Miriam Leitão, à frente de uma equipe da Globo News, recebeu na terça-feira (23/10) o Prêmio Jornalístico Vladimir Herzog de Anistia e Direitos Humanos, na categoria melhor reportagem de TV, pelo programa "Caso Rubens Paiva: Uma História Inacabada".
Uma das personalidades mais festejadas da noite foi Audálio Dantas, entre outras funções encarregado de entregar o Prêmio Especial Vladimir Herzog 2012 a Alberto Dines e Lúcio Flávio Pinto (ver aqui a fala de Dines na cerimônia). Audálio lançou após a cerimônia seu livro As duas guerras de Vlado Herzog – Da perseguição nazista na Europa à morte sob tortura no Brasil (leia aqui a apresentação do livro).
Os casos dos mártires Paiva, assassinado em 1971, e Herzog, assassinado em 1975, foram especialmente chocantes porque ambos confiaram nas autoridades instituídas e pagaram com suas vidas essa confiança.
Militares da Aeronáutica foram prender Paiva em sua casa. Ele não resistiu. Seguiu com eles, que o entregaram em seguida ao DOI-Codi do então I Exército, comandado pelo general Siseno Sarmento. O presidente era Emílio Médici.
Herzog, buscado na redação da TV Cultura, onde dirigia o jornalismo, se comprometeu a comparecer na manhã seguinte ao DOI-Codi do então II Exército, e o fez. O comandante do II Exército era o general Ednardo D’Ávila Melo. O presidente era Ernesto Geisel.
Paiva e Herzog foram massacrados. No Rio de Janeiro, o Exército inventou que Paiva havia sido resgatado por “terroristas”. Em São Paulo, que Herzog havia se suicidado.
Perseguições e ameaças judiciais
Na mesma noite de premiações, realizada no Tuca da PUC-SP, o jornalista José Roberto de Toledo, em nome da Abraji (Associação Brasileira de Jornalismo Investigativo), apresentou uma síntese das violências, agressões e ameaças a jornalistas, recentes e em curso, a jornalistas.
Um dos itens críticos do dossiê de Toledo refere-se à “censura togada”, atos de supressão da liberdade de expressão praticados por juízes de primeira e segunda instância. O “bullying judicial” foi definido como saraivada de processos destinados a infernizar a vida de jornalistas. Em 26/9, por exemplo, Fabio Pannunzio, repórter da TV Bandeirantes, se viu obrigado a suspender a publicação de seu blogue.
Quando as instituições deixam de cumprir sua missão de proteger a sociedade e os indivíduos, e, pior, passam a servir como instrumentos de perseguição, cria-se um contexto preocupante. Ao receber seu prêmio, Lúcio Flávio Pinto – alvo de muitos processos kafkianos (assista a vídeo de programa do Observatório da Imprensa na TV) – mencionou estudo de Franz Neumann sobre os julgamentos na república de Weimar, regime democrático que antecedeu a tomada do poder por Hitler e seu partido nazista. Os tribunais, disse Lúcio Flávio, sistematicamente condenavam socialistas e comunistas, e inocentavam nazistas.
O quadro de ameaças judiciais no Brasil de hoje ficou muito bem caracterizado. Mas ninguém disse uma palavra em louvor ao STF, encarregado de julgar, entre outros, servidores e eleitos do Estado brasileiro acusados no inquérito do mensalão de agir contra a lei e, assim, atentar contra o processo democrático. Uma parte relevantíssima da realidade foi ignorada.
Duas faces da Justiça
O quadro é contraditório. Juízes e desembargadores protegem agentes públicos em seguidas decisões (ou protelações, de que é emblemático o trâmite do julgamento do Massacre do Carandiru, ou, se se preferir caso mais recente, o processo contra os acusados de assassinar a juíza Patrícia Acioli). Ao mesmo tempo, o Supremo Tribunal Federal inspira confiança e dá esperança a amplos setores da opinião pública.
O Superior Tribunal de Justiça, ao negar repetidas vezes pedidos de habeas corpus em favor de Carlinhos Cachoeira, sinaliza a pouca disposição do Judiciário de permitir, nesse caso clamoroso, que advogados utilizem, em nome da liberdade individual, artifícios que deem a seus constituintes a possibilidade de se subtrair à aplicação da lei.
Por falar em Cachoeira, na quarta-feira (24/10), o Conselho Nacional do Ministério Público decidiu abrir processo administrativo disciplinar do qual poderá resultar a demissão de Demóstenes Torres do cargo de procurador do estado de Goiás, que reassumiu depois de ter o mandato cassado pelo Senado, em julho.
Jornalistas democratas não podem enxergar apenas a metade vazia do copo. Isso falseia a análise da evolução político-institucional do país. É da metade cheia que virão autoridade política e energia para fazer avançar o sistema judicial brasileiro, ainda muito distante dos ideais que inspiram suas melhores cabeças e seus mais competentes analistas.
Ao mesmo tempo, a proteção da liberdade da atividade jornalística, nos e pelos tribunais, sempre que necessário, é indissociável do longo processo de consolidação da democracia que o Brasil tem tido a oportunidade de viver.