciou a guerra, e que a Globo não leva as imagens que comprovariam este fato para o Jornal Nacional (naturalmente, de seu ponto de vista, quem provocou o problema todo foram agitadores infiltrados na multidão, e a polícia só liberou seus pitbulls, todos mansos, em legítima defesa).
Engraçado? Em termos lógicos, é engraçado. Em termos práticos, é perigoso: fanáticos convencidos de que grupos de imprensa são poderosos o suficiente para barrar seus planos para o futuro do país podem repetir a besteira que fizeram não há muito tempo, de depredar o prédio da Editora Abril, ou de agredir repórteres durante manifestações de rua. A demonização dos jornalistas, especialmente nas redes sociais, chega a delírios pessoais, como acusar William Waack, profissional de primeira linha, de ser espião, por ter almoçado com diplomatas americanos (e, esquecem-se, russos, chineses, alemães, franceses, argentinos, israelenses, cubanos). E de atribuir a outro profissional de primeiríssimo time, Ali Kamel, o poder de comandar os proprietários dos maiores grupos de comunicação do Brasil e levá-los a uma ação conjunta contra o governo.
É importante, para quem não está interessado na divisão do país entre bons e maus, entre nós e eles, entre Fla e Flu, rejeitar esse tipo de acusação. A informação tem de ser difundida da melhor maneira possível, da maneira mais honesta possível, doa a quem doer. Que as posições ideológicas e partidárias se reflitam, mas não a ponto de distorcer a informação e difamar os adversários, pelo simples motivo de serem adversários. Ponto final.
Um grande escritor americano, John dos Passos, definiu bem a questão: “Não nos convidem para condenar meia guerra. Unam-se a nós para condenar a guerra inteira”.
Os loucos e os práticos
O delírio leva à loucura, o que é sempre péssimo. Mas há também a parte prática da coisa: governos diversos empregando jornalistas a favor e torpedeando jornalistas que não considera confiáveis; e, especialmente, políticos multiplicando processos contra jornalistas que os incomodem. Para o político, tudo bem: em geral não tem nada que lhe ocupe o tempo e dispõe de advogados em seu gabinete (adivinhe quem os paga).
Para os jornalistas, é um aborrecimento, já que têm de utilizar para a defesa tempo que seria mais útil no trabalho. E mesmo que advogados amigos os defendam gratuitamente, arcam com despesas e custas. O presidente da Câmara dos Deputados, Eduardo Cunha, do PMDB fluminense, está processando um dos jornalistas mais queridos do eixo Brasília-Rio, Jorge Moreno, de O Globo, considerando-se ofendido por achar que a expressão “Coisa Ruim” se refere a ele.
Frase de Moreno: “Cunha deveria processar suas próprias testemunhas, que levou para me acusar. Elas disseram ter certeza, mesmo sem provas, de que o meu Coisa Ruim é para ele. Elas o conhecem. Eu, não.”
Como é mesmo aquela história de carapuça?
Moral da história
Às vezes, montam-se alianças estranhas contra jornais e jornalistas. Grupos evangélicos radicais atribuem à Rede Globo o propósito de destruir a moral cristã – sim, este seria o propósito secreto dos Marinho e de seus meios de comunicação. A ponta de lança do desafio à família, à moral e aos bons costumes seriam as novelas, especialmente Babilônia. Nesta guerra, aliam-se conservadores (que, em outras ocasiões, se pegam com setores esquerdistas) e esquerdistas (que consideram os conservadores iguaizinhos aos fascistas) para atacar a Globo, com os mesmos pretextos, embora com objetivos diferentes.
A estranha aliança está dando resultado? É difícil avaliar. Mas o fato é que o vice-presidente de Relações Institucionais da Globo, Paulo Tonet, vem conversando com líderes da Frente Parlamentar Evangélica
Este colunista mantém sua posição: quem gostar da novela que assista à novela; quem não gostar, que mude de canal (há inúmeros, acreditem!); e quem considerar que todos são igualmente pecaminosos que use um botão de grande utilidade, o liga-desliga. Não há motivo nenhum para brigar. E não está escrito em nenhum livro sagrado que é obrigatório assistir à TV.
Boa proposta
O jornalista Reinaldo Azevedo faz uma proposta excelente: diante das acusações de que o governo federal contrata jornalistas para difamar a oposição, diante da descoberta de um blogueiro antipetista cuja empresa é contratada por uma das agências de propaganda do governo tucano paulista, sugere uma CPI dos Blogs. “Chegou a hora de a gente botar os pingos nos is. Blogueiros de todas as tendências, unamo-nos em favor da transparência! CPI dos Blogs Já! Vamos ver quem paga quem! Vamos ver de onde vem a renda dos blogueiros progressistas, reacionários, petistas, antipetistas. Os pagadores de impostos querem conhecer os praticantes do jornalismo dependente – todos dependem do que se arrecada com a extorsão tributária. Os leitores querem saber quem é honesto e quem é corrupto”. Ótima ideia. E se completaria com a aplicação da tese deste colunista: considerando-se que o governo é, por definição, um monopólio, não tem concorrência, não há qualquer motivo para que faça propaganda. E, sem verba de propaganda para desperdiçar, como comprar opiniões?
Pode ser ruim para a saúde financeira das empresas de comunicação, pode ser péssimo para a vida de quem depende de verbas oficiais, mas é ótimo para o governo, para os cidadãos, para a política. Quem deve ter prioridade: quem mama ou quem se exaure para manter as tetas abastecidas?
Economizando
Os meios de comunicação vão cortando despesas. E, pelo jeito, andaram cortando mais do que era admissível e o pessoal, sobrecarregado, erra um pouco mais:
>> Pergunta no ar, do apresentador do telejornal à moça do tempo: “E você tem outro lugar que vai ficar molhadinho amanhã?”
>> De um grande portal de informações, ligado a um importante jornal:
Na capa: “Cunha critica terceirização em palanque da Força”
No texto: “Eduardo Cunha criticou a CUT durante a festa da Força Sindical na capital paulista pelo fato de a central combater o projeto de terceirização aprovado na Câmara”
>> Reportagem de futebol de salão (em tucanês, futsal), numa TV especializada em esportes:
** “Nenhum dos árbitros disseram que apitaram (…)”
>> De um grande jornal impresso, de circulação nacional, um dos líderes de demissões de jornalistas (em tucanês, de “enxugamento de redação”):
Segunda chamada de primeira página, do lado esquerdo: “Com impacto do dólar, prejuízo da Vale vai a R$ 9,5 bi no 1º trimestre”.
Terceira chamada, em corpo menor, na primeira página, do lado esquerdo: “Com impacto do dólar, prejuízo da Vale vai a R$ 9,5 bi no 1º trimestre”.
Para valer dois títulos iguaizinhos, apenas com pequena diferença no tamanho, deve ter sido mesmo um tremendo impacto.
Terremoto radiofônico
A decisão é uma bomba, num mercado há muito tempo anárquico e em que o cumprimento da lei é eventual: o radiofônico. A Justiça decidiu liminarmente suspender as transmissões da Rádio Vida FM, em São José dos Campos e Mogi das Cruzes, por descumprir a Lei Geral de Telecomunicações. As principais irregularidades: primeiro, embora tivesse licença para transmitir com 30 kW a partir de São José dos Campos, tinha outra antena, com potência de 100 kW, em Mogi das Cruzes, multiplicando assim sua área de abrangência; segundo, aluguel ilegal da frequência a um grupo religioso, responsável pela geração de todo o conteúdo.
Por que é uma bomba? Porque o que mais há no país é emissora que ganha concessão para determinada área e instala sua torre numa grande cidade, entrando ilegalmente em área cuja concessão não disputou. Em São Paulo, há dezenas de emissoras do interior que instalaram suas torres na Avenida Paulista – e algumas ficaram tão longe que as cidades a que deveriam servir nem conseguem receber seu sinal. Há também torres ilegalmente instaladas em áreas de preservação ambiental. Até agora, sabe-se lá por que, as autoridades deixavam tudo correr solto. Com a intervenção da Justiça, pode haver mudanças importantes no mercado.
O aluguel da programação também é ilegal. E há muitas emissoras que dizem sobreviver deste aluguel, sem o qual terão de fechar as portas.
É briga brava, que envolve gente grande. Empresas conhecidíssimas violando leis e regulamentações que conhecem muito bem.
Marinho (o bom)
Um grande jornalista, que chefiou a esplêndida equipe de esportes do Jornal da Tarde. Um excelente escritor (o que pode ser comprovado no ótimo Velórios Inusitados). Gente fina – este colunista o conhece há quase 50 anos, e neste meio século não conheceu ninguém que não goste dele. Mário Marinho, mineiro de Ribeirão das Neves, vivendo em São Paulo desde 1968, lança no dia 12 seu primeiro romance, O Padre e a Partilha, a história do filho de um português assassinado em Minas e de um padre alemão que não o conhece. Não o conhece, não se conhecem, mas o destino de ambos está traçado: um tem tudo a ver com o outro. Onde será o lançamento? Depende: sai ao mesmo tempo em Lisboa, pela Editora Chiado, e no Brasil – aqui, em nosso país, na livraria Martins Fontes, Avenida Paulista, 509, no próximo dia 12/5, terça-feira, a partir das sete da noite. Mário Marinho é um escritor que vale a pena.
Crime e mistério
Um homem negro é enforcado numa praia. Tudo leva a pensar em crime motivado por racismo – mas a coisa é mais complicada: há brigas pessoais, há tráfico de drogas. E se desenrola um romance bem interessante, com uma escolha trágica: um fotógrafo deve fotografar o homicídio de um homem cuja missão é matá-lo, ou deve desistir da foto e salvar a vida daquele que projeta assassiná-lo? O autor deste Click & Let Die é um jornalista consagrado, Carlos Carolino, com passagens pelas redações dos maiores meios de informação do país. Lançamento: dia 9/5, sábado, às 17h, no Espaço Parlapatões, Praça Roosevelt, 158, SP.
Como…
De um grande portal noticioso:
** “Itamaraty pede a suspenção do fuzilamento de brasileiro na Indonésia”
“Suspenção” deve originar-se do verbo “suspençar”. E não tem qualquer relação com o verbo “pensar”.
…é…
De um grande portal noticioso, ligado a um dos maiores grupos de comunicação do país:
** “O relógio atômico de gelosia de estronio”
Pela matéria, dá para deduzir que o estronio é “estrôncio”, um elemento radiativo. Ao contrário do que parece, “estronio” não é metade do nome do jogador que está aparecendo agora no juvenil, o Júnior Estronio.
…mesmo?
De uma grande revista, daquelas que se orgulham do texto bem cuidado:
** “Copiloto agiu de forma intensional para derrubar avião”
É questão de aplicar a Lei das Compensações: troca-se uma letra do “intensional” por uma do “suspenção”, duas notas acima. E tudo bem.
Frases
>> Do presidente nacional do PDT, Carlos Lupi, ex-ministro de Lula e de Dilma, que já se declarou à presidente (“Dilma, eu te amo”): “A gente não acha que o PT inventou a corrupção, mas roubaram demais. Exageraram!”
>> Do internauta Alexandru Solomon: “A famosa frase latina ‘Est modus in rebus’ (há um limite nas coisas), lida pelo senhor Carlos Lupi pronuncia-se ‘Est modus in roubus’.”
>> Do jornalista Cláudio Tognolli: “Muito boa minha vida de escritor agora com 15 livros: montanha, grama verde, céu azul. Pena que seja o velho descanso de tela do Windows.”
>> Do internauta Mário Aquiles Fuerte: “Estima-se que a reconstrução do Nepal vai custar 6 bilhões de dólares. Considerando que o prejuízo contábil da Petrobras chegou próximo de 10 bilhões de dólares, podemos concluir que financeiramente é melhor um país ser devastado por um terremoto do que administrado pelo PT.”
>> Do jornalista Sandro Vaia: “Considerando que o prejuízo da corrupção foi de 6 bi e o da incompetência 22 bi, devemos então considerar que eles são mais incompetentes do que ladrões?”
>> Do consultor Augusto de Franco: “Após 20 anos observando (de fora, mas de perto) cheguei à conclusão de que o PSDB é um daqueles raros organismos incapazes de aprender.”
>> Do jornalista Ricardo Noblat: “Quero morar na propaganda do governo.”
>> Do jornalista Fred Navarro: “Atacar Sergio Moro e o MPF, e defender Dirceu, Palocci e as empreiteiras, é sinal de enriquecimento. Não intelectual, claro.”
>> Do cientista político Cid Benjamin, ex-guerrilheiro, fundador do PT, hoje incluído com destaque na lista das pessoas que os petistas mais odeiam: “O Brasil é feito por nós. Só falta, agora, desatá-los.”
>> Da jornalista Regina Helena Paiva Ramos: “Minha pátria giganta será que aguenta tanta anta?”
E eu com isso?
Desista: até aqui, neste reduto de assuntos popularmente comentáveis, já está havendo infiltração de temas que não entram na conversa da fila do banco. Até notícia sobre o terremoto do Nepal está cabendo!
** “Resgatado no Nepal depois de 5 dias comeu manteiga”
** “De saia, Sasha é flagrada cheia de estilo em passeio”
** “Kim Kardashian usa bolsa com desenho de seu casamento”
** “Shakira e Gerard Piqué levam o filho à partida de tênis”
** “Fernanda Lima e Rodrigo Hilbert jogam vôlei na praia”
** “Após terminar com Miley Cyrus, Patrick Schwarzenegger faz compras com a mãe”
** “Fiorella Mattheis e Alexandre Pato curtem dia na praia”
** “Simon Cowell mostra momento de ternura com o filho”
** “Sophia Abrahão e Sérgio Malheiros curtem jantar”
** “Nathália Rodrigues leva o namorado a evento”
** “Christina Aguilera adere ao corte long bob”
** “Letícia Spiller quase mostra demais ao levar o filho à escola”
** “Britney Spears acompanha jogo de futebol dos filhos ao lado do ex-marido”
** “Anna Lima aproveita manhã livre para se exercitar no Rio de Janeiro”
** “Sam Smith faz tatuagem para os fãs”
** “Helô Pinheiro leva Rafaella Justus para assistir a peça infantil”
** “Kylie Jenner não quer ser modelo”
** “Grazi Massafera passeia de bicicleta com a filha”
O grande título
A variedade é grande (e inclui até aquela manchete onde houve obviamente um erro de digitação, mas que ficou muito engraçada):
** “‘Parecia crime’, diz mãe sobre amamantar em público”
Há manchetes sobre eventos surpreendentes:
** “Em alta velocidade, motorista invade horta com Ferrari no interior de SP”
Temos títulos nos quais não é nada difícil encontrar uma segunda leitura:
** “Homem é visto de cueca e exibindo cobra no trânsito de Salvador”
Há aquele modelo clássico de manchete, que exige total atenção (e nem sempre com êxito) para ganhar algum sentido
** “Mãe tira leite e pai busca emprego”
Deve querer dizer alguma coisa
E há um título fantástico, de longe o melhor da semana:
“Dois em cada três fumadores vão morrer, revela estudo”
E dos que não fumam, quantos escaparão à sina fatal?
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Carlos Brickmann é jornalista, diretor da Brickmann&Associados Comunicação