Sunday, 22 de December de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1319

E o leitor continua no ar

O ministro da Defesa diz que tudo está normal, o presidente da Agência Nacional de Aviação Civil pergunta de que crise estão falando, o comandante da Aeronáutica mandou prender, o presidente da República mandou soltar, depois mandou prender de novo. E a imprensa firme, apenas registrando declarações.

Um dos temas-chave do apagão aéreo é o preparo dos controladores de vôo. Muita gente, inclusive o jornalista americano que estava no Legacy na hora da trombada, os acusou de ter inglês precário. Simples: hoje em dia, há muitos jornalistas com inglês excelente. Que tal mandar algum deles entrevistar um controlador e aproveitar a oportunidade para testar seu inglês?

Fala-se muito, também, de defasagem salarial. Deve ser verdade, já que os funcionários públicos passaram todo o governo de Fernando Henrique, oito longos anos, sem qualquer aumento. Mas uma comparação entre o que ganha um controlador brasileiro e um colega de outro país de nível semelhante de desenvolvimento pode ser feita pela imprensa – mas que seja uma comparação completa: que inclua, por exemplo, a aposentadoria integral, com transferência automática aos herdeiros, oferecida aos controladores militares brasileiros. É claro que um controlador europeu ou americano ganha mais que o brasileiro (o engenheiro também, o entregador de pizza também). Mas um controlador coreano, ou mexicano, ganha mais, ganha o mesmo ou ganha menos?

A imprensa tem seu papel investigativo, sim; não pode se limitar a frases entre aspas e adjetivos indignados. Uma das frases mais conhecidas do jornalismo americano é ‘where is the beef?’ Traduzindo: quando se lê uma reportagem, a pergunta é ‘cadê a carne’? Cadê a sustança?

E, finalmente, vale fazer uma matéria sobre o mistério do ministro Waldir Pires. O cavalheiro é ignorado pelos comandantes que lhe deveriam obediência, trocado por um civil de outro setor quando é preciso negociar, desautorizado seguidamente pelo presidente da República. Qual o segredo deste senhor, que se mantém na vida pública capitalizando brilhantemente cada uma de suas derrotas?



Nem desculpas

Naquele lamentável episódio da compra de um dossiê contra seu adversário José Serra, o senador Aloízio Mercadante, candidato do PT ao governo paulista, foi massacrado pela imprensa. O problema é que ela não tinha nada com isso: entre seus defeitos, não consta o jogo rasteiro da compra de denúncias. E as tentativas de processá-lo acabaram arquivadas pelo Supremo, por inconsistentes.

Parte da imprensa deu a Mercadante bom espaço para noticiar a comprovação de sua inocência no episódio – embora nada comparável às páginas e páginas, dias e dias seguidos, usadas para acusá-lo. Outra parte da imprensa preferiu fazer de conta que não é com ela, e deu a notícia escondida num canto de página.

Mas o problema não é Mercadante: ele é senador, pertence a um partido de porte, é um importante suporte do presidente da República. Agora imagine o que acontece com um cavalheiro comum, empregado ou empresário, que é acusado de crimes que não cometeu e apanhado na artilharia cruzada do Ministério Público e da imprensa. Comprovada sua inocência, a notícia vai para um pé de página, debaixo da ‘Necrologia’, e sua reputação continua em frangalhos.

Lembremos três casos razoavelmente recentes: o deputado Ibrahim Abi-Ackel, acusado de contrabando de pedras preciosas, foi absolvido no Brasil e nos Estados Unidos – mas quanta gente continua a achar que ele é culpado?

O deputado Alceni Guerra, acusado de superfaturar bicicletas e guarda-chuvas, foi inocentado em todas as instâncias. Era inocente, mas continua sendo visto com desconfiança, especialmente por eleitores de fora de seu estado.

O deputado Ibsen Pinheiro, acusado de comprar um carro com dinheiro irregular, também se comprovou inocente. Só que, líder importante de seu partido, candidato ao governo gaúcho, talvez até candidato à Presidência, teve de se contentar, agora, com um mandato de deputado federal – uma manifestação favorável de seus eleitores, mas que não é capaz de reconstruir uma vida.

Destruir é fácil e a imprensa gosta. Reconstruir é difícil – é como recolocar no tubo a pasta de dentes que de lá foi tirada. E quem de nós, jornalistas, está disposto a se dar a esse trabalho?



Big Brother

A coisa está passando meio despercebida, a imprensa parece não estar atenta, mas é uma violência contra a liberdade básica, a de ir e vir: a idéia de jerico de inserir em todos os automóveis um chip que transmitirá a uma central (ou, falando em português claro, ao governo) informações sobre onde está o carro, por onde esteve, o quanto andou, se pagou ou não seus impostos, coisas desse tipo.

Num famoso livro de George Orwell, 1984, equipamentos desse tipo eram comuns, e informavam ao ditador de plantão, o Big Brother (daí o nome do programa de TV), cada passo de cada pessoa. O controle era total. A imprensa não pode deixar uma coisa desse tipo passar assim discretamente: é preciso abrir fogo. Ou, daqui a pouco, nem matéria será possível fazer sem que o governo saiba quem está atrás de qual informação. Aproveitar o tempo vago no motel, então, nem pensar.



Gastando tinta

Nossos meios de comunicação gastaram horas de trabalho, usaram equipamentos, mobilizaram frotas de máquinas, desperdiçaram papel e tinta para informar que a Câmara Federal decidiu que os deputados não vão trabalhar nas segundas-feiras. E desde quando trabalham nas segundas? Desde a mudança da capital para Brasília, em 1960, há 47 anos, Câmara e Senado, com raríssimas exceções, funcionam de terça a quinta. Que é que aconteceu de novo para virar notícia?



Erramos

O atento leitor Roberto Macedo escreve mostrando que este colunista errou justamente onde mais critica os meios de comunicação: ao acreditar num número inviável. Esta coluna citou R$ 1,6 trilhão como o total da correção monetária e juros não pagos desde o Plano Bresser, e que terá boa parte apropriada pelos bancos. Macedo lembra que os ativos de poupança somam R$ 188 bilhões; que todos os fundos de investimento, juntos, chegam a perto de 1 trilhão de reais.

Erramos. Mas a crítica da nota continua de pé: obrigar os poupadores a lembrar o banco em que estava sua poupança há uns 20 anos, arranjar um extrato microfilmado e contratar um advogado para recuperar o que é deles é um absurdo. Como diria o excelente Boris Casoy (que volta esta semana à TV, na CNT, às 10 da noite), é uma vergonha.

E entregar o que sobrou aos bancos é uma vergonha maior ainda.



Chame o ladrão!

A história de que os assaltantes usam bloqueadores de celular para impedir que suas vítimas peçam socorro foi bem divulgada – e, em seguida, abandonada. Se os bandidos podem bloquear os celulares, por que as cadeias não podem? E a tal ‘caixa de Faraday’ (uma espécie de gaiola de arame em volta do edifício, que atrapalha a circulação dos sinais dos celulares), por que não é usada? Não estará chegando a hora de comprar o passe dos técnicos que trabalham para as quadrilhas e transferi-los para o lado do bem, já que os de cá não funcionam?



Como é mesmo?

Que é que sugere o título ‘Anticastrista volta para a prisão’?

Claro: a ditadura comunista cubana engaiolou mais um dissidente – alguém que, sabe-se lá por que motivo, havia sido posto em liberdade algum tempo antes. Só que não é nada disso. O citado cavalheiro foi agente da CIA, Agência Central de Informações do governo americano, responde a sete processos por fraude na imigração, é acusado de atos terroristas por cubanos e venezuelanos e foi preso nos Estados Unidos. Na verdade, ele nem ‘voltou’ para a prisão: havia conseguido uma ordem de soltura até o julgamento, mas a ordem foi cancelada antes de ser cumprida. A única verdade do título é que o jovem é anticastrista.



Venia concessa

Um bom tema de discussão é a cobertura de assuntos judiciais. Com freqüência, há algumas barbaridades, tipo ‘o juiz pediu a prisão’ (juiz não pede, manda), ou confusões entre Ministério Público e Poder Judiciário. Mas nesta semana houve novidade, perdida no meio de uma reportagem: ‘O indiciamento alega’.



E eu com isso?

Na década de 1950, quando o sexo era sujo e o ar era limpo, Marilyn Monroe provocou sensação no filme O pecado mora ao lado: em cima de uma grade de ventilação do metrô, o vento levantou sua saia (e, segundo dizem, o astro do beisebol Joe di Maggio, seu marido, ficou com tanto ciúme que pediu divórcio).

Hoje, mais de 50 anos depois, a internet nos empurra cena semelhante: a herdeira Paris Hilton tem a saia levantada pelo vento e mostra a calcinha.

É meio muito: num famoso carnaval do Rio, uma starlet brasileira, ao lado do presidente da República, mostrou que estava sem calcinha. E, se é para comparar as cenas, Paris Hilton que nos perdoe, mas perde longe para Marilyn (e para nossa Lílian Ramos, a starlet do carnaval, também)..

Naquela época de O pecado mora ao lado, o presidente mundial da IBM dizia que no mundo haveria mercado para dois ou três computadores. Ronald Reagan, que depois seria presidente dos Estados Unidos, mostrava uma casa futurista montada pela General Electric, com rádios, televisores e aparelhos eletrodomésticos que hoje fariam parte de museus. Hoje, passado tanto tempo, que é que nos oferecem os meios de comunicação?

1. ‘Michelle Rodriguez se diverte em praia de Miami’

2. ‘Britney Spears teria feito lipoaspiração’

3. ‘Luma de Oliveira conhece família de namorado’

4. ‘Ex de Grazi Massafera circula sozinho pela noite carioca’

Kate Moss, a modelo, diz que nunca será uma estilista completa, porque não sabe desenhar nem costurar. Este colunista também jamais será um maratonista completo: não sabe correr, está acima do peso, não tem fôlego nem idade.



O grande título

Nesta semana o título está completo, não falta nada (aliás, até sobra um pouco). Dá para entender, de verdade. Veja só:

** ‘Jogador Roberto Carlos e Miss Brasil Mundo estão namorando’

Não é meio esquisito uma Miss Brasil Mundo?

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Jornalista, diretor da Brickmann&Associados