A experiência se realizou no Campus Party, em São Paulo: um blogueiro, para demonstrar o poder das redes sociais, divulgou a falsa notícia da morte do Seu Barriga, personagem de TV do seriado Chaves. Muita gente acreditou, retuitou, e em poucos instantes estava entre as notícias internacionalmente mais divulgadas do Twitter (na linguagem tuiteira, segundo lugar entre os trending topics). A experiência continuou: alteraram até a página da Wikipédia sobre o ator. E ninguém pôs em dúvida a notícia. Até portais de grandes empresas se limitaram a transcrevê-la, sem qualquer tipo de verificação.
Há várias lições a tirar do caso. Uma delas, negativa: noticiar deliberadamente a morte de quem não morreu é um ato repulsivo. Outra, positiva: mostra que, com a velocidade da difusão de notícias, ou os meios de comunicação tomam mais cuidado com o que divulgam (e não é isso que está acontecendo, especialmente nos portais), ou as informações falsas se espalham em alta velocidade, tornando impossível repor a verdade dos fatos. Mais cedo ou mais tarde, a irresponsabilidade na divulgação da primeira notícia vai acabar nos tribunais – e qual será o tamanho da indenização para quem, por descuido ou imperícia, tiver provocado prejuízos a terceiros?
A má informação, deliberada ou apenas incompetente, vem acompanhando o jornalismo desde o tempo dos pergaminhos e papiros. Houve época em que o jornalismo de chantagem prosperou muito, às vezes, dizem, até com objetivos decentes: ou você doa determinada obra ao museu ou eu publico que seu produto dá câncer, e você que se vire para desmentir. Hoje esse tipo de jornalismo marrom está cercado: a Justiça foi tomando conta dos excessos e impondo penas, em geral financeiras, aos violadores da lei.
Já os meios eletrônicos entraram na guerra pela destruição de reputações com algumas décadas de atraso. Aos poucos, a Justiça encontrará as maneiras de enquadrar os difamadores, os chantagistas e gente desse tipo. O próprio público consumidor de informação, espera-se, selecionará os meios eletrônicos capazes de informar com rapidez sem agressões contínuas à verdade dos fatos.
E a cada eleição, até lá, enfrentaremos problemas iguais. Uma empresa do governo, patrocinada por empresas estatais, anuncia a morte política de um adversário do governo; outra empresa do governo levou mais de uma semana para admitir que, levada por informações errôneas, partidarizadas e não verificadas, noticiou mortes que não existiram no caso do Pinheirinho. Já a oposição, diante de fatos reais, em que se defrontavam a morte e a vida, preferiu com frequência criar discussões artificiais sobre o tratamento médico que deve ser ministrado a um ex-presidente da República.
A resposta correta, e óbvia demais, é que deve ser ministrado ao ex-presidente o melhor tratamento possível, e os ódios partidários que se danem.
Enquanto isso, muitos dos meios de comunicação se subordinam aos interesses políticos e partidários e aplicam em seu noticiário o antigo provérbio “em tempo de guerra, mentira como terra”. Apostam contra sua própria sobrevivência, pois perdem a credibilidade, aquilo que leva alguém a pagar por eles. E fazem papel de bobos: embora a imprensa britânica tenha glorificado a “Carga da Brigada Ligeira”, na Guerra da Criméia, quem venceu a batalha foram os russos.
Olha o nível!
Troca de twitters entre o deputado federal Geddel Vieira Lima, do PMDB baiano, e o líder sindical delegado Francisco Garisto, da Polícia Federal, mostra como estão os ânimos neste momento de tensão (e mostra como um deputado federal sofre para intercalar nas frases expressões de respeito, como Vossa Excelência). O texto foi traduzido por este colunista do tuitês para o português:
>> Geddel: As manchetes de jornais nacionais e internacionais sobre a Bahia são um horror. Que prejuízo para nossa imagem!
>> Garisto: Olha quem está falando!
>> Geddel: Não fala besteira, bobão
>> Garisto: Ser chamado de bobão por um idiota graduado e escrachado como você é um elogio e tanto!
Não, caro colega. Você não vai encontrar esses diálogos na imprensa. Só se um deles convocar uma entrevista coletiva, com aviso de pauta.
Os atos secretos
De um grande jornal, em duas notas seguidas numa coluna de Esportes:
Nota 1 – “O Banco Central inabilitou (Fulano) para o exercício de cargos de administração ou gerência de instituições financeiras por oito anos (…) (Fulano) não está indiciado pela fraude no (…)”
Nota 2 – “(Fulano) diz que a pena não foi aplicada. E que, se for punido, vai recorrer. ‘Os que não foram indiciados não têm envolvimento nenhum com a fraude’ (…)”
O grande jornal e os colegas que escreveram as duas notas têm explicações a dar: afinal de contas, o citado cavalheiro foi ou não inabilitado pelo Banco Central, por oito anos, para o exercício de cargos de administração ou gerência de instituições financeiras? Não se trata de ouvir um lado, outro lado e pronto. Se houve inabilitação, isso está escrito em algum lugar. Não existem penas secretas. Cadê a decisão do Banco Central, ou da autoridade competente? Mais: se Fulano não foi sequer indiciado, como é que está sendo punido?
É como esperar um julgamento e, na saída, informar que, conforme o promotor, o réu foi condenado e, segundo o advogado, o réu foi absolvido. Isso não existe: há alguma coisa profundamente errada com as duas notas. Esperemos que não tenha sido motivada pela vontade de interferir nas eleições do Corinthians, que ocorreriam no dia seguinte. Se foram, a coisa é muito mais grave.
Cadê a carne?
Alex Periscinotto, um dos grandes publicitários brasileiros, usa muito esta frase quando quer saber o que há de real nos temas que lhe submetem: “where’s the beef?” Certo: cadê a carne? As ervilhinhas, as cenourinhas, as microbatatinhas estão lá, mas onde está a sustança, o prato propriamente dito?
Pois é: a presidente Dilma Rousseff foi visitar as obras de transposição das águas do rio São Francisco. Já houve sabe-se lá quantos aditamentos, quantos adiamentos, quantas elevações de preços. E a obra está atrasada. Dilma ficou brava, não vai admitir etc., etc., etc.
Mas como é que as coisas chegaram a este ponto? Imaginemos a estatal chinesa que construiu recentemente aquela ponte enorme. Alguém é capaz de acreditar que os comandantes da empresa não sabiam, a cada instante, a situação da obra, os problemas que enfrentava, o estágio do projeto? Imaginemos o Brasil: alguém acha que o presidente de um grande banco precisa visitar cada cidade em que será aberta uma agência para ver se as obras estão andando no prazo?
Obras como a do São Francisco têm responsáveis, claro. Há um ministro com o escritório entupido de assessores para cuidar do setor. E a presidente precisa ir pessoalmente ao canteiro de obras para descobrir que está tudo atrasado e custando muito mais caro? Então, qual a função de tantos ministros e assessores?
A imprensa até que se comporta melhor do que o governo: faz uma ou outra reportagem sobre os atrasos, os problemas causados pelos sucessivos adiamentos da entrega, a alta dos custos. Mas o balanço geral, o acompanhamento do serviço, isso não faz. É caro, exige treinamento, exige repórteres com disposição para ficar por um longo tempo longe das cidades. Mas deve dar matérias magníficas.
Meu Brasil brasileiro
Um morador de rua de São Paulo foi preso em flagrante, em outubro último, quando tentava furtar placas de zinco. Só que ele não podia ficar preso: segundo os laudos periciais, ele é inimputável, incapaz de responder por seus atos. O Tribunal de Justiça determinou que fique em prisão domiciliar – mas como fazê-lo, se ele não tem domicílio e mora na rua? Pior: se não cumprir a ordem, pode ser preso (e, como não pode ser preso, pelo mesmo motivo anterior, que fazer?)
Um grupo de advogados do IDDF (Instituto de Defesa do Direito de Defesa) está cuidando do morador de rua. Pedem que o Tribunal de Justiça resolva o caso. Justo – mas como? E não adianta tentar interná-lo: só poderiam fazê-lo se fosse violento ou se pusesse em risco sua própria saúde.
Alô, colegas, vale matéria: como é que o morador de rua chegou a essa situação? Tem família, de onde vem, qual a opinião de outros juízes sobre seu destino? É uma boa pauta. E, ainda por cima, pode ajudar alguém.
Como…
De um grande portal noticioso:
** “Filha é empecilho para Gaúcho não vir para o Bahia”
Empecilho para não vir?
…é…
** “Única irmã viva de Lampião morre em SP”
Já as irmãs falecidas devem ter morrido em outros lugares.
…mesmo?
No título:
** “Paris Hilton é clicada usando vestido sem calcinha”
No texto:
** “Paris está com uma meia-calça que imita cinta-liga”
Quantas calcinhas a moça precisa vestir para não dizerem que está sem calcinha?
Mundo, mundo
Veja só que história estranha: Ted Prince, do estado americano de Ohio, era casado com uma bonita moça, Renée, com a qual teve dois filhos. Aí surgiu a picadura que mudou sua vida: atacado por uma abelha, teve reação alérgica, seus seios cresceram, seu nível de hormônios masculinos se reduziu, e a vontade de usar calcinha e sutiã se tornou insopitável. Fez três operações, mudou o nome para Chloe e continua vivendo com a mesma mulher. Pelo menos foi a história que ele contou. E, ao que parece, a imprensa acreditou.
E eu com isso?
Mas voltemos ao mundo mágico onde as notícias que não têm importância são importantes: o nosso mundo, que sabe tudo sobre o BBB e acredita quando o candidato dos dólares da cueca diz que não sabia de nada, que seu assessor é que guardava o dinheiro no cofrinho. Ele nem percebeu, pois, como disse o césar romano Vespasiano a seu filho e herdeiro Tito, dinheiro não tem odor. Ao frufru, pois!
** “‘Não dá mais para brincar de bicha maluca vestida de mulher’, diz Rogéria”
** “Cristiano Ronaldo e seu novo ‘brinquedo’: uma Lamborghini de 340 mil euros”
** “Murilo Benício surfa em praia da Zona Oeste carioca”
** “Termina o namoro secreto de Taylor Swift e Eddie Redmayne”
** “Anja, filha de Alessandra Ambrosio, esquia pela 1ª vez”
** “Miley Cyrus é clicada com anel e levanta suspeitas de noivado”
** “Festa de Neymar tem tumulto, entrada secreta, globais e até cartunista”
** “Alinne Rosa conta que já passou 12 horas no trio sem ir ao banheiro”
** “‘Não quero ser muito magra e colocar os seios para fora’, garante cantora Adele”
** “Bárbara Evans revela calcinha pelo roupão”
Bárbara Evans fez muito sucesso na Playboy. Lá já revelou a calcinha com o roupão, sem o roupão e até sem a calcinha.
O grande título
Papa fina, colega. A variedade é grande e divertida.
Dois títulos de duplo sentido, por exemplo:
** “Paraguai diz que não vai tolerar justiça com as próprias mãos”
Ainda mais sabendo-se que o país é presidido por um bispo!
** “ (Partido) promete brigar por comissões”
Claro, claro. E alguém imaginava outra coisa?
Há um título que traz grandes recordações e novas ideias:
** “Carecas fazem tatuagem de cabelo para esconder a calvície”
Um famoso repórter, aliás muito bom, numa certa época usou uma tintura vagamente ridícula para esconder o aeroporto de mosquitos. Numa viagem internacional, daquelas em que as autoridades locais tentam mostrar num curto espaço de tempo os monumentos históricos, as universidades, as cidades antigas, as cidades modernas, tudo temperado com muitas entrevistas, o colega acabou pegando no sono (e não foi uma vez só). Encostava a cabeça tingida na parede e deixava ali a marca. Acabou ganhando o carinhoso apelido de “Carimbo”.
E pensem, por exemplo, no governador paulista Geraldo Alckmin. Aquela meia dúzia de heróis da resistência é diagramada em cima da careca, para parecer que a careca não é totalmente careca. Tadinhos dos fios! Tomara que ele tope a tatuagem: vai ficar muito, muito engraçado.
Todos os títulos são bons. Mas há um inexcedível:
** “Veja os livros que estão na cabeceira do ex-presidente Lula”
Pois é.
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[Carlos Brickmann é jornalista e diretor da Brickamnn&Associados]