A questão envolve um dos três poderes da República, define o destino de personalidades importantes, trata de um assunto que mobiliza a opinião pública. Mas o clima do debate é aquele de mesa-redonda de futebol, em que o torcedor de cada clube defende apenas o seu lado, critica o juiz que deu pênalti contra seu time e se empolga ao ganhar com gol de mão. O caso do mensalão tomou conta do imaginário popular: ninguém imagina a possibilidade de ver alguns dos réus condenados, outros absolvidos, sem que nas decisões contrárias à vontade de cada cidadão haja intervenções de dinheiro, poder ou chantagem.
A imprensa, de uma forma ou outra, reflete este clima de partida decisiva de campeonato de futebol. Os repórteres são bem preparados, experientes, têm bons contatos com a acusação e a defesa; mas a pressão que sofrem dos consumidores de notícias é avassaladora, a ponto de obrigá-los a trabalhar na defensiva. Este colunista, por exemplo, sem ter qualquer conhecimento especializado em Direito, considerou bem embasados dois votos opostos, o do ministro Joaquim Barbosa (que condena João Paulo Cunha) e o do ministro Ricardo Lewandowski (que o absolve). E vai levar pancada dos dois lados.
O fato é que, num julgamento em que intervêm alguns dos principais advogados do país, em que a decisão é tomada pelo mais alto tribunal da República, o mínimo que se pode esperar é que os votos sejam bem embasados, bem articulados, concordemos ou não com eles. Mas não é essa a expectativa da opinião pública; espera-se separar os ministros entre bons e maus e decidir a disputa como se Batman enfrentasse o Coringa.
O secretário de Imprensa da Presidência da República, José Ramos Filho, mandou uma mensagem pelo twitter: “Tô começando a entender o vocabulário jurídico na mídia. Voto técnico: o que condena; voto Canalha-Político-Partidário: o que inocenta”. Ramos tem metade da razão: para boa parte da imprensa, voto técnico é o que condena. Mas, para outra parte, o voto pela condenação é golpista. Voto técnico, juridicamente correto, é o que absolve.
É pena; é pena, também, que a imprensa não consiga funcionar como dique à maré da opinião pública. Uma reportagem com alguns dos mais irados manifestantes poderá mostrar quem sabe o que é peculato, corrupção ativa, corrupção passiva – com certeza, não é a maioria, e esta é uma visão otimista. Transformar a Justiça em instrumento de vingança não é saudável – como também não é saudável transformar a Justiça em acobertadora de atos de corrupção.
Que os ministros julguem, pois; e que a imprensa se livre de transformar-se, ela também, em instrumento de corrupção ou de acobertamento. Não é fácil: da mesma forma como ninguém pode aceitar pacificamente que o julgamento do caso tenha levado sete anos, também é altamente duvidoso que apressar os trâmites legais, para permitir a um determinado ministro que vote antes de aposentar-se, seja um comportamento positivo. Nem tão devagar que pareça procrastinação, nem tão depressa que pareça açodamento. Pois a Justiça, embora tenha obrigação de mostrar-se independente, tem também a função educativa de mostrar à população como a aplicação das leis deve funcionar num regime democrático.
E, por falar nisso…
Há uma grande discussão no país sobre a proibição ou não do uso do amianto. É preciso lembrar, antes do início do debate, que há duas diferenças entre o Brasil e a Europa (onde o amianto foi banido já há alguns anos): na Europa, usa-se o amianto escuro, que é pulverizado e jateado em paredes, para oferecer maior conforto térmico (e, à medida em que as paredes se desgastam naturalmente, o amianto se desprende, mistura-se ao ar, é respirado e causa moléstias graves). No Brasil, usa-se o amianto branco, cortado, como matéria-prima de telhados e de caixas dágua. Se houver cuidado adequado na extração do minério, o amianto não será respirado.
Mas vamos à maneira como a imprensa encara a questão. Uma frase:
“No texto (…) ela conta a história do amianto no Brasil e o embate entre interesses econômicos que trabalham pela continuidade de seu uso e interesses médico-sociais que batalham pelo seu banimento”.
Ou seja, de um lado o bem (interesses médico-sociais que trabalham pelo banimento do amianto), de outro o mal (interesses econômicos que batalham pela continuidade de seu uso”. O uso de fibras importadas, derivadas do petróleo, para substituir o amianto em telhas, não é “interesse econômico”. Os médicos que atestam a inocuidade do amianto branco, desde que adequadamente processado, não têm “interesses médico-sociais”.
Isso quer dizer que quem tem razão é quem defende o amianto? Não: os médicos que atestam a inocuidade do minério trabalham para a indústria do amianto e sua opinião, portanto, embora deva ser levada em conta, precisa ser analisada com cuidado. É preciso, sem dúvida, estudar o assunto e até proibir o amianto, ou reduzir as possibilidades de sua utilização, se comprovados os riscos de armazenar água em caixas de cimento-amianto ou usar telhas com ele produzidas. O que não se pode é transformar uma questão que envolve interesses econômicos e saúde pública numa guerra do bem contra o mal, em que a imprensa toma partido até quando descreve a questão que está sendo debatida.
Os prós e os contras
Há dias, o delegado Fábio Ribeiro reagiu a uma tentativa de assalto e matou dois dos atacantes. Herói, por ter sido vitorioso no tiroteio? Maluco, por ter deixado de seguir as recomendações da própria Polícia para não reagir? Para os meios de comunicação, nem um nem outro: deixam vazar, insinuam, embora sem o dizer claramente, que sua atitude foi truculenta. Numa reportagem, salientou-se que em São Paulo, no primeiro semestre, 12 pessoas foram mortas por policiais civis de folga, e dez em ações da Polícia Militar.
Mentira? Não: verdade (pelo menos são dados oficiais). Só que uma coisa não tem nada a ver com outra. Ribeiro é policial civil, mas reagiu em legítima defesa, não como policial, mas como pessoa com a vida ameaçada. Não participava de ação alguma, exceto fazer compras no supermercado. A inclusão de informações que nada tinham com o caso, entretanto, contribuiu para criar um injusto clima de suspeitas de que talvez tenha “ocorrido alguma coisa”. Ocorreu: entre salvar-se ou morrer, o delegado Fábio Ribeiro optou por tentar salvar-se. Que policial mais truculento e feroz! Onde já se viu, recusar-se a morrer e a ser enterrado com as homenagens de praxe e, quem sabe, uma salva de 21 tiros?
Culpado, embora inocente
A história foi narrada da seguinte maneira: um jornalista teria mantido relações sexuais com um garoto de programa, de nome Emerson, e se recusado a pagar a quantia combinada. O garoto de programa o esfaqueou, matando-o.
Acontece que no julgamento por júri popular, Emerson foi inocentado, absolvido, por não ser o autor das facadas. A propósito, também não era garoto de programa. E passou dois anos de sua vida lutando contra essas acusações.
E como foi noticiado o caso, num importante veículo de imprensa? O título é “Impunidade”. Outro título é “Absolvido por falta de provas”. Na verdade, Emerson não foi absolvido por falta de provas: foi porque ficou provado que não era ele o esfaqueador, que ele não era garoto de programa, que ele era inocente. Quanto à impunidade, até agora existe, mas não envolve Emerson, que não deve ser punido pelo que não fez. Envolve o assassino que ainda não foi encontrado.
Todas essas informações a respeito da inocência do réu absolvido por não ter cometido o crime estão ao alcance da imprensa e do público, no portal do tribunal em que o caso foi julgado. Mesmo assim, a reportagem passa o tempo insinuando que não foi possível condenar o réu por falta de provas – e ainda insiste em dizer que “esfaqueou o jornalista”. Será tão difícil admitir que uma pessoa inocentada pelo júri é inocente? Pior: ao insistir na tese de que matou, mas só não está na cadeia porque não foram encontradas provas do que fez, não estará a imprensa contribuindo para que o crime não volte a ser investigado, em busca do verdadeiro assassino?
Volta, Rolim!
Alguém poderia explicar por que a imprensa não verifica as condições sanitárias dos aviões de empresas brasileiras – inclusive da TAM, que nos tempos do comandante Rolim Adolfo Amaro era uma referência de voos confortáveis, e que hoje é tão apinhada como a Gol, criada para oferecer tarifas baratinhas e que hoje cobra as mesmas tarifas da TAM? Será que a exígua distância entre os bancos, que prensa os joelhos dos passageiros, não facilita a ocorrência de tromboses, já que não há condições de mover as pernas? Será que TAM e Gol, o duopólio que domina a aviação brasileira (e, mesmo dividindo o mercado e amontoando passageiros, vive proclamando problemas financeiros), são anunciantes tão bons que os meios de comunicação não se sintam a vontade para investigar o que acontece?
Adeus, amigo
Mais um dos bons que se vai. No serpentário jornalístico, é raríssimo encontrar alguém como Roberto Hirao, secretário-adjunto de redação do Agora, editado pelo Grupo Folha: um homem sem inimigos. Hirao nunca pisou em ninguém, nunca tentou derrubar ninguém, sempre se notabilizou pela correção e gentileza. Um acúmulo de doenças prejudicou durante os últimos 15 anos sua vida e sua carreira; ninguém jamais o ouviu queixar-se. Grande figura, o Roberto Hirao.
Há muitos e muitos anos, no Velódromo do Bom Retiro, em São Paulo, havia um estádio de beisebol. Uma emissora – se não falha a memória deste colunista, a Rádio Santo Amaro – transmitia os jogos. O repórter de campo era Hirao. O comentarista, outro jornalista de primeiro time, Emílio Matsumoto; o locutor, mais um profissional que teria uma carreira fulgurante, Boris Casoy.
Hirao passou pelo Jornal da Tarde, pela Última Hora paulista – diretor, Samuel Wainer, com quem foi secretário de Redação – pela Folha de S.Paulo, onde comandou, como editor de Geral, a cobertura das primeiras greves de metalúrgicos do ABC, dirigidas por Lula. De lá foi para a Folha da Tarde, com a equipe encarregada de alinhar o jornal às diretrizes do Grupo Folha. Foram mais de 30 anos de Grupo Folha; ora como editor, como subsecretário de Redação, como ombudsman. Escreveu um excelente livro, 70 lições de jornalismo, sobre sua experiência como ombudsman. Já estava fraco, muito fraco: até para autografar os livros tinha dificuldades (embora, com tantos amigos e leitores lotando a livraria, a sessão de autógrafos fosse necessariamente penosa).
Hirao deixa a esposa Lydia, quatro filhos e um neto; e a todos, como herança, deixa um exemplo de vida.
Só para fiéis
Nada a perder é o primeiro volume dos três em que o bispo Edir Macedo, fundador da Igreja Universal do Reino de Deus, divide sua autobiografia. Segundo o livro, coalhado de citações bíblicas, a IURD está hoje espalhada pelo mundo. Nos dois próximos volumes, com lançamento previsto para o ano que vem, Macedo promete contar detalhes sobre a compra e crescimento da TV Record e de sua vida entre o Brasil e os Estados Unidos.
Vale a pena
É um livro que deve ser lido por seu autor, o excelente repórter Marcelo Auler: a biografia do procurador aposentado e ex-deputado federal Antônio Carlos Biscaia, pioneiro na luta contra o crime organizado no Rio de Janeiro, com a abertura de dois inquéritos em 1985 contra a máfia do jogo do bicho. Lançamento no dia 3/9, a partir das 17h, na rua Marechal Câmara, 370 – 9º, Rio de Janeiro.
Como…
De um grande jornal de circulação nacional, versão impressa:
** “Nas outras partidas, Dínamo de Kiev (Ucrânia), Celtic (Escócia) e Cluj (Bélgica) venceram (…)”
Só que Cluj não fica na Bélgica, e sim na Transilvânia, região da Romênia.
…é…
De outro grande jornal nacional, versão impressa:
** “O valor da proposta é mantido em sigilo, mas o São Paulo promete superar a quantia oferecida pelo Internacional”.
Se o valor é sigiloso, como prometer superá-lo?
…mesmo?
Também de jornal nacional, versão impressa, a respeito da campanha de Hugo Chávez à reeleição para a Presidência da Venezuela:
** “ (…) tem adotado uma rotina ativa, discursando comícios sob chuva”.
O tempo passa! Antigamente, o cidadão discursava “em” comício, “no comício”, “fora do comício”. “Discursar comício” – que será que quer dizer?
É…
E, sempre em um jornal grande, impresso:
** “Foi a primeira vez nas 28 disputas enfrentadas pelos dois tenistas que ouve um pneu”.
“Ouve”, no caso, é do verbo “aver”. E “28 disputas enfrentadas pelos dois tenistas” provavelmente significam “28 disputas entre eles”.
…assim
E, mantendo a norma de ler jornais de grande circulação, impressos, veja que coisa linda:
** “O adolescente (…) sofreu um mau súbito (…)”
Alguém um dia vai conseguir explicar ao pessoal a diferença entre “mau” e “mal”. Do jeito que está, o mau redator vai mal!
As não-notícias
Foi ou não foi?
1. – “A vítima estava caminhando (…) quando foi abordada por dois suspeitos que dispararam vários tiros e fugiram”.
São suspeitos ou dispararam vários tiros?
2. – “O delegado (…) foi abordado por dois homens (…) A dupla rendeu o delegado e a mulher. Os suspeitos pegaram os relógios e joias do casal”.
Eles renderam o delegado e a mulher ou são apenas suspeitos?
3. – “No ano passado, o ministro da Fazenda, Guido Mantega, teria prometido uma desaceleração (…)”
Prometeu ou teria prometido? Será que alguém anda inventando promessas de Sua Excelência?
E eu com isso?
E, já que não se descobre mais se o que sai nos meios de comunicação aconteceu de verdade ou teria acontecido, sabe-se lá o que houve, vamos para o noticiário afirmativo: pode não ser muito importante, mas pelo menos ficamos conhecendo os fatos.
** “Taís Araújo mostra curvas na praia”
** “Mariah Carey é fotografada no set de ‘The Butler’”
** “Fora de Miami, Zilu mostra tatoo e fala em saudade”
** “Com decote ousado, Kristen Stewart chama atenção em Cannes”
** “Regina Duarte distribui beijos e sorrisos durante gravação”
** “Mulher do diretor Rupert Sanders vai a premiere em Hollywood”
** “Morena, Xuxa ‘se assusta’ ao acordar e faz make mais suave”
** “Com vestido pink, atriz chama atenção em festa”
** “Grazi Massafera mostra boa forma em evento no Rio. ‘Estou perto de engravidar’, conta (…)”
A moça está revelando seus planos para os próximos momentos.
O grande título
Uma semana profícua, que começa com aquela beleza de assessora do Senado que ficou famosa por fazer entre quatro paredes aquilo que Suas Excelências fazem conosco em público e o tempo todo:
** “Assessora demitida após vídeo erótico diz que vai mostrar ‘quem é quem no Senado’”
Ela sabe.
Podemos continuar com um daqueles títulos em que há evidente erro de digitação, mas com resultado inesperado:
** “Cerejaria Reforça Planos Para Franquias”
Não se trata de uma empresa especializada em cerejas. É cervejaria.
E um título rigorosamente imbatível:
** “Preso acusado de suicídio encontrado morto na cela”
Com boa vontade, até que dá para entender.Mas precisa ter um excesso de boa vontade.
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[Carlos Brickmann é jornalista e diretor da Brickmann&Associados]