Wednesday, 18 de December de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1318

Crise da indústria exige mais atenção

O governo promete novas medidas para estimular a atividade industrial, afetada pelas condições adversas do mercado internacional e pela perda de competitividade. Essa perda é explicável apenas parcialmente pela valorização do real, fator de encarecimento dos produtos brasileiros em moeda estrangeira.

A indústria de transformação cresceu 0,1% em 2011, praticamente nada. O produto industrial calculado mensalmente pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) foi em janeiro 2,1% menor que em dezembro e 3,4% inferior ao de janeiro do ano passado.

Dificilmente haverá, no Brasil, um problema econômico mais importante que esse, neste momento, especialmente porque o setor industrial ainda é a principal fonte de empregos decentes, de modernização tecnológica e de dinamismo para o conjunto das atividades.

Pode-se discutir se a ação do governo é bastante ampla e articulada e se atinge as questões mais relevantes, mas a preocupação do ministro da Fazenda e da presidente da República parece inegável. No entanto, poucos dos grandes jornais vêm cobrindo de forma sistemática esse conjunto de temas. As exceções têm sido o Estado de S. Paulo e o Valor.

Linguagem abominável

O assunto foi manchete do Estadão no domingo (18/3): “Custo da produção industrial é maior no Brasil que nos EUA”. Ainda na primeira página, alguns detalhes importantes. Em cinco anos, o custo do trabalho, em dólares, cresceu 46% no Brasil e apenas 3,6% nos Estados Unidos. Entre 2003 e 2011, o custo da energia elétrica subiu 246% para a indústria brasileira e 35,3% para a americana. De novo em cinco anos, a produtividade industrial aumentou 9% nos Estados Unidos e 1,1% no Brasil. O material dessa edição completou uma semana de intensa cobertura dos problemas enfrentados pelo setor de manufaturas e das soluções discutidas em Brasília.

O ministro da Fazenda Guido Mantega propõe estender a novos segmentos a desoneração da folha salarial já oferecida a alguns setores, como os de confecções, calçados, call centers e softwares. Na sexta-feira (16/3), o material do Estadão sobre indústria e comércio exterior espalhou-se por três páginas. O Valor apresentou, entre outras boas matérias, um estudo do departamento econômico do Bradesco sobre o câmbio mínimo aceitável para a indústria. Esse câmbio, segundo o trabalho, está na altura de R$ 1,80 por dólar para a média do setor industrial.

Um dos grandes temas dessa mesma semana foi a ata da última reunião do Copom, o Comitê de Política Monetária do Banco Central (BC). Na semana anterior, o Copom havia reduzido de 10,5% para 9,75% a taxa básica de juros. Sem ser exatamente uma surpresa, o corte de 0,75 ponto porcentual superou a previsão dominante no mercado financeiro, 0,5 ponto.

A ata, com os elementos levados em conta na decisão do Copom, surge normalmente oito dias depois da reunião. Desta vez, a grande novidade foi uma informação quase literal sobre os próximos passos da política monetária. Segundo o documento, o Copom “atribui elevada probabilidade à concretização de um cenário que contempla a taxa Selic se deslocando para patamares ligeiramente acima dos mínimos históricos e nesses patamares se estabilizando”.

Apesar da linguagem – como sempre – abominável, o recado foi considerado claríssimo pelos especialistas. A taxa vai cair até 9%, pouco acima do nível mínimo de 8,75, alcançado em 2009, e aí continuará.

Todos os grandes jornais destacaram a mesma informação e a mesma explicação. O BC vai interromper a redução dos juros naquele ponto para evitar um problema para o governo. Se a taxa cair além daquele nível, será quase certamente necessário baixar a remuneração da caderneta de poupança, ou, pelo menos, a remuneração dos depósitos superiores a um determinado montante. Mexer na caderneta, a mais popular e mais democrática aplicação financeira, é um jogo politicamente perigoso e o momento é muito impróprio para uma experiência desse tipo.

Bola fora

Para completar, uma dúvida persistente: o caderno de “Esportes” será mesmo o melhor lugar para o noticiário sobre a preparação da Copa? Mesmo com a publicação de algumas notícias na seção de “Política”, jornais têm concentrado a maior parte do material nas páginas esportivas. Mas de fato há nessas notícias muito mais problemas financeiros, administrativos e políticos do que futebolísticos.

Não há previsão minimamente segura de quanto custarão as obras da Copa, mas na Matriz de Responsabilidades elaborada pelo governo federal há uma indicação de R$ 27 bilhões. Os valores das obras já foram várias vezes revistos e o número atual é provavelmente subestimado. Só para a chamada “mobilidade urbana” a previsão é de R$ 12,4 bilhões. Muitos projetos dessa área estão atrasados e a tendência é de novos aumentos de custo.

Os problemas envolvidos nessa história parecem , salvo enorme engano, pouco futebolísticos.

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[Rolf Kuntz é jornalista]