Wednesday, 18 de December de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1318

Correção que tarda é falha

No dia 27 de outubro, a internet ferveu: William Waack, Fernando Rodrigues e Hélio Gurovitz, três jornalistas de primeira linha, respeitadíssimos, foram acusados de ser informantes do governo americano – alguns blogueiros e tuiteiros chegaram a usar a palavra “espiões”. A informação foi atribuída ao site Wikileaks; e a jornalista Natalia Viana, que teve um contrato de parceria com o Wikileaks, foi várias vezes apontada como fonte da notícia.

Dia 27, dia 28, dia 29… Então, em 10 de novembro, 15 dias depois da publicação das acusações, as jornalistas Natalia Viana e Marina Amaral, sua sócia na agência Pública de jornalismo investigativo, publicaram neste Observatório (ver “De interlocutor a ‘informante’“) uma refutação cabal das denúncias contra Waack (Fernando Rodrigues é citado de passagem, Hélio Gurovitz não é citado). Trechos:

“O simples fato de um político, jornalista ou empresário ir até a embaixada ou ao consulado americano não significa que ele seja considerado um informante pelos diplomatas dos EUA. Como sabem diplomatas e jornalistas, representantes estrangeiros se reúnem o tempo todo com pessoas do país para se informar, sentir o que pensam determinados setores, para afinar sua visão sobre a política ou a economia do país; é esse o seu trabalho. Do mesmo modo, não se pode criticar políticos ou jornalistas por se aproximarem dos diplomatas, também com o objetivo de buscar informações ou cultivar fontes que possam trazer novidades sobre as relações bilaterais (…)”.

“Culpar um jornalista por ter conversado com um embaixador é como punir um mecânico por estar com as mãos sujas de graxa(…)”

“Neste caso, como tem acontecido com uma velocidade impressionante, uma 'notícia mal apurada foi reproduzida por diversos veículos, na pressa de produzir mais, e não melhor(…)”.

Este colunista leu e não entendeu o motivo da demora (a própria agência Pública, ao enviar à sua lista o artigo publicado neste Observatório, refere-se a “um pouco de atraso” – um atraso difícil de admitir quando o que está em jogo é a reputação de seres humanos. Aí, pouco depois, este colunista soube que William Waack estava entrando na Justiça contra um blog que o chamou de “espião”, e que poderia também processar os tais “blogueiros independentes” que o acusaram.

Que coincidência! A decisão de Waack de entrar na Justiça e a decisão de quem havia sido apontado como fonte da informação de refutar as acusações – contra ele, mas sem citar os outros – caíram na mesma data.

 

Dúvida de leigo

O ex-presidente Lula está em tratamento quimioterápico contra o câncer e, pelo que este colunista saiba, deve estar com imunidade reduzida. É para evitar problemas, aliás, que Lula só aparece na janela de seu apartamento com máscara cirúrgica.

A pergunta, portanto, se impõe: não há excesso de visitas ao doente? Todos os dias aparecem políticos em seu apartamento; provavelmente não há risco, ou seus médicos não as aprovariam. Mas não está na hora de a imprensa colocar a história em panos limpos? É bom para o presidente receber tantas visitas?

Tudo bem, ele gosta de conversar, mas considerando-se que sua laringe foi atingida, isso não prejudica o tratamento?

 

Informação e fofoca

Até agora não deu certo com ministro nenhum, mas Carlos Lupi, do Trabalho, decidiu aplicar a fórmula defendida pelo ex-presidente Lula: a Teoria do Casco Duro. Já que não dá muito para se defender, parta para o ataque. Lupi fez todas aquelas acusações já celebrizadas por outros ministros que caíram e tomou ainda outra iniciativa: mandou publicar no portal do ministério as perguntas que os repórteres lhe enviam. Seria uma iniciativa corretíssima, se aplicada depois da publicação da matéria. Do jeito que está, viola o sigilo das reportagens, prejudica o trabalho de apuração da notícia e revela à concorrência o que cada veículo pretende fazer. Vai dar confusão: este colunista, por exemplo, suspenderia imediatamente as tentativas de ouvir a versão do ministro, publicaria a matéria e abriria espaço, só então, para que ele se defendesse.

No final do governo Lula, a Petrobras fez algo semelhante, mas logo se corrigiu: começou a publicar perguntas e respostas antes da publicação das reportagens. Logo depois, adotou a prática de publicá-las após a publicação, ou simultaneamente, ou em prazos combinados, “x” dias após os esclarecimentos terem sido fornecidos, se a reportagem ainda estivesse inédita.

Neste caso, a medida é ótima: permite que qualquer consumidor de informação possa verificar se não há distorção das perguntas (ou seja, aquilo que foi publicado é exatamente o que foi indagado) nem das respostas.

 

Salve, Mingote!

Domingos Meirelles, excelente repórter, toma posse terça-feira (15/11) da cadeira nº 2 do Instituto de Geografia e História Militar do Brasil. Meirelles tem dois livros que se transformaram em obras de referência: As noites das grandes fogueiras, sobre a Coluna Prestes, e 1930 – os órfãos da revolução. Como repórter, teve lances históricos: foi, por exemplo, quem conseguiu carteira de motorista para um cego, na revista Quatro Rodas.

 

Wal-Mart, cadê a reportagem?

A história é excelente: a multinacional de origem americana Wal-Mart obriga seus funcionários a cantar, no início e no fim das reuniões, um hino de guerra (inspiradíssimo: “me dá um W, um A, um L, me dá um rebolado”). E todos são obrigados a rebolar. Quem, a critério da direção, não rebolasse direito, era levado para a frente do grupo, e tinha de rebolar até acertar.

O executivo Eduardo Grimaldi de Souza, 40 anos de idade, 10 de Wal-Mart, foi várias vezes obrigado a rebolar na frente do grupo – até que entrou com ação de danos morais contra a multinacional. Ganhou em primeira instância, a Wal-Mart recorreu. O executivo ganhou em segunda instância, por decisão da 10ª Turma do TRT de São Paulo. A indenização foi fixada em R$ 154 mil. A Wal-Mart informa que pretende recorrer ao TST. A agressão à dignidade do funcionário foi assim definida pelo juiz Diego Cunha Maeso Montes: “(…) a empresa tratou os funcionários como bonecos e servos de gleba, que mudos e calados devem se submeter a todo tipo de ordens e caprichos de seu dono”.

As informações acima foram obtidas no respeitado portal jurídico Espaço Vital. Talvez por falha de pesquisa, este colunista não as encontrou na imprensa – que tem o Wal-Mart como bom anunciante. OK, mas o fato de ser bom anunciante deve retirá-lo do noticiário, especialmente quando a empresa é condenada por atentar contra a dignidade de funcionários?

 

Wal-Mart, sem respeito

A Wal-Mart, a propósito, costuma desrespeitar também cidadãos comuns. Atulha as caixas postais com propaganda não-solicitada (sabe-se lá onde consegue os endereços virtuais), recebe solicitações de descadastramento e continua enviando lixo eletrônico, com outros nomes de empresas que sugerem “ofertas Wal-Mart”. Descadastradas, o nome das tais empresas muda, mas as “ofertas Wal-Mart” continuam. A vítima que rebole. Os meios de comunicação? Quietos.

 

Na hora errada

Ficou divertido: enquanto o governador de Brasília Agnelo Queiroz luta contra acusações, enquanto o PT distrital luta para evitar investigações sobre seu governo, vem um release de lá com o título “De choro novo”. Nada a ver com política: é a transferência do Clube do Choro de Brasília para nova sede, projetada naturalmente por Oscar Niemeyer, que naturalmente ganhou o projeto sem concorrência, e naturalmente inaugurada por políticos ligados ao Governo Queiroz.

 

Vargas Llosa, por Setti

Cada um em seu setor, são dois talentos: Mario Vargas Llosa, um dos grandes escritores em língua castelhana, e o grande jornalista Ricardo Setti, que acaba de editar em livro suas entrevistas com ele – Conversas com Vargas Llosa – Antes e Depois do Nobel. Assuntos? Todos: política, literatura, relações internacionais, o politicamente correto, antiamericanismo, desilusão com o socialismo, sua candidatura derrotada à Presidência do Peru (perdeu, veja só, para Fujimori), drogas, pessoas com quem teve contato mais próximo – Lula, Fernando Henrique, Fidel Castro, Jorge Luís Borges, Julio Cortázar, Che Guevara, Pablo Neruda, Jorge Amado. Fala dos horrores da guerra no Congo, de sua vida pessoal – só foi conhecer o pai aos dez anos de idade – de drogas, do mundo e suas implicações. Vale – vale muito!

 

Livros…

Celina de Castro, mineira que vive em São Paulo, lança na quinta-feira (17/11), a partir das 20h, o livro Santos de Vento. São crônicas, são contos? Não importa: são muito bem escritos. Tratam da vida rural, seus costumes e crenças, observadas por uma menina que quer saber como os adultos vivem. No Espaço Cultural Barco, Rua Virgílio de Carvalho Pinto, 426, São Paulo.

 

…livros às…

O Monumento às Bandeiras? Victor Brecheret. Monumento ao Duque de Caxias? Victor Brecheret. Semana de Arte Moderna? Vinte das principais esculturas foram de autoria deste italiano que se ligou à vanguarda cultural brasileira e se transformou num artista símbolo do modernismo no país. Nesta quinta, no Museu Brasileiro da Escultura, MuBE, na Av. Europa, 218, SP, deve ser lançado Brecheret e a Escola de Paris – que traz, entre outras preciosidades, as cartas e cartões postais que trocou com Mário de Andrade, outro símbolo da vida intelectual brasileira. Em data ainda não marcada, virá outro livro, Brecheret, a linguagem das formas, reedição de obra já lançada em 2004.

 

…mancheias

O grande Carlos Eduardo Novaes, escritor, cronista, jornalista, dono de texto divertidíssimo, lança na quinta (17/11, eta, dia mais cheio!) o livro Redemptoris – a saga do Cristo desaparecido. Novaes sempre vale a pena. Na Livraria Argumento, Rua Dias Ferreira, 217, Rio de Janeiro.

 

Como…

De um grande portal noticioso:

** “Alfabetizados, mais de 40% dos alunos não sabem ler e escrever”

 

…é…

De um grande portal noticioso, ligado a um jornal importantíssimo:

** “Foi a segunda vitória da Seleção brasileira feminina (de vôlei) na Copa do Mundo, no Japão”

Texto:

** “O time nacional acumulou a sua quarta vitória consecutiva na competição.”

O texto é que está certo.

 

…mesmo?

De um grande jornal, de circulação nacional:

** “Ramon diz estar animado com a próxima temporada, com gás para completar 40 anos em campo como jogador profissional de futebol”.

Imaginemos que Ramon tenha começado sua carreira profissional com 16, bem novinho. Estaria agora, então, com 56 anos – batendo o recorde de Manga, batendo o recorde de Stanley Matthews. Guinness Book para ele!

 

Como (extra)…

De um grande jornal, que já se orgulhou do texto sem falhas:

** “Há seis rodadas do fim da competição (…)”

 

…é (extra)…

Notável esse parágrafo de um jornal de circulação nacional:

** “ (…) já no final da partida ele poderia ter feito o gol da vitória caso o goleiro Rui Patrício não defendesse”.

E este colunista poderia ter feito mais de dois mil gols, batendo de longe o recorde de Pelé, se seus marcadores não insistissem em tomar-lhe a bola e os goleiros não se recusassem a colaborar, aceitando todos os chutes que acertassem o alvo.

 

…mesmo (extra)?

Lembra dos Três Mosqueteiros, que na verdade eram quatro?

Pois não são mais os únicos: segundo um importante portal noticioso brasileiro, “Cataratas do Iguaçu e Floresta Amazônica são uma das sete novas maravilhas da Natureza”.

E essa “uma das maravilhas” é tão dupla que até o título da notícia salienta o fato, usando o verbo “ver” de maneira pouco ortodoxa:

** “Vejas as duas maravilhas naturais do país”.

 

Mundo, mundo

Lindsay Lohan, complicada mas bem bonita, sai na capa da Playboy americana. Seu agente, Steve Honig, fala sobre o tema: “O ensaio de fotos é totalmente fantástico e de muito bom gosto, e será acompanhado de uma entrevista que permitirá aos leitores conhecer outro lado de Lindsay”.

Os americanos se curvam ante o Brasil. Aqui, há muitos e muitos anos, desde os tempos de Juca Kfouri, Ricardo Setti, Mário de Andrade, a Playboy já mostrava o outro lado de suas atrações.

 

E eu com isso?

Derruba-se uma floresta para produzir celulose e papel. Constrói-se uma hidrelétrica para gerar energia. Com papel e energia à vontade, surgem as notícias:

** “Marisa, mulher de Lula, é vista no apartamento do casal em SP”

** “Milena Toscano está de namorado novo”

** “John Malkovich reencontra massagista brasileira que conheceu em Londres”

** “Bianca Rinaldi passeia com as gêmeas no Rio”

** “Filhos de Britney Spears voltam à praia de Ipanema durante a tarde”

** “Modelo vista em iate com Neymar toma banho de mar na Barra da Tijuca”

** “Famosos circulam com seus cães, vão às compras, às praias e jantam fora”

** “Globo dispensa ator que disputaria mocinha em Fina Estampa”

** “Casamento foi uma farsa e Kardashian ama outro, diz assessor”

** “Luciano Huck e Angélica vão a casamento no Rio de Janeiro”

 

O grande título

A disputa é feroz, com títulos absolutamente fantásticos:

** “Biólogo captura peixe acusado de atacar humanos no Texas”

Quem será o advogado do peixe? Quem defenderá o elemento?

** “Queridinha de Hollywood troca loiro por Chanel”

Curiosíssimo: loiro é cor, Chanel é um estilo de corte. Pode-se usar Chanel com cabelos loiros, morenos, brancos. O que não se pode é trocar um pelo outro.

** “Pré-candidato a prefeito morto chamou políticos de ‘violentos’”

Ele certamente tem razão. Mas, na já longa carreira deste colunista, ele jamais havia tomado conhecimento de mortos que falam.

E agora, o grande título:

** “‘Vou guardar essa’, diz Dedé após brilhar no Vasco”

Notável. Talvez até faça sentido. O palpite deste colunista (que pode estar certo ou errado, quem garante?) é que Dedé está disposto a lembrar não apenas a data em que começou a brilhar no Vasco como também depois dela.

***

[Carlos Brickmann é jornalista e diretor da Brickmann&Associados Comunicação]