Wednesday, 18 de December de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1318

Deus e o diabo

Deus mora nos detalhes. O diabo também.

A imprensa do dia-a-dia é plena de pequenos equívocos que ‘saem na urina’, como certa vez o jornalista Cláudio Abramo (1923-1987) a eles se referiu. A recorrência os transforma em filigranas de somenos, que não matam nem deixam seqüelas graves, mas, sob a lente de aumento de um observador, denotam desleixo, ou uma burocrática inexperiência, ou mesmo alguma ignorância bem-intencionada. Não será preciso ter cabelos brancos para saber contorná-los, mas para neles não escorregar são imprescindíveis o cuidado redobrado com a precisão das informações e uma sempiterna vontade de aprender. São, em suma, pormenores que existem às carradas por aí, tanto na reportagem como na edição. E o leitor que se vire.

Na abertura da matéria principal do empolado suplemento Mais!, da Folha de S.Paulo de dominigo, 29/2 (‘Dialética da marginalidade – caracterização da cultura brasileira contemporânea’, pág. 4), estampa-se uma foto que ocupa quase toda a página mostrando o ator Leonardo Vilar no antológico O Pagador de Promessas, filme de Anselmo Duarte, vencedor do Festival de Cannes de 1962.

Na legenda, o fechador tascou: ‘Anselmo Duarte em cena do filme ‘O Pagador de Promessas’, que ganhou a Palma de Ouro em Cannes em 1962’. Em que pese a falta de uma vírgula (minudência que, a esta altura, também sai na urina), está dito ali, como complemento a uma bela, forte e bem diagramada imagem, que o personagem a carregar a cruz – e que cruz! – é o diretor do filme, e não seu ator principal. Quem? Anselmo, Leonardo… ou será o contrário?

O diabo aí está.