O caso do jovem que assassinou a namorada e acaba de ser condenado a quase cem anos de prisão traz ao debate uma questão importante: numa época em que os meios de comunicação têm tamanha força, tamanha velocidade de distribuição de informação, é ainda aceitável o julgamento por júri?
O júri, em que um acusado é julgado por seus iguais, foi um tremendo avanço quando surgiu, lá pelo século 14: até então, os réus eram submetidos a determinadas torturas, como caminhar sobre brasas ou segurar uma barra de ferro aquecida ao rubro por determinado período. Se passassem ilesos por esses testes, estaria provado que Deus os protegera e que eram, portanto, inocentes.
Mas, depois de seus 600 anos, a instituição que já foi um avanço merece ser repensada. No momento em que os jurados ouvem testemunhas, advogados, promotores, já estão predispostos, pela pressão dos meios de comunicação, a uma decisão específica. No caso do assassino da namorada, não há a menor dúvida de que tenha cometido o crime; as dúvidas se referem a crimes correlatos, que podem ter sido ou não absorvidos pelo crime maior e isso se refere apenas à fixação da pena.
Mas imaginemos um caso em que haja dúvida razoável: como é possível julgar de maneira isenta quando os meios de comunicação já estão em campanha, quando multidões sedentas de vingança cercam o local do julgamento e agridem os profissionais que deveriam poder trabalhar em paz?
Em dois julgamentos recentes por júri, um advogado levou um pontapé (caso Nardoni), e uma advogada só pôde sair do local do julgamento para tomar um lanche sob proteção da PM (caso Eloá). Estávamos acostumados a estas cenas em filmes americanos: multidões exigiam o linchamento do réu e o xerife, com sua coragem, sua pontaria infalível e seu fiel revólver capaz de disparar centenas de tiros, dispersava o povo reunido e garantia aos jurados a tranquilidade necessária para julgar. Só que esses filmes se referem a episódios de 150, 200 anos atrás; hoje em dia não se pode admitir que ocorram. E, se ocorrências como essas forem inevitáveis, o sistema de julgamento precisará de mudanças, para garantir que a justiça seja feita.
Por mais que tenhamos certeza da culpabilidade do réu, quem tem que decidir isso são os jurados; e, se os jurados já entram no julgamento dispostos a acreditar no advogado ou no promotor, e só neles, não há possibilidade de decisão justa. O fígado não substitui o cérebro; a ira não substitui o raciocínio. Fazer justiça pode implicar uma condenação, mas também pode implicar a absolvição.
Há dezenas de exemplos históricos de erros judiciais apoiados pela população. Joana d’Arc foi queimada viva, sob acusação de bruxaria. O capitão Alfred Dreyfus, hoje herói nacional francês, foi condenado por traição e encaminhado para a Ilha do Diabo – um nome dos mais condizentes com o local do presídio. No Brasil, os irmãos Naves foram torturados e passaram nove anos presos pelo assassínio de um sócio – que, aliás, nem tinha morrido, tinha apenas mudado de cidade sem avisar ninguém. Diga-se, a bem da verdade, que os dois júris a que os irmãos Naves foram submetidos os absolveram; mas o Tribunal de Justiça da ditadura do Estado Novo anulou as absolvições para atender ao clamor das ruas que exigia a condenação.
Mas, se a opinião das ruas fosse mesmo uma bússola da verdade, não teria ocorrido um episódio famoso, há cerca de dois mil anos.
Na época, a multidão teve a chance de escolher qual dos réus mereceria clemência. E optou por Barrabás.
Lá, sim…
A Associação dos Juízes Federais do Brasil (Ajufe) manifestou sua preocupação com “novo atentado à liberdade de imprensa e de opinião” ocorrido no Equador. Lá, a Corte Nacional de Justiça ordenou a prisão de três diretores e um ex-diretor do jornal El Universo, condenando-os ainda a pagar uma indenização equivalente a US$ 40 milhões, por críticas ao presidente da República, Rafael Correa. “Sem um Poder Judiciário independente e uma imprensa livre não existe”, diz a nota da Ajufe, assinada por seu presidente, Gabriel Weddy.
…cá, não
Maravilha: este colunista é totalmente contrário não apenas à condenação citada como também aos esforços notórios do presidente Rafael Correa de restringir a liberdade de expressão. Mas sente falta, na nota da Ajufe, de uma citação a um caso brasileiro, o do jornalista Lúcio Flávio Pinto, que acaba de ser condenado pela Justiça por um fato que é muito difícil entender.
Resumindo: Lúcio Flávio Pinto é um profissional de primeira linha, conceituadíssimo, especialista em problemas da Amazônia (o que inclui grilagem, pistolagem etc.) Há alguns anos, denunciou o empresário Cecílio Rego de Almeida, proprietário da empreiteira C. R. Almeida, por apropriar-se indevidamente de 4,7 milhões de hectares de terras públicas. O empreiteiro processou-o. No fim do ano passado, a Justiça decidiu que as terras em questão eram efetivamente griladas, e determinou que fossem devolvidas a seu legítimo proprietário, o Estado. E agora, no início deste ano, condenou o jornalista Lúcio Flávio Pinto à pena de multa, por ofensa ao empresário Cecílio Rego de Almeida.
Se a denúncia de Lúcio Flávio Pinto estava correta, como a Justiça decidiu, onde é que está a ofensa? Para uma associação de juízes, deve ser complicado manifestar-se sobre uma questão decidida por magistrados; mas, se considera adequado manifestar-se sobre questões de outro país, por que não comentar o caso brasileiro, muito mais próximo de nós?
Pit-stop
Nossos meios de comunicação deram amplo destaque ao caso de uma ONG ligada ao locutor Galvão Bueno, que obteve autorização federal para captar algo como R$ 2 milhões destinados ao projeto de uma Escola de Formação de Pilotos.
A imprensa deu três partes da notícia:
1. A ONG pediu e obteve autorização para captar recursos dedutíveis de impostos;
2. Tão logo os repórteres souberam do caso, a ONG desistiu do pedido;
3. Galvão adora automobilismo; seus dois filhos, Cacá e Popó, são pilotos de corrida.
Faltou a quarta parte, por algum motivo – que bem poderia estar no lead. Veja aqui (consultar Carteiras Nacionais de Habilitação Suspensas: 2610139290 – Paulo Eduardo Ferro Costa Galvão Bueno – Londrina; 2322631617 – Carlos Eduardo Santos Galvão Bueno – Londrina).
Tanto Popó quanto Cacá estão com as carteiras de habilitação suspensas. Se não podem guiar, como podem ensinar?
Mentira a jato
Uma mentira pode dar a volta ao mundo, enquanto a verdade ainda calça os sapatos. (Mark Twain)
Isto já era verdade nos tempos de Mark Twain, quando o telégrafo e o código Morse faziam o papel da internet hoje em dia, só que bem mais devagar. A velocidade da internet faz com que boatos e notícias mal apuradas circulem em todo o país antes que seja possível iniciar os desmentidos (e, considerando-se a área atingida pelos equívocos, será praticamente impossível abranger e rebater o noticiário todo). Segundo, enquanto for permitido que as pessoas mais covardes se escondam atrás de pseudônimos, os equívocos são seguidos da mais ampla divulgação possível de preconceitos. Basta assinar algo como “Gladiador Branco”, ou PKSRTL, e o mundo estará aberto para a xingação, a mentira e os preconceitos. Este é um dos nascedouros do ódio a negros, nordestinos, gays, judeus, torcedores de times adversários.
E como identificar os cavalheiros preconceituosos? É até possível localizar os códigos (IPs) dos computadores dos quais saíram as mensagens; mas é preciso chamar a polícia, já carregada de serviço, pesquisar e só então mover os processos competentes contra quem não sabe viver em sociedade.
Seria mais simples que cada editor de notícias, blogs, colunas, cuidasse da moderação dos comentários. Da mesma maneira que não permite que pessoas que utilizam seu domínio de internet falem a respeito da senhora mãe do juiz do jogo, deveria cuidar da civilidade dos comentários; e, mais do que isso, de saber quem os faz. Notícias publicadas online sempre se abrem a comentários de leitores, com grande frequência de um racismo feroz, inconcebível. Ora, quando se manda uma carta a um jornal, a identificação é obrigatória. Por que a internet deveria ser diferente: só para acobertar covardes mascarados?
Algum tipo de preconceito sempre existiu. Há quase cem anos, Albert Einstein dizia que se suas teorias estivessem corretas, os alemães diriam que ele era alemão e os franceses que era cidadão do mundo. Se estivessem erradas, os franceses diriam que ele era alemão, e os alemães que era judeu.
Completando esta nota, mais uma frase de Einstein: “Época triste a nossa. É mais fácil quebrar um átomo do que um preconceito”.
Dá para fazer
E que ninguém diga que grandes organizações não têm como pagar gente para moderar os comentários. O Clube de Comunicação, do Rio, que está longe de ser uma potência financeira como as empresas da área, fortaleceu-se agora com a presença de uma lenda do mercado de comunicação: Lalá Aranha, diretora da Teia de Aranha. Lalá é a ouvidora do Clube de Comunicação; cabe a ela mediar questões polêmicas e administrar eventuais conflitos de opinião dentro do grupo. Belíssima contratação: a função é necessária e Lalá é imbatível.
Tempos difíceis
Neste inicio de ano, três jornalistas brasileiros já foram assassinados pelo exercício de seu poder profissional.
Um jornalista internacionalmente conhecido, contra cuja honradez e competência jamais se falou alguma coisa (o que criticam nele é sua maldita mania de defender a Amazônia e denunciar assaltos aos cofres públicos) foi condenado e terá de pagar vultosa multa por ter dito exatamente aquilo que a Justiça disse: que as terras ocupadas por um grande empresário eram griladas.
Uma excelente repórter de O Globo em São Paulo, Cleide Carvalho, moça competente e corretíssima, foi ameaçada de morte por causa da reportagem “Meninos são aliciados para virar transexuais em SP”, publicada no dia 12/2 (a ameaça partiu do e-mail nos@vamosmatarsuafamilia.com – mais um caso em que covardes e canalhas se acobertam por trás de pseudônimos para tentar intimidar jornalistas que não aceitam auxiliá-los ou pelo menos calar a boca.
Só? Não: houve ameaças também aos jornalistas do SBT em Caruaru, Pernambuco, que faziam reportagem sobre a superlotação do Cemitério Municipal (a reportagem não atende aos interesses do prefeito da cidade), e da Rede Globo, no Rio, que cobriam a ameaça de greve dos bombeiros e policiais militares.
Não demora muito, as equipes de reportagem terão de incluir seguranças.
Os bons livros
1. Como de hábito, indispensável: a Editora Consultor Jurídico lança na quarta-feira (29/2) o Anuário da Justiça Federal 2012, na sede do STJ, em Brasília. É um livro essencial para os operadores do Direito; e o evento de lançamento é uma oportunidade única de encontrar profissionais de primeira linha.
2. Cláudia Matarazzo lança nova edição de Etiqueta sem Frescura, agora também com gastronomia e receitas. Em 6 de março, na Livraria Cultura da avenida Paulista, SP, com autógrafos e degustação das receitas do livro.
Como…
De um grande jornal:
** “Merkel leva Europa ao mal caminho, diz George Soros”
E o redator completa os erros de Angela Merkel com um mal texto – um texto mau escrito.
…é…
De um jornal de circulação nacional:
** “Cientistas gravam canto de grilo de 165 milhões de anos”
Se este grilo envelhecer mais um pouquinho, é só pintar o cabelo e os bigodes que ainda chega a presidente do Senado.
…mesmo?
De um jornal especializado em esportes:
** “Botafogo mantém azul, mas tira tampão de uniforme de treino”
Deve fazer sentido para alguém, não?
É…
Há uma velha norma jornalística pela qual não se deve identificar uma pessoa por seus amigos ou parentes. Coisas como “tataraneto de Einstein perde a posição na Seleção alemã”. Mas não há muita gente obedecendo à norma:
** “Parente de Michel Teló morre em acidente no interior do Paraná”
Parente? Talvez: segundo o jornal, era “primo em segundo grau”.
É ou não é uma tentativa meio sórdida de chamar a atenção para uma notícia que se repete a cada instante?
…assim…
Há outra norma, também muito antiga, que recomenda que o veículo de comunicação transmita informações a quem os consome. Se não trouxerem informação, por que alguém irá gastar dinheiro com ele?
** “Feeley teria descido do carro para ver como estava o animal quando foi atropelada pelo primeiro carro, que a arremessou para o outro lado da pista. Do outro lado da estrada, Zina foi novamente atropelada e arrastada por cerca de 200 metros. Nenhum dos carros prestou socorro”.
Feeley desceu ou não? Se foi atropelada, é sinal de que desceu do carro – e, portanto, o “teria descido” é besteira. Por que o medo de dar a informação?
…sempre…
De um grande portal noticioso da internet. No título,
** “Alexandre Carioca, do Águia, segura uma barra de ferro para agredir Aldivan, do Remo”
No texto,
** “Atingido com um tripé de fotógrafo durante partida contra o Águia de Marabá neste domingo, o jogador Aldivan, do Remo, decidiu não prestar queixa contra Alexandre Carioca”.
… assim
Esta é de um grande jornal regional:
** “Justiça proíbe máscaras de Carnaval onde mulheres foram estupradas e mortas”
Tudo bem: agora imagine o texto da determinação judicial. Como terão chegado a esta proibição de modo a que todos pudessem entendê-la?
Mundo, mundo
O comentário saiu num desses blogs destinados a mostrar que todos estão errados, menos o blogueiro, e que as tarefas de salvar a Humanidade e definir o mundo e suas implicações deveriam ser-lhes entregues. No comentário, com a teoria conspiratória de sempre, explica-se a entrevista de um empresário sírio à BBC a um fato notável e que a mídia burguesa, naturalmente, procurou esconder: é a BBC, emissora inglesa, favorecendo o empresário cujo pai representou um papel importante na Síria à época do protetorado inglês.
Perfeito, exceto por um fato: a Síria jamais foi protetorado inglês. Depois da queda do Império Otomano, do qual fazia parte, após a derrota na Primeira Guerra Mundial, a Síria se tornou um protetorado francês. Nada a ver com a BBC.
E eu com isso?
Agora, chega de notícia chata, de comentários sobre falhas e imprecisões em coberturas jornalísticas (e, como já dizia Caetano Veloso, em Alegria, Alegria, “quem lê tanta notícia?”) Talvez o jornalista tenha de ir aonde o povo está.
** “Quatro meses após dar à luz, Letícia Birkheuer aparece magra”
** “No Rio, Jennifer Lopez aparece com namorado em hotel”
** “Fernanda Lima diz que gosta das cuequinhas furadinhas e velhinhas de Rodrigo Hubert: ‘Acho superfofas’”
** “Shakira vai à praia depois de ser atacada por leão marinho”
** “Suzana Vieira levou o marido para uma van no primeiro encontro”
** “Whitney Houston foi ao dentista antes de morrer, diz TMZ”
** “Neymar curte o Carnaval em camarote de Salvador”
** “Tom Daley não é mais um menininho, diz diretor britânico”
** “Brasileiros brincam carnaval na Finlândia”
** “‘Não adianta ficar aqui igual gangorra’, diz Kelly sobre falta de posicionamento de João Carvalho”
Bela frase. Quantos sentidos é possível atribuir a ela?
O grande título
A disputa é grande: só falta aquele locutor de Carnaval, com sua voz peculiar, para anunciar algo como “Sentido: Zero!”
De um grande portal noticioso:
** “A recepcionista Jussara Monteiro, 27 anos, teve os pés e as mãos amordaçadas”
Dizem que os pés e mãos até agora não conseguem falar direito.
De um portal especializado em notícias sobre mídia eletrônica:
** “Rafinha Bastos protagonizará série sobre sua própria vida”
Vem novidade por aí: deve ser a primeira série com um só capítulo. E ainda terão de esticá-lo.
De um grande jornal, de circulação nacional:
** “Após morte, passageiros esperam mais de 4 horas para deixar navio”
Mas valeu a demora ocorrida após a morte. A saúde teve tempo de voltar e saíram de lá, todos, vivinhos!
O melhor título também foi publicado num grande jornal:
** “A inauguração da Transnordestina estava prevista para o quarto semestre de 2010”
Este colunista está ficando velho: é do tempo em que cada ano se contentava com apenas dois semestres.
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[Carlos Brickmann é jornalista e diretor da Brickmann&Associados]