As eleições para a prefeitura de São Paulo mostram um quadro diferente do habitual: o líder nas pesquisas é o candidato de um partido nanico, sem ligação com os mamutes da política local, PSDB e PT. Esta mudança no quadro eleitoral deixou perplexos os meios de comunicação: todos já tinham farto material de crítica aos candidatos dos dois grandes partidos, mas nada tinham providenciado a respeito do nanico. E, como as duas grandes legendas pouparam o líder nas pesquisas, pensando em afastar do segundo turno o candidato do principal partido adversário, o candidato-surpresa até agora navegou tranquilamente, sem que pontos estranhos de seu passado político-partidário tenham sido trazidos à tona.
E não é que falte material: Celso Russomanno, a novidade das eleições paulistanas, é sócio de um cavalheiro condenado à prisão por violação da ordem tributária; duplicou seu patrimônio entre 2010 e 2012, sem grandes explicações. Está sendo processado por falsidade ideológica, por ter transferido seu domicílio eleitoral para Santo André, onde se candidatou a prefeito, sem jamais ter-se mudado para lá. Há muitas histórias circulando, mas não há repórter que as investigue. Falsas ou verdadeiras? Como no antigo programa de TV, “Você decide”. E decide sem qualquer colaboração dos meios de comunicação, que continuam ecoando a disputa entre o segundo colocado nas pesquisas, o tucano José Serra, e o terceiro, Fernando Haddad, esquecendo exatamente o primeiro.
Serviço público
Os meios de comunicação consideram importantíssimas as redes sociais e a correspondência eletrônica, tanto que praticamente todos os grandes e médios estão na internet, têm edições online e fazem chamadas para suas páginas eletrônicas no noticiário impresso; e muitos dos grandes veículos oferecem endereços de e-mail. Todos têm, também, dedicado muito espaço às novidades tecnológicas da área, de e-books a tablets, com matérias minuciosos sobre aplicativos.
OK, já que o assunto interessa aos meios de comunicação, que tal cuidar também de seus clientes, e não apenas dos anunciantes? Pode procurar: nenhum veículo procura os emissores conhecidos de spams para saber por que insistem em mandar suas mensagens a pessoas que já declararam formalmente que não querem recebê-las. Não, não se trata daqueles spams que buscam disseminar vírus, ou vender produtos que não existem: aqui se trata de empresas de porte, cuja falha principal é saturar as caixas postais (e a paciência) de quem cai nas suas listas de possíveis clientes. Lojas como a Wal-Mart, por exemplo, ou a Dafiti, incluem em todas as suas mensagens o link para descadastramento; só que ignoram totalmente os pedidos e não descadastram ninguém. Trabalham de duas formas diferentes: ou “parceiros” – outras empresas que enviam as mesmas ofertas de que o receptor quer se livrar – ou vão mesmo na ignorância, recebendo os pedidos de descadastramento, comunicando que os clientes foram atendidos e descadastrados, e continuando a enviar seus spams como se nada tivesse ocorrido.
Que é que os meios de comunicação podem fazer? Uma pesquisa, por exemplo, mostrando quantas pessoas estão sendo prejudicadas com o envio do lixo eletrônico, e quanto tempo desviado do serviço é desperdiçado em sua eliminação; ou uma reportagem didática, mostrando como denunciar, como produtoras de spam, as empresas que insistam em enviá-lo, de maneira a que sejam incluídas nas listas de indesejáveis. Pautas não faltam; é só levar em conta o que dizia Octavio Frias de Oliveira a respeito da importância de Sua Excelência, o leitor.
Reportagem, reportagem 1
Um assíduo leitor desta coluna se considera discriminado: gostaria de ter o mesmo tratamento das multinacionais que produzem automóveis no país. Entre 2009 e 2012, informa, as fábricas receberam R$ 2,2 bilhões para pesquisa. Que pesquisa? Os carros, segundo informam as próprias empresas, são produtos globais, mundiais, apenas adaptados a determinadas circunstâncias de cada país. Para colocá-los em condições de rodar no Brasil, basta reforçar a suspensão por causa da buraqueira, reprogramar a injeção eletrônica para que o carro ande com esses combustíveis que nos são fornecidos, reduzir os itens de segurança, já que a legislação brasileira é bem menos dura que a estrangeira. E tudo isso já está pesquisadíssimo – ou alguém acha que as fabricantes de equipamento de injeção eletrônica não têm ainda o mapeamento dos combustíveis nacionais?
Traduzindo, o BNDES dá, com juros baixinhos e prazos bem longos, dinheiro para pesquisar o que já está pesquisado. Aliás, se houvesse necessidade de fazer novas pesquisas, isso seria da competência das próprias empresas, já que não há nenhuma tecnologia revolucionária em criação.
E a imprensa? Os cadernos de veículos continuam fascinados com frases como “estrutura fluida”, com a potência que os motores “entregam” (é assim que dizem), com a delicadeza dos materiais de acabamento. Quais as modificações que um carro global sofre para entrar no mercado brasileiro? Quanto isso custa? E, considerando-se que as fábricas são donas do resultado das pesquisas, por que não são elas que as pagam?
Este colunista também gostaria de ter alguma verba para pesquisa. E simplesmente ficaria com ela, sem atochar o país com mais carros e mais poluição.
Reportagem, reportagem 2
Ah, a educação! Será o construtivismo a solução mais adequada? E a progressão continuada, será ela um bem ou um mal? Mais matérias no currículo, para garantir uma visão ampla da realidade, ou menos matérias, para que os estudantes possam focar melhor seus esforços e aprendê-las com mais profundidade?
Tudo isso deve ser importantíssimo. Mas há certas coisas inaceitáveis que os meios de comunicação aceitam como fatos da vida, em vez de investigar o que está acontecendo por trás das manifestações exteriores de ignorância. Um exemplo está no cartaz afixado na porta de determinada escola, informando que não haveria aula na sexta-feira, 7 de Setembro, dia da Proclamação da República.
Errar é humano, tudo bem. Mas justo numa escola, e um erro desses?
Reportagem, reportagem 3
Assim que tomou posse no Ministério da Cultura, a senadora Marta Suplicy (PT-SP) mostrou à também senadora Lídice da Mata (PSB-BA) um e-mail no qual seu suplente, Antônio Carlos Rodrigues (PR-SP), é classificado como “evangélico” e “homofóbico”. Marta era a relatora do projeto que tornava crime a homofobia; e Rodrigues, se herdar a relatoria, pode mudar o que está sendo feito e afastar do PT o voto evangélico, especialmente em São Paulo.
A foto de Iano Andrade é impecável: ele aproveitou a oportunidade e fez um trabalho tecnicamente perfeito, permitindo ler todo o e-mail. Mas os meios de comunicação se limitaram à foto e à legenda. A história por trás da foto ainda precisa ser contada: por que, por exemplo, Marta escolheu para suplente alguém que considera homofóbico; como pretende evitar que a luta contra a homofobia seja prejudicada. Seria terrível imaginar que, ao aceitar o ministério em troca de seu apoio ao candidato petista Fernando Haddad, Marta tenha pensado apenas em si mesma.
Prêmio dos bons
O jornalista Mauri Konig, da Gazeta do Povo, de Curitiba, é um dos quatro escolhidos em todo o mundo para receber o Prêmio Internacional de Liberdade de Imprensa 2012, conferido pelo Comitê para a Proteção dos Jornalistas. O prêmio é concedido a jornalistas que puseram a vida em risco para obter reportagens exclusivas e importantes.
Além de Konig, foram premiados Mae Azango, do FrontPage Africa, da Libéria; e dois jornalistas presos, Dhondup Wangchen, do Filming for Tibet, China, e Azimion Askarov, do Fergana News, Quirguistão.
Konig trabalha há 22 anos na denúncia de crimes contra direitos humanos. Em 2000 e 2001, documentou o sequestro de crianças brasileiras para o serviço militar no Paraguai. Acabou sendo preso, espancado, abandonado para morrer (mas, com sorte e muita dificuldade, escapou). É um dos fundadores e diretores da Abraji, Associação Brasileira de Jornalistas Investigativos.
A vida de Assange
Um livro essencial para jornalistas: uma biografia de Julian Assange, que acaba de ser lançada no Brasil. Julian Assange, o guerreiro da verdade, das jornalistas Valerie Guichaoua e Sophie Radermecker (Editora Prumo), é um longo trabalho de reportagem e pesquisa sobre o criador dos WikiLeaks. O livro trata da infância de Assange, de sua forte ligação com a mãe, e chega à acusação de estupro em 2010. Mas o mais importante, claro, é a atividade de Assange como revelador de segredos – o que inclui críticas de um antigo sócio. A conferir.
Nóis speak English
Do anúncio de um bazar dedicado a pontas de estoque:
** “Super special sale seven for all mankind 60% off”
E a Copa nem começou.
Como…
De um grande jornal, no título:
** “Paes promete que, se reeleito, ficará na prefeitura até 2014”
Isso pode querer dizer duas coisas: ou ele deixará a prefeitura daqui a dois anos, para candidatar-se a governador ou presidente da República; ou a data que o jornal publicou está errada. Mas a lambança continua no texto:
** “(…) a chance de se candidatar em ‘é igual a zero’”
Já sabemos, portanto, que ele não se candidatará em algum ano desses.
…é…
De um jornal impresso, importante:
** “Atuando em Zagreg, os croatas venceram o clássico local contra a Macedônia por 1 a 0”
Talvez seja Zagreb – ou outra cidade qualquer, por que não?
…mesmo?
Aqui a coisa é dupla: o verbo “haver” no lugar que não lhe cabe e o candidato fora do lugar que lhe cabe, a prisão, sem que a imprensa se preocupe com isso:
** “Candidato Carlos Roberto (PSDB) condenado há 3 anos e 4 meses de prisão”
Ah, sim: o candidato, embora condenado, disputa a prefeitura de Guarulhos, segunda cidade mais populosa do estado de São Paulo.
Pois…
De um importante jornal regional paulista, informando que uma obra paralisada não causa transtornos porque os proprietários cuidam dela:
** “(…) a água é irrigada quando chove forte”
É, a chuva irriga tudo. Mas provavelmente o jornal estaria tentando dizer que, quando chove forte, a água é “drenada”.
é…
Também de um jornal impresso, de circulação nacional:
** “(…) a redução dos preços das tarifas de energia elétrica”
Veja como o tempo passa: não faz muito tempo, “tarifa” era o preço cobrado pelo uso de um serviço público. “Preço de tarifa” nem existia.
…assim
Sempre de um jornal impresso, de ampla circulação:
** “Valor bem maior recebeu a Confederação Brasileira de Basquete (CBB) , que, apesar da corajosa campanha da seleção masculina, não chegou à segunda fase com a feminina (…)”
Terá sido, enfim, um pioneiro campeonato misto?
A não notícia
Um inventor brasileiro, criador da Bina, sistema de identificação de chamadas telefônicas, lutou durante anos para ser reconhecido. Sua patente acaba de ser reconhecida pela Justiça; ele venceu o processo contra a Vivo, uma gigantesca empresa multinacional. E como é que a notícia é publicada?
** “Brasileiro que diz ter inventado Bina tem patente reconhecida pela Justiça”
Ele saiu vencedor no processo contra a multinacional, a Justiça reconheceu sua patente, mas o autor do título não a reconhece: continua com o “diz ser”. Que é que é preciso para que o título seja “Brasileiro que inventou Bina (…)”?
E eu com isso?
Marta Suplicy diz que sua nomeação para o Ministério da Cultura não foi uma retribuição por sua entrada na campanha de Haddad; Haddad diz que Maluf não vai levar nada por seu apoio caso seja vitorioso; o candidato tucano a prefeito de Guarulhos está condenado à prisão (e continua candidato assim mesmo – coisas do Brasil); o governador paulista Alckmin, tucano, hostiliza a Zona Franca de Manaus e com isso prejudica o candidato tucano Artur Virgílio; a Igreja Universal culpa a Igreja Católica pelo kit gay – está tudo muito, muito absurdo. É melhor saber de fatos mais leves, mais agradáveis, mais facilmente explicáveis. Por exemplo:
** “Taylor Swift diz que está animada para encontrar Paula Fernandes
** “Flávia Alessandra exibe look preto total no Rio
** “Pamela Anderson chega ao Rio de Janeiro”
** “Dieckmann e amigas vão a show no Rio”
** “Grávida, Adele acaricia barriga em passeio”
** “Itália encanta a bela Adriana Del Claro”
** “Sleep No More conquista brasileiros em NY”
** “Christiane Torloni e Isabella Florentino curtem evento em SP”
** “Acessórios inspiram look de minifamosos”
** “Angelina Jolie compra linha de cuecas de David Beckham para o noivo Brad Pitt”
** “Nathália Rodrigues curte o Central Park”
** “Kristen Stewart é fotografada com boné de Robert Pattinson depois de garantir: ‘Estamos bem’”
O grande título
A safra é excelente: começa com um título difícil de entender, mas depois de lido algumas vezes faz sentido (embora correto, correto, isso lá não seja):
** “No futuro, o rádio poderá ser degustado, customizado e mais imediato”
Segue-se um que precisa de intérprete cabeça:
** “A Europa em modo DR”
Este colunista fez longas pesquisas e descobriu: os europeus estão, como um casal à beira da crise, “discutindo a relação”. Se bem que, falando por exemplo em Alemanha e Grécia, já se sabe direitinho como é a relação.
Outro título é quase um enredo de filme de cineasta hermético:
** “P. Miranda reitera aspecto de N. Franco por alternar o esquema tático”
Não dá para entender direito, mas parece ser um elogio.
E o grande título da semana, de primeiríssima linha:
** “Obama e Michele visitam túmulos de soldados mortos”
De acordo com os porta-vozes da Casa Branca, o presidente e a primeira-dama deixaram para outra oportunidade a visita a túmulos de soldados vivos.
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[Carlos Brickmann é jornalista e diretor da Brickmann&Associados]