Sunday, 22 de December de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1319

Saiu a notícia, ponto final

O deputado federal João Paulo Cunha foi condenado por corrupção pelo Supremo Tribunal Federal (a pena ainda não foi definida). Renunciou a ser o candidato do PT à prefeitura de Osasco – mas, pelo que se entende do noticiário, se não tivesse renunciado continuaria candidato. E dizem seus amigos que não quer, ao menos por enquanto, deixar seu mandato na Câmara dos Deputados.

Pode? Não é pelos meios de comunicação que vamos descobrir: ali só sabemos o que aconteceu, mas não suas consequências. Se João Paulo Cunha não renunciar ao mandato, irá perdê-lo automaticamente quando o Supremo publicar o acórdão com a condenação e a pena? Será necessário que a Câmara o afaste para que perca o mandato? Poderá continuar deputado, mesmo cumprindo pena?

Outro caso interessante é o recebimento da denúncia, por sequestro, contra o major Lício Maciel e o coronel Sebastião “major Curió” Rodrigues de Moura. A denúncia, apresentada pelo Ministério Público, foi aceita pela juíza Nair Pimenta de Castro, da 2ª Vara Federal de Marabá, Pará. E a anistia? Alegam os denunciantes que guerrilheiros do PCdoB que lutaram no Araguaia foram sequestrados por Lício Maciel e Sebastião Curió, já que há provas de que foram presos e desde então estão desaparecidos, sem que sua morte tenha sido declarada. O crime, portanto, continua até hoje, ultrapassando a vigência da Lei da Anistia.

Certo ou errado, em termos jurídicos? Seria interessante que os meios de comunicação ouvissem juristas de reconhecido saber, que não estejam ligados aos envolvidos no caso, para que opinem sobre a legalidade da aceitação do processo. Este colunista, que de Direito só sabe o que quer dizer data venia, gostaria de conhecer opiniões de especialistas – mas não é nos meios de comunicação que está conseguindo encontrá-los.

Tanto no caso de João Paulo como na denúncia contra Lício Maciel e Sebastião Curió, é tudo novidade no país. Que é que preveem as leis como próximos passos? Quais os caminhos que podem ser seguidos pelos réus? E pelos acusadores? Que é que cabe à Justiça fazer, após a aceitação da denúncia?

Aguardemos: quem sabe um dia nos expliquem como funcionam, em processos complexos como estes, os mecanismos do Direito brasileiro?

 

O pioneiro

Um fato que está passando batido é que João Paulo Cunha é o primeiro ex-presidente da República a ser condenado por um tribunal. Como presidente da Câmara em 2003 e 2004, era o segundo na linha de sucessão do presidente da República. O presidente Lula e o vice José Alencar se ausentaram e João Paulo assumiu a Presidência por dois dias.

 

Enfim, a notícia

Elio Gaspari costumava dizer que a notícia chega silenciosamente à Redação, sabendo que sempre será mal recebida. Abre uma frestinha na porta, espera o momento adequado para esgueirar-se Redação adentro, disfarça ao máximo para não chamar a atenção de ninguém, sob risco de ser expulsa dali a pontapés.

Gaspari tem razão: com frequência, as notícias são mantidas longe de seus consumidores até que percam o frescor e sejam sepultadas como coisa velha. Lembre, por exemplo, o famoso caso do assalto aos cofres de clientes do Banco Itaú, na Avenida Paulista, em São Paulo – aquele assalto em que os bandidos ficaram horas trabalhando, pediram a um bar que lhes enviasse o lanche, e tiveram a sorte de estar ali num horário em que todas as câmeras do sistema de alarme do banco tinham dado defeito e não mostravam nada.

Pois bem: de repente, numa notinha solta no meio de uma página, descobrimos o valor roubado – R$ 30 milhões; na época, não havia quem conseguisse uma informação confiável sobre isso. E sabemos que o cavalheiro que caiu nas mãos da Polícia é o quarto suspeito a ser preso.

Que colheita, gente! No fantástico ataque ao Banco Central, em Fortaleza, aquele em que só faltaram dinamitar o piso de concreto sem que o alarme soasse, roubaram pouco mais de R$ 150 milhões. E era o Banco Central, guardião do dinheiro público. O ataque da avenida Paulista atingiu só cofres particulares e chegou a aproximadamente 20% do grande assalto de Fortaleza.

 

Os malpensantes

Um professor de Filosofia e colunista semanal da Gazeta do Povo, de Curitiba, está sendo ameaçado fisicamente por grupos radicais, e é vítima de forte campanha para que o jornal deixe de publicar sua colaboração. Motivo: o professor, católico, é contra a emissão de certidões de nascimento com dois pais, ou duas mães, para filhos adotados por casais do mesmo sexo. Diz o professor que família é família, compõe-se de pai, mãe e filhos, sejam biológicos ou adotados; e outras formas de convívio, que também podem ser satisfatórias e atender às necessidades dos integrantes do grupo – como conventos, comunidades, casais homoafetivos – não são família.

A posição do professor, no momento, não é o que discutimos: o que não se pode admitir é que o debate, a discussão, a contestação, a troca de ideias – e o próprio entrechoque de pensamentos – sejam substituídos por ameaças e tentativas de character assassination. Como dizia a revolucionária alemã Rosa Louxembourg, liberdade é a liberdade de quem pensa diferente de nós. Tolerância para os iguais é fácil; o problema que se levanta para a convivência humana é a tolerância com os desiguais.

 

Livro importante

Na terça-feira (4/9), das 19 às 21 h, no hall monumental da Assembleia Legislativa de São Paulo, sai o livro Faria Lima, uma história de amor por São Paulo. Faria Lima foi um dos prefeitos mais populares da cidade, incansável, implacável com seus auxiliares, de quem sempre exigia o máximo (como era brigadeiro, seu apelido era Mobil Oil, marca de lubrificantes cujo símbolo era Pégaso, o cavalo voador). Para a cidade, suas decisões foram boas e más: por um lado, iniciou as obras do metrô, que há mais de 40 anos estavam planejadas e não saíam do papel (o projeto, a propósito, estava obsoleto, e teve de ser inteiramente refeito); por outro, liquidou a boa e extensa rede de bondes elétricos que ainda circulavam pela cidade, sem fumaça ou poluição, e hoje fazem muita falta.

A família de Faria Lima reuniu grande poder: seu irmão, o brigadeiro Roberto Faria Lima, homem educadíssimo, foi comandante da Força Aérea no Rio de Janeiro, na época a mais importante unidade do país; seu irmão, o almirante Floriano Peixoto Faria Lima, perto de quem Dilma Rousseff seria uma espécie de madre Teresa de Calcutá em termos de delicadeza e afabilidade, foi governador da Guanabara e responsável pela fusão da cidade com o estado do Rio.

Dono de grande prestigio popular, o brigadeiro Faria Lima por pouco não chegou à Presidência da República: morreu de infarto numa das reuniões em que os militares concluíam as articulações para transformá-lo em candidato único nas eleições indiretas. Foi pena: no lugar dele, quem assumiu a Presidência foi o general Emílio Médici, que comandou a fase mais sombria da ditadura militar.

Faria Lima deixou dois herdeiros políticos: o filho José Eduardo, que nunca tomou gosto pela coisa, e o sobrinho José Roberto Faria Lima, filho do brigadeiro Roberto, que por várias vezes, como deputado federal, foi escolhido pelos repórteres de Brasília como um dos melhores parlamentares do Congresso.

 

Como…

De um grande jornal impresso, com circulação nacional, noticiando o concurso de Melhor Pastel de Feira em São Paulo:

** “Chefs (…) ficaram a mordiscar um pastel atrás do outro (…)”

Ora pois, ó pá, eis uma construção de frase típica lá da terrinha! Aqui se usaria “ficaram mordiscando”. Lá a língua é a mesma mas há diferenças. Está errado? Não: mas aqui “pastel” é o que conhecemos, lá é um tipo de doce. Aqui não chamamos o bonde de “elétrico”, nem a privada de “retrete”, nem a descarga de “autoclismo”. Nem sabemos que os freios são “travões”. E a ninguém ocorreria chamar um automóvel conversível de “descapotável”.

 

…é…

De outro grande jornal, impresso, de circulação nacional:

** “(…) Hernanes, ex-São Paulo, fez o gol na vitória do Lazio por 1×1”.

Como nos velhos tempos 1×1 era empate, este colunista pesquisou até descobrir o que tinha acontecido. Não houve empate: o Lazio ganhou mesmo, por 1×0, gol de Hernanes. O gol do adversário é que não ocorreu.

 

…mesmo?

Também de um grande jornal impresso, de circulação nacional, noticiando o encontro em Munique de uma bomba jogada na Segunda Guerra Mundial:

** “(…) uma estação do Metrô e a rua Leopoldstrasse (…) foram fechadas”.

Considerando-se que Leopoldstrasse quer dizer Rua Leopold, escrever “rua Leopoldstrasse” é mais ou menos como referir-se ao conjunto das Irmãs Sisters.

Mas a notícia continua:

** “O artefato é renascente da Segunda Guerra Mundial”.

Veja como mudam os tempos. Antigamente, as bombas não renasciam, apenas explodiam ou falhavam. Quem renascia era a Fênix, e mesmo assim só para quem acreditava na mitologia grega.

 

É como é

Mas não comentemos apenas os meios de comunicação. Temos eleições aí, colega. E um milionário de partido chique, candidato a prefeito de uma cidade próxima de São Paulo, usa o seguinte slogan:

** “(…) precisa voltar acelerar!”

Se formos bonzinhos, ele não conhece regência. Se formos daqueles que logo pensam o pior, o que ele propõe é que sua cidade engate a ré e recue aceleradamente.

 

That's it

Mas o pior é quando o pessoal resolve pensar que está modernizando o idioma pela adoção de palavras inglesas. É mais chic, sabe? Questão de target!

Pois um candidato, querendo mobilizar sua militância, conclama por escrito:

** “Bottoms no peito!!!”

Pois é. “Bottom”, em inglês, quer dizer “superfície inferior”, ponto mais baixo. Por analogia, nádegas. Colocar o “bottom” no peito parece impossível a este colunista: não há contorcionista que o consiga. E o pior vem em seguida, também com a concordância em frangalhos: “Você pode pedir nosso (…) bottoms”.

Que é que vão pensar?

Na verdade, o que o pessoal da campanha deve querer dizer é que seus adeptos precisam colocar no peito (e pedir no comitê) aqueles botões com o retrato e o nome do candidato – que em inglês se chamam “buttons”, botões. It's easy, isn't it?

 

De Biondi, o inimitável

Aloysio Biondi, excelente jornalista, era um fanático pelo trabalho – fanático a ponto de, nas férias, ter alguém encarregado de guardar os jornais, para que pudesse lê-los na volta e acompanhar os acontecimentos como se jamais tivesse faltado ao serviço. Fora isso, era muito competente; e cobrá-lo, portanto, não era coisa que se fizesse levianamente.

Certa vez, lembra o colega Teodoro Meissner, um jornalista encarregado de fazer a crítica diária do jornal ficou furioso: o concorrente dera uma matéria exclusiva, um furo de reportagem. E escreveu um recado indignado para Biondi: “O que ouve?” Biondi respondeu no mesmo papel: “não houço nada”.

 

As não notícias

O noticiário que é mais ou menos aquilo, mas não é bem aquilo, sabe-se lá exatamente do que se trata, continua a pleno vapor. Por exemplo:

** “Ex-marido de suposta sócia de firmas fantasmas nega ligação com esquema”

Ou, notável, na notícia sobre um médico acusado de abusar sexualmente de suas pacientes:

** “(…) ficará detido até um eventual julgamento”

Pode ser que seja julgado, ou não,mas antes disso não será libertado. Ou não é nada disso: pelo que diz a notícia, um dos “fatos suspeitos” que pesam contra o médico é que fez “perguntas muito íntimas”. O médico é ginecologista: que é que queriam que perguntasse, se haviam ido à missa?

 

E eu com isso?

Árvores derrubadas para produzir papel, maciços investimentos em geração de eletricidade para fabricar o papel e acionar o mundo virtual, queima de combustíveis fósseis e renováveis para transportar jornais, revistas e repórteres. Ainda bem: sem esse gasto essencial, ficaríamos sem saber que:

** “Sophia apresenta seu novo cachorrinho”

** “John Mayer terminou namoro com Katty Perry por e-mail”

** “Fora de cena, globais também falam de trabalho”

** “Após traição de Kirsten, Robert Pattinson quer voltar para Londres”

** “Cissa Guimarães beija o ex-marido”

** “Veneza 2012: musas exibem sensualidade no tapete vermelho”

** “Adriana Esteves e Débora Falabella se divertem em festa de novela”

** “Filme com Vanessa Hudgens e Selena Gomez ganha clipe”

** “Geisy Arruda faz ensaio fotográfico”

** “Maira Cardi se descuida e mostra o sutiã”

** “Recém-separado de Dani Bolina, Mateus Verdelho compra bicicleta”

 

O grande título

Um grande jornal, de circulação nacional, caprichou na conjugação:

** “Servidor que manter greve ficará sem reajuste, diz governo”

Doeu nos olhos e nos ouvidos? Pois é: e saiu assim mesmo.

Há também um belíssimo título de crítica de filme:

** “Remake americano para sucesso uruguaio faz terror em cortes com a premissa da noite em uma casa abandonada”

Tudo bem, tudo bem. Para entender, é preciso ir á crítica, que explica que o filme foi montado de tal maneira que parece ter sido feito com uma única tomada. Traduzindo, o filme faz “terror sem cortes”.

Mas, cá entre nós, sucesso uruguaio no cinema, tão grande que até motivou remake, isto é novidade. Este colunista tem certeza de que o Adilson Laranjeira, o Fernando Morgado, o Inácio “Beethoven” Araújo e o Rubens Ewald, que conhecem cinema desde quando a Doris Day ainda não era virgem, deste filme não ouviram falar.

Nesta semana, porém, o título imbatível é de Paulo Coelho:

** “Vida que termina em morte é vida que não valeu”

Paulo Coelho sabe das coisas. A frase deve ter um significado profundo.

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[Carlos Brickmann é jornalista e diretor da Brickmann&Associados]