Wednesday, 18 de December de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1318

Mal-estar: Dilma, Falcão e Veja

A revista Veja enfrenta um desafio inédito em sua longa trajetória: pode ter sido usada por Carlinhos Cachoeira como recurso extremo para resolver pendências com interlocutores de negócios. A hipótese se configuraria assim: primeiro ato, oferta de propina; segundo ato: ameaça de alijamento do esquema; terceiro ato: diante de rejeição às ofensivas dos dois tipos anteriores, sedução e chantagem, queimação. Por intermédio de veículos de imprensa, entre eles, destacadamente, a Veja.

“Os grandes furos do Policarpo [Júnior, da Veja] fomos nós que demos, rapaz. (…) Limpando esse Brasil, rapaz, fazendo um bem do c. para o Brasil, essa corrupção aí. Quantos já foram, rapaz”. Diálogo de Cachoeira com o ex-agente da Abin Jairo Martins. Em tópico anterior, “O senador só não enganou a polícia”, classifiquei a frase como expressão do que seria um “orgulho cívico” delirante. Eu estava errado. Era só uma maneira de embelezar a prática de represálias.

O velho denuncismo

Na história do Brasil pós-Constituição de 1988, o grande usuário do denuncismo como arma política foi o PT, calcado no “petismo das redações”, propensão ideológica que se desvaneceu na mesma proporção em que as práticas do partido no poder – desde os esquemas de lixo e de cobrança de atrasados em prefeituras até os nove anos no Planalto – se tornaram patentes em reportagens incontrovertidas.

Na história da República há muitos episódios e outras tantas fraudes, como a das Cartas Falsas de Artur Bernardes, estopim da mobilização de jovens oficiais do Exército que ganharia o nome de tenentismo e que faria Bernardes impor o estado de sítio durante toda a duração de seu governo (1922-1926).

A Veja teve destacada participação na derrubada do presidente Fernando Collor, mas a fonte, no caso da principal matéria, foi explícita: na capa da revista, em maio de 1992, lia-se: “Pedro Collor conta tudo. O vídeo e a entrevista com os ataques do irmão do presidente”.

No sábado (14/4), Veja foi às bancas com uma matéria pífia, na defensiva, em que acusa o PT de stalinismo, hitlerismo, mussolinismo. Demonização não tem nada a ver com bom jornalismo. Ao contrário.

Falcão vs Dilma

O PT também enfrenta um desafio inédito. Em vídeo colocado na internet, o presidente do partido, Rui Falcão, diz que “a bancada do PT na Câmara e no Senado defende uma CPI para apurar esse escândalo dos autores da farsa do mensalão”. Estaria em curso uma “operação abafa” montada por “partidos políticos e veículos de comunicação para impedir que se esclareça plenamente toda a organização criminosa” de Carlinhos Cachoeira.

Quem prestou atenção nas relações da presidente Dilma Rousseff com as bancadas do PT no Congresso constatou que na Câmara, onde o PT tem maioria relativa, saiu Cândido Vaccarezza, da corrente majoritária do PT, Construindo um Novo Brasil, à qual pertencem, além de Falcão, Lula, José Dirceu, Berzoini, José Eduardo Dutra e João Paulo Cunha, e entrou Arlindo Chinaglia, do grupo Movimento PT. Segundo observadores da política petista, Dilma enfrentava uma inversão de funções: em lugar de defender os interesses políticos do Planalto na bancada aliada, o líder deposto defendia os interesses da bancada junto ao Planalto.

A investida de Rui Falcão não foi contra a imprensa, indiscriminadamente. Foi principalmente contra a Veja, embora ele não tenha pronunciado o nome da revista. Que problema isso traz para o PT? O quadro mais importante do partido na instância máxima do poder é hoje a presidente Dilma Rousseff. Dilma tem sido protegida pela Veja (e, de modo geral, tratada com extremo carinho pelos principais veículos de mídia brasileiros) desde a sua posse, e principalmente após a demissão do então chefe da Casa Civil Antônio Palocci.

“Dilma Teflon”

Atesta-o o esquecimento do nome da presidente em todo o noticiário que vincula Carlinhos Cachoeira e a Delta Construções a obras do PAC, do qual, quando chefe da Casa Civil de Lula, Dilma assumiu a maternidade, por obra e graça da peculiar retórica do então presidente. José Roberto Toledo fala em “Dilma Teflon”.

A Veja já chegou a publicar um editorial dizendo que apoiar Dilma tinha importância equivalente a apoiar o Duque de Caxias na batalha de Itororó, durante a Guerra do Paraguai, quando bradou “Sigam-me os que forem brasileiros” (o texto pode ser lido no site do Exército brasileiro).  O texto termina com a inacreditável frase “Sigam-na os que forem brasileiros”.

Mas o ponto máximo do apoio a Dilma, e da validação desse apoio pela presidente, foi estampado na capa da Veja de 28/3, que traz uma entrevista onde ela não diz nada de relevante, mas que serve para ela “aparecer bem na foto” (literalmente) e para dar visibilidade à convergência de interesses entre a revista e a presidente. Veja aqui uma imagem da capa da revista. A entrevista pode ser lida no Acervo Digital da Veja. Essa proximidade não comoveu Rui Falcão.

Dilma, por sinal, foi a primeira a reagir ao vídeo de Falcão: como tem feito infalível e meritoriamente, defendeu a plena liberdade de imprensa no país.

Briga de foice

Em coluna no Estado de S. Paulo de domingo, o chefe da sucursal brasiliense do jornal, João Bosco Rabello, dá pistas a respeito da virulência dos conflitos no PT. Calma aí, leitor, vale a pena ler:

Tiro n’água. Uma semana antes da decisão de criar a CPI do Cachoeira, a ministra Ideli Salvatti era uma das mais entusiasmadas defensoras da investigação. Numa reunião na casa de Jilmar Tatto, ela pediu a CPI alegando que nada respingaria no governo. O encontrou reuniu petistas insatisfeitos com o afastamento de Cândido Vaccarezza da liderança do governo. Dias depois, o assessor da Presidência Olavo Noleto seria flagrado nos muitos grampos da Polícia Federal.”  

Ayres Britto começa bem

A confusão intrapetista é ancorada pela iminência do julgamento do processo do mensalão no STF. O futuro presidente do Supremo, Carlos Ayres Britto, deu duas boas entrevistas publicadas no domingo (15/4). Em ambas, reafirma seu propósito de ver julgado o caso do mensalão até meados de julho, para que ele não corra paralelo ao processo eleitoral, quando seis juízes do STF estarão sobrecarregados com processos que correrão no Tribunal Superior Eleitoral.

A Fernando Rodrigues, da Folha de S. Paulo, disse que, quando assumir a presidência da Corte, na quinta-feira (19/4), levará ao Conselho Nacional de Justiça (CNJ) a proposta de que os assaltantes de cofres públicos sejam condenados a ressarci-los. “O parágrafo 5º do artigo 37 é a cereja do bolo: para quem assalta o erário, a resposta mais severa do Estado é o ressarcimento”, especificou.

É algo que está faltando. Carlinhos Cachoeira não contratou Márcio Thomaz Bastos por R$ 15 milhões? E as atividades da quadrilha de Fernando Beira-Mar, encarcerado há anos em presídio de segurança máxima, não prosseguem sem maiores embaraços?

A Felipe Recondo, do Estado, Ayres Britto declarou:

“A liberdade de imprensa, quando em plenitude, insufla, estimula na população uma curiosidade pelas coisas do poder. E é o que está havendo. Todo mundo quer saber de tudo. E tudo está vindo a lume. É uma fase que entendo como riquíssima da história do Brasil. A cultura do biombo foi excomungada. Os jornalistas estão a mil para levantar tapetes, ver se há poeira debaixo deles e saber quem foi que a colocou lá. Isso é sinal dos tempos. As coisas estão mudando”.

Mais clareza, impossível.

Quem está vazando?

Por falar em clareza, quem está vazando trechos de gravações para os mais diversos meios de comunicação? O ministro José Eduardo Martins Cardozo diz que a Pasta da Justiça não tem nada a ver com isso. Se não é o Ministério da Justiça, ao qual se subordina a Polícia Federal, autora das gravações, com autorização judicial, quem é?