O Brasil, correndo pesados riscos comerciais, reconheceu a China como ‘economia de mercado’. O Itamaraty gasta 60% de sua verba de eventos para reunir reis, príncipes, emires e ditadores muçulmanos em Brasília. O presidente Lula foi mais uma vez à África, confraternizar com ditadores. Para quê?
O objetivo dessa movimentação é conseguir para o Brasil um lugar permanente no Conselho de Segurança da ONU – caso o Conselho seja ampliado. E surge a pergunta, cuja resposta este colunista procura em vão na imprensa: qual a vantagem de ser membro permanente do Conselho de Segurança da ONU?
Imagine o caro leitor que o Brasil consiga o tal lugar permanente no Conselho de Segurança da ONU. E daí? Em que isso muda a vida do país? Em que isso muda a vida de cada um de nós? Falando francamente, e nós com isso?
Será questão de prestígio internacional? Bem, Formosa era membro permanente do Conselho de Segurança e foi tocada de lá, substituída pela China. A França é membro permanente do Conselho de Segurança, vetou a invasão do Iraque, e EUA e Inglaterra foram à guerra assim mesmo.
Seria a idéia de que, instalados num posto privilegiado do poder mundial, poderíamos ampliar as oportunidades econômicas? Bem, os dois países mais ricos do mundo, depois dos EUA, são Alemanha e Japão. Nenhum dos dois faz parte do Conselho de Segurança da ONU.
A resposta que a imprensa não dá talvez esteja no poema Gaúcho, de Ascenso Ferreira. Num trecho, pergunta: ‘Para quê?’ E responde: ‘Para nada’
Comunismo de mercado
É até engraçado considerar que a China, país de economia centralmente planejada, seja uma economia de mercado. Veja um exemplo da tal ‘economia de mercado’ – veja aqui, porque na imprensa este colunista não tem encontrado nada a esse respeito: o par de meias chinesas está chegando ao Brasil por 40 centavos de real (e é vendida ao público por 90 centavos). Só a matéria-prima custa 1,20 real – e, a esse preço, seria preciso acrescentar os gastos de fabricação, os salários, o transporte, o lucro. Só uma economia socializada, ou altamente subsidiada, pode fazer o milagre de vender abaixo do custo. Economia de mercado, de jeito nenhum.
Insulto e preconceito
Na amplíssima cobertura que mereceu o caso Grafite-Desábato, faltou uma reflexão: a do futebol como um setor onde as leis do país nem sempre são inteiramente aplicadas. Um exemplo: se um cavalheiro, na rua, chutar a perna de outra pessoa, correrá o risco de ser processado por agressão. Num campo de futebol, não haverá processo: receberá um cartão amarelo, talvez um cartão vermelho, eventualmente uma pequena suspensão, e a vida vai continuar.
A mesma coisa acontece com os insultos: a mãe do juiz é mais atacada que mãe de diretor do Banco Central no dia da reunião do Copom. O jogador que se referir à mãe de Sua Senhoria de maneira desrespeitosa receberá cartão vermelho e, eventualmente, uma suspensão por tempo determinado. Mas não vai pegar nenhum processo judicial por calúnia, injúria e difamação.
Cuspir um no outro? Às vezes não dá nem cartão.
E, por outro lado, um cidadão comum pode consumir remédios que, aplicados a um jogador, configuram doping, e podem afastá-lo do esporte.
Tudo isso é verdade – mas, se as leis do país nem sempre são inteiramente aplicadas num campo de futebol, também não são inteiramente deixadas de lado, e nem podem sê-lo. Um insulto racista não pode ser punido apenas com um cartão vermelho, nem com suspensão por três partidas.
Além do caráter nojento e deletério do racismo, vivemos um momento especial: o do renascimento da pressão racial na Europa. Lá jogam craques negros da mais alta qualidade, que se incluem entre os melhores do mundo – Ronaldinho Gaúcho, Ronaldo Gorducho, Eto’o, Adriano, Dida. E têm de enfrentar, além da marcação dura e muitas vezes violenta, torcedores que imitam macacos e jogam bananas no campo. Há um clube, o Lazio, que correu até o risco de ser afastado do Campeonato Italiano por causa do comportamento racista de seus torcedores.
Há pressão contra jogadores árabes (até contra Zidane, o grande argelino da seleção francesa e do Real Madrid). E torcedores contrários ao Ajax, que tem alguns diretores judeus, cantam ‘Hamas! Hamas! Jews to the gas!’
Não dá: racismo tem de ser combatido dentro e fora do campo. E nós, jornalistas, temos de ajudar a combatê-lo. Se não for reprimido, o fenômeno racista ultrapassará os gramados. Já tivemos na França a grande ascensão de um candidato racista, Jean-Marie Le Pen; um neonazista, Joerg Haider, foi membro do governo austríaco; já temos na Alemanha as tentativas de ressurreição de um partido nacional-socialista. É preciso acabar com isso enquanto é tempo: antes que as formigas se espalhem, controlemos o formigueiro.
A grande frase
Janio de Freitas, colunista da Folha de S.Paulo, é o autor do melhor pensamento jornalístico da semana, a respeito da viagem do presidente da República à África. O título é ‘A viagem foneticamente perfeita’. E o texto: ‘Lula em Gana’.
Frases para esquecer
Em compensação, um noticiário de internet sobre o incêndio do hotel em Paris é inacreditável. Começa chamando a tragédia, cheia de mortos, de ‘incidente’. Diz que muitas das ‘vítimas mortais’ ‘morreram carbonizadas ou asfixiadas’; outras ‘vítimas mortais’ pularam pela janela.
Em defesa do prêmio
Margarete Storto, da Accesso, assessoria de imprensa da Abrelpe, protesta contra o comentário referente ao Prêmio Abrelpe de Reportagem (apenas como recordação: este colunista criticou os prêmios setoriais de jornalismo, inclusive este, por considerá-los uma forma de induzir reportagens a favor).
Segue a carta da jornalista, na íntegra:
‘Vimos o comentário que publicou no Observatório da Imprensa sobre o Prêmio Abrelpe de Reportagem e gostaríamos de fazer algumas considerações:
**
realizado desde 1996, o Prêmio Abrelpe de Reportagem já está em sua 10ª edição;**
como promotora do concurso, a Abrelpe – Associação Brasileira de Empresas de Limpeza Pública e Resíduos Especiais, não interfere no processo de avaliação dos trabalhos inscritos, pois prima pela transparência da iniciativa;**
o objetivo do Prêmio Abrelpe de Reportagem não é ‘exclusivamente obter reportagens favoráveis a determinadas empresas e setores’, mas sim incentivar a imprensa a denunciar e buscar soluções para o problema do lixo no Brasil. Hoje, mais de 60% dos resíduos sólidos gerados pela população não têm destino adequado;**
o comprometimento com a veracidade do prêmio é atestado pelos profissionais que, no decorrer das nove edições já concluídas, aceitaram participar da comissão julgadora: Heródoto Barbeiro, Carlos Nascimento, Celso Freitas, Carlos Tramontina, Mariana Godoy, entre outros.’Resposta deste colunista
Em momento algum houve qualquer dúvida sobre a honestidade do julgamento. O problema, Margarete, é anterior: quem estiver interessado em ganhar o prêmio da Associação Brasileira de Empresas de Limpeza Pública etc., etc., ou do Laboratório X, ou do Agrodefensivos Y, já terá, na pauta, a preocupação de se viabilizar (e os prêmios, diga-se de passagem, são bons e cobiçados).
Ninguém vai escrever sobre as vantagens da quebra de patentes de produtos farmacêuticos se estiver interessado no prêmio oferecido por um grande laboratório. As reportagens que chegam ao julgamento são tratadas, sem dúvida, com honestidade e isenção, por grandes jornalistas como os acima citados. Mas, antes disso, já podem ter sofrido o natural desvio de quem quer competir e ganhar.
******
Jornalista, diretor da Brickmann&Associados