Sunday, 24 de November de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1315

Dobram por aqueles que
não amam o seu ofício

Era uma forma de ser blasé, agora é maneira desajeitada de pedir desculpas. Velhos publishers, editores sazonados, colunistas traquejados e repórteres determinados jamais compactuariam com o apocalipse.


Acreditam no papel impresso, na manchete, no periodismo e em sua defesa atiram até o último cartucho. Mesmo que sejam donos ou funcionários graduados de impérios multimeios. Por essa razão é que os jornais impressos resistem ao rádio há mais de 80 anos e o cinema enfrenta a TV há mais de meio século.


Não é uma questão de estilo, é uma questão de fibra: acreditar no ofício é uma forma de acreditar na instituição que se ajuda a criar na faina diária. Futurólogos são efêmeros – alguém ainda lembra quem foi Hermann Kahn? Evaporou-se junto com as suas previsões.


Idealistas garantem a continuidade, a preservação. Justamente porque apostam na excelência e questionam as inovações fabris ou cosméticas. O ato de mudar o ferramental não altera a natureza do produto, nem a estrutura do negócio. Não é revolução, é adulteração.


O tecido que passou a sair dos novos teares durante a Revolução Industrial era exatamente o mesmo que saía antes e sai até hoje. O progresso é, em si, um processo sábio: não elimina o que torna obsoleto. Na natureza tudo se preserva, já que a natureza é uma grande câmara de acomodações.


Jorro inicial


Anunciar o fim do jornalismo impresso e a sua transformação numa mera indústria, amesquinha-o, torna-o dependente das tecnologias, torna-o mutante, inconfiável, ignora a formidável façanha de sobreviver ao longo de quatro séculos verdadeiramente revolucionários. As cartas trocadas entre os jesuítas espalhados pelo mundo no século 16 não diferem dos grandes veículos internacionais como o Economist e El País. Fazem parte da história. Blogs são paroquiais, tópicos. Dificilmente conseguirão ser transcendentais. Maravilhosos complementos. Ponto.


A blogosfera é uma realidade, mas não altera a condição humana. O ser humano continua exigindo relatos (veja-se o caso da Bíblia!) e a informação organizada (daí as linhas, colunas, páginas). A blogosfera é uma realidade quantitativa, sua vantagem em matéria de participação é apenas primária – depois do jorro inicial e estabelecido o tumulto, alguém terá que assumir o comando – editar – para desfazer os labirintos da solidão.


Sentido mágico


Barack Obama e Sarah Palin, os dois fenômenos antagônicos no campo politico-midiático americano, são fruto da mídia tradicional (impressa e eletrônica) – a web simplesmente deu-lhes dimensão e velocidade. Em outras palavras: amplificou-os. Vencerá quem subsistir.


O recente sucesso da mídia impressa no mundo emergente – sobretudo jornais – é a melhor prova da durabilidade dos processos. O lógico seria que os emergentes buscassem apenas as novidades. Neste caso seriam ‘submergentes’, condenados a ficar para trás na disputa com os criadores de tecnologias.


Para aprender e, sobretudo, para apreender é indispensável papel, tinta, talento, grandeza. Algumas palavras podem ser mais fortes do que gigabytes de informação desordenada.


John Donne, poeta e sermonista, sabia das coisas quando escreveu que nenhum homem é uma ilha, cada ser é uma partícula do continente. Se as palavras perderam o seu sentido mágico ficaremos todos cegos. Chamem o parabólico José Saramago para explicar o que é cegueira.


 


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