Tenho a honra de ter conhecido José Carlos Torves pessoalmente, durante o período em que vivi em Porto Alegre. Temos nos entendido muito bem durante eventos que participamos juntos, privilegiando-me ele, ao ouvir e comentar gentilmente meus tradicionais radicalismos.
Sempre moderado em seus atos, gestos e palavras, é difícil conhecermos alguém mais gentil que, com sua discrição, funde sociólogo, jornalista e doutor em comunicação, tornando-o um dos mais destacados representantes nacionais da categoria. Para tanto contribuiu o mais legítimo espírito de luta gaudério aplicado para que aquela província de São Pedro do Rio Grande do Sul lutasse bravamente, durante dez anos, para tornar-se uma república independente, ao invés de parte do Estado imperial unitário, e gerasse ali uma cultura extraordinária e vibrante que me seduziu, a ponto de cunhar frases como: joguem minhas cinzas no Guaíba.
Há meses longe desta querência, assisti Anahy de las misiones, filme que encorajo qualquer apreciador sensível a deixar-se levar, reverentemente, pelo clima desta palpitante obra de arte [ver aqui].
O valor dos argumentos
Antes de continuar, é importante frisar que vejo esta questão do diploma como secundária diante do verdadeiro problema que a profissão de jornalista encontra, conforme indicações, ao final, de textos que produzi neste sentido. Por isso, não é meu propósito defender uma posição contrária ou a favor do diploma, mas analisar alguns dos argumentos que são usados neste debate, redirecionando-o para o que julgo fundamental. Propiciar um bom debate, para a felicidade geral da nação, propósito que compartilho plenamente com o Torves.
Vou abordar mais à frente o que considero dramaticamente mais relevante, fato mencionado pelo Torves, em seu brilhante artigo: a escravidão da consciência do jornalista pelos interesses de seu patrão.
Destaco, abaixo, parte de seu texto encontrado no sítio da Fenaj – Federação Nacional dos Jornalistas, e reproduzido neste Observatório (ver ‘Liberdade de expressão e regulamentação profissional‘), que merece minhas considerações. Reescrevo-o de forma mais analítica, para destacar seus aspectos constituintes, e demonstrar a maximização do valor dos argumentos para além do razoável:
‘Tudo isso transforma a exigência do diploma em Jornalismo no Brasil
(1) na forma de garantia da liberdade de expressão para a sociedade,
(2) universalizando o acesso à profissão
(3) e impedindo que os proprietários venham a ser, também, os donos das consciências dos profissionais que trabalham nas redações.’
Universalizar o acesso
Então, passemos a considerar os termos desta tese dentro dos padrões de procedimentos originariamente adotados pelo cirurgião sem diploma e grande filósofo inglês, Jack, o estripador, amplamente aplicados em qualquer contemplação científica:
(1) Diploma: forma de garantia da liberdade de expressão para a sociedade
Como eu gostaria que o Torves estivesse absolutamente certo! Também não vejo demérito na defesa do que acreditamos com paixão, mas, neste caso, a razão ficou bastante chamuscada.
Por mais que eu tente, não consigo assimilar esta idéia e ir além de:
Diploma: uma das possíveis e inúmeras formas de garantia da liberdade de expressão para a sociedade.
Se somente o diploma fosse capaz de garantir a liberdade de expressão para a sociedade, alcançar esta condição, ainda tão distante, estaria muito mais fácil. Mas a coisa é de uma complexidade enorme, indo muito além deste aspecto. Não há liberdade de expressão, apesar de o diploma ter sido exigido durante tanto tempo. O que há, de fato, é liberdade de manipulação da informação, magistralmente registrada por Perseu Abramo, identificando a grande mídia como inimiga do povo brasileiro.
(2) Diploma: universalizando o acesso à profissão
Talvez ele não esteja querendo dizer o que eu entendi. Talvez fosse uniformizando, não sei… Mas eis o que eu percebo:
Muito antes pelo contrário! A exigência do diploma jamais poderá, nem de longe, produzir tal efeito (universalizar), exatamente porque somente aqueles que forem aprovados num curso profissionalizante terão acesso à profissão.
Portanto, minha tese é exatamente oposta:
Somente com a não exigência do diploma é que se universalizará o acesso à profissão.
‘Mandaram refazer tudo’
(3) Diploma: impede que os proprietários venham a ser, também, os donos das consciências dos profissionais que trabalham nas redações
Se o diploma impedisse tal aberração, nossa mídia já teria sido transformada em algo confiável, e não na enganação generalizada estudada por Perseu Abramo em obra já citada.
Caso os proprietários, atualmente, não sejam donos das consciências profissionais dos jornalistas, a situação seria ainda pior: os jornalistas teriam liberdade para fazer a coisa certa, mas prefeririam se aliar aos seus patrões na tarefa de enganar a opinião pública.
No mínimo, os patrões determinam os critérios para que os editores escolham as pautas, quando não as fazem eles mesmos pessoalmente, discriminando tim-tim-por-tim-tim como realizar e editar a matéria.
Quer exemplo melhor que o do jornalista Roberto Marinho, no caso Lula vs. Collor, em 1989, em que foi refeito um trabalho com o objetivo mostrar o melhor do Caçador de Marajás e o pior do Sapo Barbudo, durante o debate realizado entre eles?
‘O que conta Conti em seu livro? Que Roberto Marinho não gostou da versão do debate do Hoje e ordenou a Alberico: `Faça a matéria correta.´ Pouco antes de o JN ir ao ar, Vianey Pinheiro flagrou Otávio Tostes finalizando a nova edição. Ao perguntar a Tostes `O que você está fazendo?´, ele ouviu como resposta: `O Ronald e o Alberico mandaram refazer tudo.´ Marinho nunca contestou o livro de Conti. Nem Tostes. Nem Pinheiro. Só Ronald, que reclamou de não ter sido ouvido. Conti disse que se contentou com entrevistas anteriores de Ronald e que sua versão `não corresponde à verdade´.’ [ver neste OI ‘Ecos de 1989 – Collor, Lula e a bola fora do articulista‘].
Poder revela o caráter
Estimo que todos os envolvidos tenham diploma e que, na hora do pega pra capar, o diploma não fez e não fará diferença alguma! Impediu que o patrão não dominasse sobre a consciência dos ‘profissionais’? E se não tivessem diploma, também nenhuma diferença faria… Quando o público é composto por 74 % de analfabetos e semi-analfabetos, é facilmente enganado por deturpações desta natureza. Somente um público com capacidade crítica pode frear esta bandalheira. E raros são estes casos em nosso Quinto dos Infernos.
Um diploma teria a capacidade de impedir que um jornalista depusesse um presidente da República, através de um golpe midiático, antes mesmo dele tomar posse, como no caso de Lula? Ou empossado, como no caso do Chávez? Ou de contratar a Proconsult para manipular os dados da eleição de um governador?
Caráter é uma questão tão profunda que jamais poderá ser aprendida numa escola – inferior ou superior. E se fosse possível, o mundo empresarial exigiria que se formassem canalhas altamente especializados neste mister em todas as profissões, para auferir e maximizar seus lucros a qualquer custo, com disciplinas que os orientassem para fazê-lo de uma forma tal que não fossem descobertos.
Quanto mais se fatura, mais assegurada é a impunidade e as vantagens do furto. O poder jamais corrompe as pessoas, como se diz geralmente. Ele apenas cria as condições para que se manifeste o verdadeiro caráter do indivíduo. O poder funciona como uma ferramenta reveladora de nossa real natureza. A miséria também.
Omissão, manipulação e diletantismo
‘O problema é a primeira instância, porque lá no Supremo a gente se segura.’ Assim disse Daniel Dantas, cujo advogado (com diploma) é membro da Direção Nacional do PT, e solicitou ao chefe do Gabinete Pessoal do presidente da República (filósofo e teólogo com diploma) para colocar sob controle o delegado da Polícia Federal que investigava seu cliente, mais tarde transferido para outras atividades. Certamente, DD tem sobre seu comando muitos profissionais diplomados e outros não, inclusive jornalistas cujas consciências e diploma estão a soldo de quem melhor lhes pagar, praticando a ‘prenstituição‘.
Quem manda é o patrão. Quem não obedece, vai para rua e ponto final.
É isto que precisa ser mudado. O resto é mera fantasia surrealista, cortina de fumaça, pirotecnia etc.
Encerro aqui, com a única condição que julgo necessária e suficiente para dar o diploma de Jornalismo para um cidadão verdadeiramente alfabetizado, uma elite de 26 % de nossa população apenas. Ou mesmo o emprego, com ou sem o diploma:
O verdadeiro jornalismo, o jornalista de fato e a mídia realmente livre divulgam, com a freqüência e ênfases adequadas, idéias, fatos, pessoas e organizações que os poderosos se esforçam para esconder, minimizar ou criminalizar. O resto é assessoria de imprensa, omissão, manipulação, entretenimento, mero diletantismo filosófico ou crime de lesa pátria.
Mais detalhes em:
Liberdade de imprensa para quem?
Jornalista ou apoplético com diploma?
A obrigatoriedade do diploma de jornalista
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Engenheiro civil, militante do movimento pela democratização da comunicação e em defesa dos Direitos Humanos, membro do Conselho Consultor da Câmara Multidisciplinar de Qualidade de Vida (CMQV)