É uma história interessantíssima: um livro, com pesadas acusações a figuras públicas, foi ignorado em toda a imprensa. Ninguém se manifestou sobre ele, embora seu autor fosse um jornalista conhecido. Quem quis ler o livro precisou da colaboração de amigos, que o digitalizaram e colocaram na internet.
O livro em questão é O Chefe, em que o jornalista Ivo Patarra, petista, chefe da assessoria de imprensa da prefeita (então petista) Luiza Erundina, bate duramente em seu antigo líder e ídolo, Luiz Inácio Lula da Silva.
Pois é: e reclamam do “silêncio da grande imprensa” a respeito do livro A Privataria Tucana, em que o jornalista Amaury Ribeiro Jr. bate duramente no governo de Fernando Henrique Cardoso e, especialmente, em José Serra. A Privataria Tucana é apontada, até neste Observatório, como vítima de um silêncio ensurdecedor da grande imprensa – um livro que foi divulgado em primeira mão pela Rede Record de Televisão, a segunda rede do país; pela Record News, no jornal ancorado por um astro do jornalismo televisivo, Heródoto Barbeiro; pelo portal R7, pela revista de Mino Carta – em suma, por veículos da grande imprensa. Que saiu numa das principais colunas políticas da internet, a de Cláudio Humberto, também publicada em algo como 30 jornais espalhados pelo país. E que, poucos dias depois de lançado, recebeu matérias da Folha de S.Paulo e de O Estado de S.Paulo. Silêncio? Que silêncio? Livro invisível? Tão invisível quanto o Jô Soares numa visita à Escola de Faquires.
Há que admitir que a história foi bem preparada. O livro foi para as livrarias no dia em que os veículos mais ligados ao governo começaram a divulgá-lo e, ao mesmo tempo, a acusar os adversários de tentarem escondê-lo. Os demais veículos, que não haviam sido informados sequer do lançamento do livro, foram até rápidos: em três ou quatro dias apresentavam suas resenhas (a propósito, desfavoráveis). Aí começou a campanha pela internet segundo a qual, ao falar do livro, os veículos desvinculados do esquema “se renderam à pressão do público” e “precisaram defender José Serra”. E, assim, foi possível evitar o importante: discutir a veracidade ou não das acusações.
Fatos e versões
Este colunista começou a ler o livro e ainda está pela metade. É uma leitura complexa para quem não está habituado ao jogo financeiro internacional. Há um problema extra: certos casos são apontados como criminosos, mas a ligação não é muito clara para um leigo. Podem ser criminosos, o livro diz que são, mas a explicação deveria ser mais clara.
Entretanto, há alguns fatos interessantes a analisar – temas correlatos, como duvidar de afirmações segundo as quais Fulano é o maior centroavante do mundo mas jamais foi artilheiro de seu time. Fernando Henrique deixou o governo no último dia de 2002; de lá para cá, quem esteve no poder foi o líder da oposição a ele. O Ministério da Justiça, que comanda a Polícia Federal, foi ocupado por um advogado de competência reconhecida, Márcio Thomaz Bastos. Nesses anos todos, por que não houve atuação das autoridades contra as irregularidades denunciadas no livro? Houve implacável perseguição de membros do Ministério Público contra Eduardo Jorge Caldas Pereira e Luís Carlos Mendonça de Barros, tucanos da mais alta linhagem, por sua atuação nas privatizações. Ambos foram absolvidos em todos os processos referentes à sua atuação no governo.
Ah, a memória! Mas não precisa ter boa memória para consultar o Google. A história de Ricardo Sérgio de Oliveira, publicada na Privataria Tucana, segundo a qual recebeu US$ 15 milhões de Benjamin Steinbruch, foi publicada em 2002, na Veja. A história de Carlos Jereissati na formação do grupo Telemar (que também envolve acusação de propina) foi publicada em toda a imprensa.
Verdade, mentira? Este colunista não tem condições sequer de entender toda a movimentação financeira envolvida no caso, quanto mais de avaliá-la. Mas dizer que a imprensa se omitiu, isso é bobagem: vá ao Google, caro leitor, consulte A Privataria Tucana, Amaury Ribeiro, Amaury Ribeiro Jr., e veja quantas menções há ao livro. Isso responde à estrambótica tese do tal “livro invisível”.
Ou é livre ou não é livre
A propósito, liberdade de expressão não significa ser obrigado a publicar qualquer coisa: é também a liberdade de não publicá-la. O excelente Jorge Miranda Jordão não permitiu que o Diário Popular noticiasse o filé-mignon da imprensa na época, o caso da Escola Base. E quem tinha razão, como de hábito, era ele. O consumidor de informação que não estiver satisfeito com o veículo deve trocá-lo. Pode mudar o canal da TV, comprar outro jornal, outra revista, buscar outro blogueiro, trocar a estação de rádio. Houve época em que alguns jornais não publicavam notícias de suicídio; isso faz parte da liberdade de expressão. Quem quisesse lê-las tinha outros jornais, que as publicavam, à disposição. Há jornais que não publicam notícias de turfe; há outros que as publicam. Liberdade é também a liberdade de não publicar aquilo que não se queira.
Ninguém deve ser proibido de publicar uma notícia, ou entrevista; ninguém deve ser obrigado a publicar uma notícia, ou entrevista. Simples assim.
As razões de Gabi
Marília Gabriela, uma das grandes jornalistas da TV brasileira, foi duramente criticada por ter-se recusado a falar sobre uma briga que teria ocorrido entre Boni, José Bonifácio de Oliveira Sobrinho, o lendário comandante da ascensão da Globo, e Jô Soares. Esta briga é citada no livro recém-lançado por Boni.
Motivo das críticas: Gabi falou a outros repórteres do mesmo programa sobre outros temas e, depois, tanto Boni quanto Jô falaram da tal briga.
E daí? Gabi não é Jô, não brigou com Boni. Gabi não é Boni, não brigou com Jô. A briga, segundo Jô e Boni, não foi por causa dela. Ela não presenciou briga nenhuma. Então, por que deveria falar sobre o assunto? Por que deveria responder a perguntas sobre uma briga da qual apenas ouviu falar?
É o tal caso da liberdade de expressão: nela se inclui também a liberdade de não querer se expressar.
O sacro e o profano
Parece brincadeira, mas não é: o pastor Renê de Araújo Terra Nova, do Ministério Internacional da Restauração, comanda um abaixo-assinado na internet exigindo que Jô Soares peça desculpas por ter feito piada com a Bíblia.
Jô fez piada com a Bíblia? Se tivesse feito, estaria em seu direito de expressar-se livremente. Não estamos no Irã, onde o escritor Salman Rushdie foi condenado à morte (a sentença deveria ser executada por qualquer fiel, onde quer que o encontrasse) por seu livro Versos Satânicos, que na opinião dos aiatolás era ofensivo ao Islã. Mas Jô não fez: apenas mostrou em seu programa um filme em que alguém dizia que os Novos Baianos certa vez usaram as páginas de uma Bíblia para fazer cigarros de maconha.
Menos, gente, menos: se cada um se preocupar mais com a própria vida do que com a vida dos outros, o mundo será bem melhor. E, afinal de contas, Sarah Sheeva, filha da rainha dos Novos Baianos, Baby Consuelo, é hoje pastora evangélica de grande sucesso. A Bíblia é seu instrumento de trabalho.
Sempre deficiente
Se um candidato oposicionista à Presidência dos Estados Unidos traiu a mulher, a imprensa brasileira noticia; se um senador brasileiro, eleito para cuidar dos interesses dos brasileiros, trai seus eleitores, a imprensa brasileira não noticia. Já contamos aqui a história do carro 69, do deputado paulista Pedro Tobias, presidente estadual do PSDB, que fez misérias em alta velocidade numa estrada movimentada, pondo em risco a vida de outras pessoas (o parlamentar até hoje não se manifestou para dizer que o carro era dele, e tivemos de descobrir o fato por outras fontes).
Agora, um outro caso, em Brasília: o carro 0028, do Senado, estacionado descaradamente numa vaga para deficientes. Para Sua Excelência, o eleitor que se exploda; e se for deficiente que se exploda em outro lugar, longe da vaga reservada por lei para ele. Veja aqui o flagrante da falta de educação e de respeito humano em
De que Excelência é este carro? Aliás, por que as Excelências têm direito a carro pago com dinheiro público? A questão nem é tanto saber se pode ou não parar em vaga de deficiente. Nestas vagas, também param deficientes mentais.
As comissões
Pensa que a Comissão da Verdade, do Congresso, encerrou o assunto? Não! Agora surgem as Comissões da Verdade estaduais (e depois as municipais, claro). Comissão nunca é suficiente. E há também, acredite, a Subcomissão Especial de Acompanhamento da Comissão da Verdade. Como dizia a velha piada sobre noivas, do tempo em que havia noivas, a gente não sabe como essas coisas vão funcionar, mas por via das dúvidas prepare o seu bolso.
E quem divulgou a tal subcomissão que acompanha a comissão? A própria presidente da subcomissão que acompanha a comissão: a deputada socialista Luiza Erundina. Texto de seu twitter:
“Dep. Erundina é declarada presidenta da subcomissão especial de acompanhamento da Comissão da Verdade”.
Suponha, suponhamos
Em uma só reportagem, num grande jornal, ocupando algo como 15 linhas de texto, cinco vezes “suposto”, “supostamente”, “suposta”. Deve ser um recorde. Como diz o jornalista Palmério Dória, o tal Suposto ainda vai ganhar o Prêmio Esso.
Arte em livro
Este livro o colunista já viu, e é uma beleza: na terça-feira (20/12) será lançado o Theatro Municipal de São Paulo – 100 anos. O teatro, um magnífico projeto de Ramos de Azevedo, é um marco do desenvolvimento de São Paulo. E o livro sobre ele é muito bem feito, graficamente caprichado, com tudo o que é informação relevante. No lançamento do livro, haverá palestra e bate-papo com a historiadora Márcia Camargos, o editor Dado Macedo e o fotógrafo Cristiano Mascaro, que tem feito excelente trabalho de documentação da arquitetura paulistana. Das 18h30 às 21h30, na Livraria da Vila, r. Fradique Coutinho, 915, SP.
Como…
De um grande jornal:
1. O comentarista lamentou a incapacidade do zagueiro Durval, improvisado como lateral-esquerdo do Santos no jogo contra o Kashiwa, de marcar com eficiência e aproveitar as oportunidades que teve para atacar;
2. Na escalação do time, na mesma matéria, Durval estava em sua posição original, de zagueiro, e Leo ocupava a lateral esquerda.
A matéria estava certa, a escalação errada: Leo não entrou em campo.
…é…
De um portal noticioso importante:
** “Rafinha Bastos pode concorrer com o CQC”
É esquisito: Rafinha pretende lançar um CD. Como iria concorrer com um programa de televisão?
…mesmo?
De um portal noticioso ligado a uma grande empresa de comunicação:
** “Colunista de celebridades do (…) conta todos os bafões da dos famosos e da televisão”
Bafão famoso da TV foi um importante diretor de uma grande rede, notável por manter os interlocutores a distância segura com seu hálito não menos notável. Mas isso foi em outros tempos. Quanto ao “da dos famosos”, deve ser aquele negócio de trabalhar com pressa e sem gente.
É assim mesmo
De um grande portal noticioso, lutando para dar a notícia alguns segundos antes dos concorrentes, como se algum de seus leitores fosse perceber isso:
** “Mais de 20% das urnas do Pará foram apuradas e o 'Sim' goleia”
Tudo muito bom, tudo muito bem, mas quem goleou foi o “Não”.
Mundo, mundo
Pensa que é só nas grandes capitais que o roubo campeia desenfreado? Nada disso: nas cidades do interior, daquelas em que todo mundo conhece todo mundo, andam sumindo coisas incríveis. No interior de Alagoas, roubaram a imagem de uma santa e o cajado que pertenceu ao Padre Cícero. No interior de Pernambuco, sumiram os óculos de Lampião, o Rei do Cangaço, guardados num museu.
É um perigo: pode ter certeza de que, a partir de agora, vão aparecer os óculos de Lampião, em grande quantidade. E quem vai identificar os verdadeiros?
E eu com isso?
Experimente, caro colega: faça uma reportagem brilhante sobre os problemas da indústria e teste o índice de leitura. Em seguida, apure algum fato sem qualquer importância sobre algum famoso (definindo: famoso não é quem tem fama, é aquele que aparece em noticiário de famosos). Teste o índice de leitura. E convença-se.
** “Bruno Gagliasso manda beijo todo sujo de sorvete”
** “Angelina Jolie tira fotos fazendo caretas”
** “Guilhermina Guinle desembarca no Rio com excesso de bagagem”
** “George Clooney posa com cachorro e copo de cerveja na mão para revista”
** “Após suposta crise, Zilu volta ao Brasil para passar o Natal com Zezé”
** “Na ponta do pé, Dilma fala com estudantes”
** “Garçom derruba 20 canecas de chopp na Alemanha”
** “Veja famosos em lançamento de marca de relógio no RJ”
** “De biquíni, Jaque Khury mostra corpo musculoso demais em ensaio”
O grande título
Já encontramos um cavalheiro multado por não usar capacete no carro. Agora o caso é um pouco diferente (só não muda a vontade de multar):
** “Homem é multado por pilotar moto sem cinto”
Temos o ótimo título revelando aquilo que ninguém sabia:
** “Meryl Streep vive Margaret Thatcher a caminho do Oscar”
Alguém sabia que Ms.Thatcher tinha disputado algum Oscar?
E um título excelente, daqueles bem enigmáticos
** “Disco póstumo de Amy traz versão higienizada de uma cantora visceral”
Afinal de contas, é para comprar ou não?
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[Carlos Brickmann é jornalista e diretor da Brickmann&Associados]