Saturday, 23 de November de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1315

Olha a cabeleira do Zezé

David Nasser, turco que gostava de ser chamado de turco, compôs uma beleza de batucada: “Nega do Cabelo Duro”. Oswaldo Santiago e Paulo Barbosa brincaram com os chineses (“Lá vem o seu China na ponta do pé/ lig, lig, lig, lig,lig, lig lé (…) “chinês, come somente uma vez por mês”), Adoniran Barbosa falou dos judeus (“Jacó, a senhorr me prometeu/ uma gravata, até hoje ainda não deu/ faz trrinta anos, que esto se passarr/ e até hoje o gravata não chegarr”). Lamartine Babo disse que a cor da mulata não pegava. Racismo? Racismo é a mãe!

Pois não é que agora querem ver discriminação racial em tudo? Há dias, um artigo assinado por um desses intelectuais com gavetas cheias de diplomas e uma cabeça vazia de ideias e raciocínio fez duros ataques ao ator Marcelo Serrado, que faz o papel de bicha louca numa novela [ver aqui]. Dois eram os principais argumentos: primeiro, que a bicha louca fazia trejeitos de bicha louca, e isso provocava homofobia; segundo, que o ator disse que não gostaria que sua filha de sete anos visse um beijo gay na TV, e isso, para o professor-mestre-doutor-sabetudo, também é homofobia. Cá entre nós, homofobia é a mãe.

Primeiro, o ator faz papel de bicha louca porque é assim que seu personagem na novela deve se comportar. Anthony Hopkins se comporta como canibal em O Silêncio dos Inocentes porque seu papel é de canibal. Se é para criticar alguém, que se critique o autor – mas como acusar de homofobia exatamente um dos maiores lutadores contra a homofobia, Aguinaldo Silva, que há uns trinta anos editava o jornal Lampião e enfrentava o moralismo da ditadura? Ah, Lampião! Ali estavam também Antônio Chrysóstomo, Jean-Claude Bernardet, João Antônio, João Silvério Trevisan, Peter Fry, tudo gente de primeiro time. Um belíssimo jornal.

Segundo, há gente que tem medo até de olhar para gatos (é uma doença, a ailurofobia). E daí? Se ninguém os obrigar a pegar um gatinho no colo, se o ailurófobo não sair por aí maltratando gatos, tudo bem. Há gente que odeia salas sem janelas. Se não forem obrigadas a entrar nestas salas, se não saírem quebrando os móveis, e daí? O ator não gostaria que sua filha de sete anos visse um beijo gay na TV. Este colunista não gosta de ver essas lutas de UFC e muito apreciaria que seu filho também não gostasse. Mas ele as aprecia. O colunista não gosta de comer bacalhau. E daí, cavalheiros? Alguém pretende processá-lo por negar-se a ver pessoas brigando? Estará insuflando a bacalhaufobia? Sejamos sérios!

Este país está ficando muito chato. Este colunista é gordo, não “forte”. Todo mundo que tem a sorte de não morrer cedo fica velho, em vez de “entrar na melhor idade”. Anão é anão, preto é preto, cego é cego. Afrodescendente? O material científico disponível informa que o Homo Sapiens tem origem na África. Todos somos, portanto, do negão ao sueco albino, afrodescendentes.

E, lendo essas coisas que a gente vê por aí, é preciso firmar opinião: seja qual for o número de diplomas que ostente, burro é burro.

 

Alô, alô, pauteiros!

O gigantesco laboratório suíço Novartis anuncia fortes investimentos no Brasil, que incluem uma grande fábrica de vacinas em Pernambuco. A entrevista em que Joe Jimenez, um dos principais executivos internacionais do grupo, fala em investir meio bilhão de dólares na produção de vacinas foi publicada com amplo destaque. Se jornal já tivesse recursos técnicos para isso, haveria rojões, música festiva e elefantes paramentados bailando para saudar a boa notícia.

Boa notícia? Já há alguns meses, um remédio de uso contínuo e essencial, produzido pela Novartis, desapareceu do mercado. O Lotensin, para controle de hipertensão arterial e insuficiência renal crônica progressiva, deveria ter o abastecimento normalizado, segundo informação oficial da Novartis, na primeira quinzena de dezembro – do ano passado, claro. Já estamos na segunda quinzena de janeiro do ano seguinte, e cadê o remédio? Cadê a Anvisa? Cadê o Ministério da Saúde? E a imprensa, caro colega? Um fato que altera o dia a dia dos consumidores de informação passa batido, sem qualquer reportagem? O jornal corre o risco de perder leitores, definitivamente, por falta de um remédio, e se cala?

Então, imaginemos: se os suíços fizerem mesmo seu laboratório de vacinas em Pernambuco e de repente as vacinas sumirem do mercado – como aconteceu com o Lotensin –, para quem reclamar? As autoridades estão preocupadas com outros assuntos. E a imprensa se ocupa com… com… – bom, deixa pra lá.

 

Onde está o remédio?

1.Um leitor desta coluna tomava diariamente o Detrusitol, da Pfizer, com dosagem de 1 mg. O remédio saiu de linha. Passou a tomar o Detrusitol de 2 mg, de dois em dois dias. O remédio saiu de linha. Agora só existe o de 4 mg, e bem mais caro. O leitor corre o risco de sair de linha. E os meios de comunicação? Estes já saíram de linha faz tempo, ao menos quando é para discutir temas de interesse direto do consumidor de informação.

2.A caixa de 30 comprimidos de Zétia, remédio que tem desconto para quem se cadastrar no laboratório, sumiu do mercado há tempos.

3.Um leitor desta coluna precisa usar Advantan. O medicamento sumiu há cinco meses, sem qualquer explicação. O consumidor que se vire – e sabendo que, mesmo no caso de ter contatos nos meios de comunicação, como este leitor, não receberá qualquer tipo de apoio. Não há sequer um pedido de entrevista aos comandantes do laboratório sobre o desaparecimento do remédio.

 

A cara feia da Censura

Esta coluna cometeu um engano: disse que fracassou a tentativa de censurar o esplêndido Estrela Solitária, a grande biografia de Garrincha escrita por Ruy Castro. Só que o fracasso foi bem relativo: o livro foi proibido, mas não houve como apreender exemplares porque nos livros de Ruy Castro a edição sempre se esgota rapidamente. A censura vigorou por um ano, até que o livro pôde ter novas edições. Mas o processo todo durou onze anos, exigiu um gasto exorbitante da editora, a Cia. das Letras, e certamente prejudicou os leitores, que tiveram de esperar até o relançamento para obter uma obra que, de acordo com a Constituição, não podia ser censurada.

É nessas horas, entretanto, que as pessoas e entidades se revelam. A União Brasileira de Escritores, com o livro proibido e tudo, deu a Estrela Solitária o titulo de Livro do Ano e o Prêmio Jabuti de Melhor Biografia – importantes reconhecimentos que contribuíram para que os tribunais superiores fizessem justiça.

 

Boa leitura!

1.O jornalista José Luiz Teixeira acaba de lançar Comunistas depois do meio-dia, crônicas de leitura divertida e rápida. Não há previsão de noite de autógrafos: “Assim poupo os amigos de enfrentar o trânsito, brigar por uma vaga para estacionar, encontrar pessoas que envelheceram (como nós), ficar na fila…”

O livro pode ser comprado diretamente no site da Livraria Cultura.

2.Um relançamento imprescindível: Furacão Elis, de Regina Echeverria, marcando os 30 anos da morte de Elis Regina. Regina Echeverria, grande jornalista, dedica-se hoje a biografar artistas importantes: além de Elis, já retratou Cazuza e Gonzaguinha, sempre com muito sucesso, e personagens como Mãe Menininha do Gantois, o pintor Pierre Verger, até mesmo José Sarney. Em Furacão Elis, além da história de uma das maiores cantoras brasileiras, há também a lista completa de seus discos, em ordem cronológica. Editora Leya.

3.Este foi grande em tudo: na sua obra, nos seus amores, nos filhos que teve e que se destacaram nos mais diversos campos de atuação, na contestação, na atividade cultural. Oswald de Andrade, um dos mais completos intelectuais brasileiros, um dos pais da Semana de Arte Moderna e do Manifesto Antropofágico, está na biografia com seu nome, escrita por Carla Caruso para adultos e crianças.

 

Elvira, volta!

A repórter Elvira Lobato, excelente jornalista, várias vezes premiada, decidiu aposentar-se. No próximo dia 25, a partir das 12h30, os companheiros de Elvira vão homenageá-la com um almoço no restaurante Cais do Oriente (r. Visconde do Itaboraí, 8, no centro do Rio). Para participar, basta depositar R$ 50 na conta da Lumar Comunicação e Marketing (Banco Itaú, ag. 7255, c.c. 06827-7) e apresentar o comprovante na porta do restaurante. O valor inclui tudo, menos bebidas alcoólicas. Mais informações pelos e-mails lumarcm@terra.com.br ou aziz.ahmed@jcom.com.br

Este colunista não irá ao almoço: recusa-se a comemorar a aposentadoria de uma grande profissional, que vai fazer falta à imprensa e deixará mais pobre o cardápio oferecido aos consumidores de informação. Prefere fazer um apelo pessoal, como admirador de sua competência: volta, Elvira!

 

A força de Gabeira

Um dos melhores jornais paulistas, o Diário do Comércio, editado pela Associação Comercial e dirigido por Moisés Rabinovici, acaba de conquistar um reforço e tanto: Fernando Gabeira escreve três reportagens mensais. É pouco, mas é um começo: o Diário do Comércio, que se destaca pela abordagem inovadora, pela diagramação talentosa e ousada, pelo bom texto, é o lugar ideal para um profissional como Gabeira, um dos expoentes da escola mineira de jornalismo. Gabeira tem ainda seu blog.

 

O mundo fantástico…

Houve tempo, caro colega, em que o texto de quem não sabia escrever era encaminhado automaticamente para alguém que soubesse. Hoje também – só que agora a instância máxima do texto é o corretor ortográfico do Word. As redações foram informadas de que não se deve condenar alguém antes da Justiça. Até que funcionou em parte (ou seja, quando não há um promotor ou secretário escorregando matérias prontas para os repórteres). Mas o efeito é às vezes desastroso.

** “Acusado de suposto tráfico de drogas requer liberdade no STF”

Afinal de contas, de que é que o cavalheiro é acusado? Provavelmente de tráfico de drogas. Suposto tráfico é figura desconhecida da Lei (e, no caso, considerando-se que o título veio de fonte da área jurídica, fica mais engraçado ainda).

** “Suspeito de provocar série de acidentes se entrega à polícia”

O sujeito é reconhecido pelas vítimas, tem a imagem gravada nas câmeras de rua, vai à Polícia e confirma o que fez, vai à TV e conta tudo em entrevista, e ainda assim é chamado de suspeito?

 

…da comunicação

Veja que delícia (e imagine se alguém como o Gabeira deixaria passar um texto desses para o pobre sujeito que pagou para ser informado):

“Com a desaceleração da economia, a proporção entre dívida e PIB tem caído devido à inflação, que eleva o valor nominal do PIB, e à alta do dólar – que eleva o montante em reais das reservas cambiais do BC, que são abatidas no cálculo da dívida”.

 

Como…

De um grande jornal:

“(…) o projeto de lei nº 873/11 (…) tratando do controle ético da população de cães e gatos (…)”

Se já é difícil fazer o controle ético dos nobres parlamentares, imagine de cães e gatos, que não têm imprensa a denunciar seus malfeitos!

 

…é…

Título de um grande jornal impresso:

Espérance ultrapassa Corinthians em lista; Barça é o 4º e SP, 7º

Texto:

“(…) Entre os brasileiros, o São Paulo é o mais bem colocado. O time tricolor ocupa o oitavo posto (…)

Notável: um só time é simultaneamente o sétimo e o oitavo na lista.

 

…mesmo?

De um grande portal noticioso:

“Quase 1 em cada 3 praias de SP está imprópria para banho”

Tome cuidado, pois: não vá tomar banho nesta quase uma praia imprópria.

 

Mundo, mundo

Os jornais publicam com estardalhaço a história da inglesa que tem duas vaginas. Só não perceberam que, mais uma vez, a Europa se curva ante o Brasil. Se as histórias de amantes de uma moça que participa de um novo programa de TV forem 10% verdadeiras, ela deve ter umas quatro.

 

E eu com isso?

Estamos naquilo que os americanos chamam de silly season, época em que não há notícias e qualquer coisa acaba sendo publicada. Há quem chame estas notícias, principalmente o pessoal de Brasília, de flores do recesso. Como não há temas sérios a discutir, noticia-se intenção, apresentam-se planos, vale tudo.

Mas é a época, mesmo, do noticiário frufru. Festas, verão, praia, namoros!

** Luan Santana diz que namorada terá de ser aprovada pelos fãs

** David e Victoria Beckham são fotografados na noite do réveillon

** Juliana Paes sai descalça de festa de fim de ano no Rio

** Demi Moore compra cachorros após se separar de Ashton Kutcher

** Pelo twitter, Sabrina Sato mostra foto de um cachorro-quente

** Após divórcio, Sinead O’Connor atende jornalista enrolada em toalha

** Fiuk posta no Facebook foto ao lado das irmãs

** Australiano posa com bichos-pau sobre o corpo

** Luan Santana posta foto sem camisa no Twitter

** Presidente do Santos avisa que não vai correr atrás de Ganso

Só faltava o presidente do Santos, com um Jô Soares e meio de tamanho, correr atrás de um atleta 40 anos mais jovem.

 

O grande título

Na política, roubalheira virou malfeito; mensalão é conhecido como recursos não-contabilizados; e, se a gatunagem aconteceu antes das eleições, deixa de ser crime e não se fala mais nisso. Acontece que o hábito pega. Veja como um grande jornal fala do popular bebum:

** “PR surpreende três motoristas dirigindo em condições etílicas inadequadas”

Temos certos títulos difíceis de compreender:

** “Réveillon vai ser um dos melhores”, diz pai de gêmeos jogados pela janela

Um pequeno jornal regional paulista capricha:

** “Casas demolidas no Jardim Conceição correm risco de desabamento”

E há um título imbatível:

** “Após nova sessão de radioterapia, Lula volta ao trabalho

Não dá para competir.

***

[Carlos Brickmann é jornalista e diretor da Brickmann&Associados]