– Excelente! Pode publicar.
Cleto, o editor, estava eufórico. Seus olhos faiscavam, como sempre acontecia diante do que considerava uma boa manchete. Era uma pessoa brilhante, sem dúvida. Só que sua inteligência era toda voltada para o mal, como dizíamos na redação. Um tino administrativo como nunca se viu. Mas inacreditavelmente insensível a todo o resto.
– Mas assim, sem investigar?, eu perguntei o que todo mundo queria.
– Investigar o quê?
– Não acha uma afirmação meio pesada pra primeira página? E nossos leitores religiosos? – resolvi jogar no mesmo terreno dele.
– Esses são os que mais vão comprar. A curiosidade mórbida aumenta quando nos toca fundo, meu caro.
– Ainda assim.
– Ora, ora. Pois já não decretaram a morte de Deus há muito tempo?
– Nietzsche – eu arrisquei, lembrando-me de algumas leituras e conversas com Paulo Otávio.
– Como?
– Acho que foi Nietzsche.
– Pois é. Não foi esse aí que disse que depois de Auschwitz Deus tinha morrido?
– Aí foi Adorno. E o que ele disse foi que a poesia não era mais possível depois de Auschwitz. Ou a arte não era mais possível, sei lá, esqueci.
– Adorno, Nietzsche, esses franceses são mesmo geniais. Olha só que frase de efeito, que manchete linda: ‘Depois de Auschwitz, a poesia não é mais possível’. Excelente pro caderno 2. Anota aí, Camila.
– Alemães – eu o corrigi.
– Hã?
– Eles eram alemães.
– Ou isso. Quer mesmo investigar? Então está bem. Vá até o observatório do tal astrônomo, como é mesmo o nome dele?
– Antônio Vieira.
– Esse. Vá lá e converse com o sujeito. Peça evidências da morte de Deus. Ele não alega que encontrou o cadáver? Peça a ele que mostre. Aproveite a viagem e entreviste uns dois ou três especialistas.
– Especialistas?
– É. Alguém da USP, um legista da Unicamp…
– Legista?
– Claro, ué! Não tem cadáver? Se tem cadáver, tem que ter legista. Da Unicamp!
– Certo – concordei resignado, já me imaginando no ridículo da situação. E o especialista da USP? Deve ser especialista em quê?
– Qualquer coisa. Ache um pateta qualquer com vontade de aparecer em jornal. Mas tem que ser especialista, e da USP. Ah, sim, e um padre. Vamos dar chance pra todos os lados – Cleto arrematou satisfeito, orgulhoso da própria magnanimidade.
– Um padre, um legista da Unicamp, um pateta da USP… Ok. Pra quando?
– Pra já! Tira a bunda da cadeira, rapaz! O que está esperando?
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Médico e escritor