Tucanos são tidos como verdadeiros gentlemen da política, de modo que chamou atenção uma notinha publicada na terça-feira (3/3) no blog do ex-deputado Roberto Jefferson e que vai reproduzida abaixo.
De volta a guerra do café com o leite
A disputa entre os governadores José Serra (SP) e Aécio Neves (MG) para ver quem será o candidato tucano à sucessão de Lula em 2010 chegou à imprensa, em um revival digno dos tempos em que paulistas e mineiros lutavam pelo poder nacional, durante a República Velha. O estopim foi o artigo do jornalista Mauro Chaves no Estadão, em que este ironiza o governador mineiro e tece loas ao paulista. Como se achasse pouco, Chaves ataca a imprensa mineira, dizendo que ‘em Minas imprensa e governo são irmãos xifópagos. Em São Paulo, ao contrário, não só Serra como todos os governos e governadores anteriores sempre foram cobrados com força, cabresto curto, especialmente pelos dois jornais mais importantes. Neste aspecto a democracia em São Paulo é mais direta que a mineira (assim como a de Montoro era mais direta que a de Tancredo)’. Pronto, a partir daí, como diz o Correio Braziliense (do mesmo grupo empresarial do Estado de Minas, os Diários Associados), ‘é guerra’. Na edição de hoje, as duas publicações só mudam o título, mas repetem o mesmo texto para atacar o articulista e o jornal. Veja:
O Estado de Minas:
‘Bobo da corte – Mauro Chaves, articulista de O Estado de S. Paulo que se diz jornalista, advogado, escritor, pintor e administrador de empresas, vai colocar no rodapé de seus artigos uma nova credencial: a de bajulador. Com seu texto primário, senil e irresponsável, o novo bajulador não passa de um bobo da corte a serviço de um jornal que há anos procura um comprador.’
Correio Braziliense:
‘É guerra – Mauro Chaves, articulista de O Estado de S. Paulo, que se diz jornalista, advogado, escritor, pintor e administrador de empresas, vai colocar no rodapé de seus artigos uma nova credencial: a de bajulador. Com seu texto primário, senil e irresponsável, o novo bajulador não passa de um bobo da corte a serviço de um jornal que há anos procura um comprador.’
Roberto Jefferson até que foi gentil ao evitar explicar com minúcias a razão da reação virulenta dos mineiros ao artigo de Chaves, que saiu no Estadão de 28 de fevereiro. Para que não reste dúvida, o artigo também vai reproduzido ao final deste comentário. O texto, conforme o leitor poderá constatar, é de fato bastante agressivo com o governador Aécio Neves, adversário do colega paulista José Serra na disputa interna do PSDB pela vaga de presidenciável em 2010. Mas o que chama mais atenção é o título que Mauro Chaves sapecou em seu libelo pró-Serra: ‘Pó pará, governador?’.
Quem conhece minimamente a política nacional saberá identificar uma alusão bem pouco sutil a uma certa fama do governador em questão, vítima do ataque. O que espanta, neste caso, foi o aliado de Serra ter sinalizado que a disposição para o baixo nível está latente e, mais ainda, foi o tradicional jornal paulistano ter aceitado publicar algo deste teor. Se o título tivesse saído no Hora do Povo, teria certa graça. Nas páginas do Estadão, porém, a insinuação gratuita realmente provoca espanto. Quanto à reação bastante dura do Correio Braziliense e do Estado de Minas, é o mínimo que se poderia esperar de quem foi chamado de ‘irmão xipófago’ do governo do estado.
Na soma, o que fica patente é que a disputa tucana deverá ser muito mais quente do que a pose de gentlemen de seus líderes permite imaginar. Vem chumbo grosso por aí.
Abaixo, o artigo de Mauro Chaves.
Pó pará, governador?
Em conversa com o presidente Lula no dia 6 de fevereiro, uma sexta-feira, o governador Aécio Neves expôs-lhe a estratégia que iria adotar com o PSDB, com vista a obter a indicação de sua candidatura a presidente da República. Essa estratégia consistia num ultimato para que a cúpula tucana definisse a realização de prévias eleitorais presidenciais impreterivelmente até o dia 30 de março – ‘nem um dia a mais’. Era muito estranho, primeiro, que um candidato a candidato comunicasse sua estratégia eleitoral ao adversário político antes de fazê-lo a seus correligionários. Mais estranho ainda era o fato de uma proposta de procedimento jamais adotada por um partido desde sua fundação, há 20 anos – o que exigiria, no mínimo, uma ampla discussão partidária interna -, fosse introduzida por meio de um ultimato, uma ‘exigência’ a ser cumprida em um mês e meio, sob pena de… De quê, mesmo?
O que Aécio fará se o PSDB não adotar as prévias presidenciais até 30 de março? Não foi dito pelo governador mineiro (certamente para não assinar oficialmente um termo de chantagem política), mas foi barulhentamente insinuado: em caso da não-aprovação das prévias, Aécio voaria para ser presidenciável do PMDB. É claro que para o presidente Lula e sua ungida presidenciável, a neomeiga mãe do PAC, não haveria melhor oportunidade de cindir as forças oposicionistas, deixando cada uma em um dos dois maiores colégios eleitorais do País. E é claro que para o PMDB, com tantos milhões de votos no País, mas sem ter quem os receba, como candidato a presidente da República, a adoção de Aécio como correligionário/candidato poderia significar um upgrade fisiológico capaz de lhe propiciar um não programado salto na conquista do poder maior – já que os menores acabou de conquistar.
Pela pesquisa nacional do Instituto Datafolha, os presidenciáveis tucanos têm os seguintes índices: José Serra, 41% (disparado na frente), e Aécio Neves, 17% (atrás de Ciro Gomes, com 25%, e de Heloisa Helena, com 19%). Por que, então, o governador de Minas se julga capaz de reverter espetacularmente esses índices, fazendo sua candidatura presidencial subir feito um foguete e a de seu colega e correligionário paulista despencar feito um viaduto? Que informações essenciais haveria, para se transmitirem aos cerca de 1 milhão e pouco de militantes tucanos – supondo-se que estes fossem os eleitores das ‘exigidas’ prévias, que ninguém tem ideia de como devam ser -, para que pudesse ocorrer uma formidável inversão de avaliação eleitoral, que desse vitória a Aécio sobre Serra (supondo que o governador mineiro pretenda, de fato, vencê-las)?
Vejamos o modus faciendi de preparação das prévias, sugerido (ou ‘exigido’?) pelo governador mineiro: ele e Serra sairiam pelo Brasil afora apresentando suas ‘propostas’ de governo, suas soluções para a crise econômica, as críticas cabíveis ao governo federal e coisas do tipo. Seriam diferentes ou semelhantes tais propostas, soluções e críticas? Se semelhantes, apresentadas em conjunto nos mesmos palanques ‘prévios’, para obter o voto do eleitor ‘prévio’ cada um dos concorrentes tucanos teria de tentar mostrar alguma vantagem diferencial. Talvez Aécio apostasse em sua condição de mais moço, com bastante cabelo e imagem de ‘boa pinta’, só restando a Serra falar de sua maior experiência política, administrativa e seu preparo geral, em termos de conhecimento, cultura e traquejo internacional. Mas se falassem a mesma coisa, harmonizados e só com vozes diferentes, os dois correriam o risco de em algum lugar ermo do interior ser confundidos com dupla sertaneja – quem sabe Zé Serra e Ah é, sô.
Agora, se os discursos forem diferentes, em palanques ‘prévios’ diferentes, haverá uma disputa de acirramento imprevisível. E no Brasil não temos a prática norte-americana das primárias – que uniu Obama e Hillary depois de se terem escalpelado. Por mais que disfarcem e até simulem alianças, aqui os concorrentes, após as eleições, sempre se tornam cordiais inimigos figadais. E aí as semelhanças políticas estão na razão direta das diferenças pessoais. Mas não há dúvida de que sob o ponto de vista político-administrativo Serra e Aécio são semelhantes, porque comandam administrações competentes.
Ressalvem-se apenas as profundas diferenças de cobrança de opinião pública entre Minas e São Paulo. Quem já leu os jornais mineiros fica impressionado com a absoluta falta de crítica em relação a tudo o que se relacione, direta ou indiretamente, ao governo ou ao governador.
O caso do ‘mensalão tucano’ só foi publicado pelos jornais de Minas depois que a imprensa do País inteiro já tinha dele tratado – e que o governador se pronunciou a respeito. É que em Minas imprensa e governo são irmãos xifópagos. Em São Paulo, ao contrário, não só Serra como todos os governos e governadores anteriores sempre foram cobrados com força, cabresto curto, especialmente pelos dois jornais mais importantes. Neste aspecto a democracia em São Paulo é mais direta que a mineira (assim como a de Montoro era mais direta que a de Tancredo). Fora isso, os governadores dos dois Estados são, com justiça, bem avaliados por suas respectivas populações.
O problema tucano, na sucessão presidencial, é que na política cabocla as ambições pessoais têm razões que a razão da fidelidade política desconhece. Agora, quando a isso se junta o sebastianismo – a volta do rei que nunca foi -, haja pressa em restaurar o trono de São João Del Rey… Só que Aécio devia refletir sobre o que disse seu grande conterrâneo João Guimarães Rosa: ‘Deus é paciência. O diabo é o contrário.’
E hoje talvez ele advertisse: Pó pará, governador?
Mauro Chaves é jornalista, advogado, escritor,administrador de empresas e pintor. E-mail: mauro.chaves@attglobal.net