Sabe os índios guaranis-caiuás que vivem na aldeia de Puelito Kue, e que iam se suicidar coletivamente para protestar contra a maldade do homem branco?
Pois é, não é bem assim. Os guaranis-caiuás estão insatisfeitos com a decisão da Justiça, que determinou sua saída das terras que ocupam. Se tentarem desalojá-los à força, diz o chefe da aldeia, pretendem defender-se até a morte. Os fatos são esses; a história do suicídio coletivo, que provocou tamanha onda de solidariedade, simplesmente não existe.
Como é que sabemos disso? Pela maneira mais simples: em vez de pegar o telefone e ouvir ativistas de ONGs internacionais, em vez de entrar no Facebook para acompanhar a reação dos internautas, em vez de ouvir professores e especialistas, o repórter Fernando Gabeira foi à aldeia ouvir os próprios índios. E eles lhe contaram a história – como contariam a outro repórter que fosse procurá-los para obter informações em primeira mão, em vez de ouvir apenas os ongueiros. Dá trabalho: Gabeira teve de percorrer 250 km em estrada de terra, atravessar a nado o rio Iowi (a empresa que disputava a propriedade com os índios, e ganhou na Justiça, bloqueou todas as pontes), dar um jeito de não molhar a câmera; depois, nadar de volta sem molhar a câmera e enfrentar 250 km de estrada de terra até Dourados, a cidade mais próxima. O pessoal que ouviu só os ongueiros nem saiu do ar condicionado das redações. Muito mais confortável, embora tenha rendido informações erradas a quem pagou caro por elas, julgando-as confiáveis.
Lembra quando reportagem envolvia ir ao local, ver com os próprios olhos, ouvir os vários lados, pesquisar o assunto? Pois é – e isso é o que está faltando. Sem isso, uma declaração de um líder dos índios a respeito de sua disposição de resistir a eventuais ataques passa a ser interpretada como decisão de suicídio coletivo.
Mas quem está preocupado com o consumidor de informação?
O bom jogo
Na verdade, há quem esteja preocupado com o consumidor de informação. O repórter Fernando Gabeira, por exemplo; e Fernando Mitre, diretor de Jornalismo da Rede Bandeirantes, que garante a Gabeira condições para trabalhar.
Menos um
Ethevaldo Siqueira, o excelente jornalista que inaugurou a cobertura de informática e telecomunicações no país, acaba de deixar O Estado de S. Paulo, depois de 45 anos de trabalho. Não, não se aposenta, nem poderia: continua sendo uma fonte essencial para que nós, leigos, saibamos o que está acontecendo no mundo da inovação eletrônica. Ethevaldo está em seu blog, está em todos os lugares onde estava, menos no Estadão. Fará falta.
Colírio
Jornalista sempre protestou contra a impunidade de ricos e poderosos. A frase segundo a qual só são presos os pobres, pretos e prostitutas aparece pelo menos uma vez por dia nos meios de comunicação. Pois bem: o Supremo Tribunal Federal condenou algumas pessoas poderosas, incluindo uma banqueira, líderes partidários, ex-ministros, e aí cai o mundo, acusando os juízes nomeados pelo próprio governo de conspirar contra este mesmo governo.
Estão os ministros certos ou errados? Este colunista não tem a menor ideia: não entende de Direito, não leu as 50 mil páginas do processo. E não viu nenhum órgão de imprensa investir pesadamente nisso, com juristas de peso analisando o processo e capacitando os repórteres a traduzir ao público o que estava acontecendo, de maneira a que o consumidor de informação tivesse condições de analisar o caso. Do jeito que foi feita a cobertura, só restou a torcida: os adeptos de um lado estavam dispostos a absolver todos os acusados de todas as acusações, os adeptos de outro não apenas queriam condenar a todos, por tudo, como impor-lhes sentenças fantasticamente altas, muito maiores que as de crimes como homicídio, e vê-los marchar algemados para trás das grades, se possível com uniforme de presidiários e cabeça raspada.
Uma cobertura assim seria muito cara. Mas daria a quem a fizesse um gigantesco diferencial sobre os concorrentes.
Cronometristas
O mais curioso é que boa parte dos que protestavam contra a impunidade dos poderosos reclama agora do tempo que a TV dá ao julgamento do mensalão, que julgam excessivo. Gente, um julgamento do Supremo que envolve ex-ministros, uma banqueira, um ex-presidente de partido, dois presidentes de partido, um ex-tesoureiro de partido, ao mesmo tempo em que ocorrem importantes disputas municipais, e que ainda por cima tem brigas constantes entre os meritíssimos, que é que queriam? Trinta segundos, como um comercial, sem prorrogação?
A cadeia como ela é
Fala-se em mandar os condenados do mensalão para a prisão, cumprindo penas em regime fechado. Este colunista é contra (acha que cadeia, por uma série de fatores, inclusive econômicos, deveria ser reservada a criminosos violentos), mas lei é lei. Entretanto, mais uma vez, falta reportagem. Não é simples, não é isento de riscos, mas é preciso contar como é uma prisão por dentro – o que inclui o domínio absoluto dos estabelecimentos penais por facções criminosas organizadas, digam o que quiserem as autoridades.
Pessoas confiáveis que conhecem prisões informam que a violência sexual, a “carne nova”, as “mulherzinhas”, isso já é coisa inocente. A brutalidade é muito maior; e é usada para fazer com que a família dos presos seja obrigada a obedecer às ordens dos chefes do crime. Isso vale desde a comida que é levada para os presídios pelos visitantes até produtos proibidos; e explica como é que os celulares funcionam nas celas sem necessidade de recarregar baterias.
Verdade ou lenda? Tudo leva este colunista a crer que seja verdade. Mas é uma dúvida que só poderá ser esclarecida quando a imprensa investir no assunto. Ouvir autoridades é perder tempo – pois não foram as autoridades da época que desmentiram formalmente as informações de que o crime se organizava nos presídios?
Sabendo-se direitinho como é um presídio por dentro, a opinião pública terá condições muito melhores de definir se a lei deve continuar como está – ou seja, mantendo a pena de prisão como a principal punição dos criminosos condenados – ou deve mudar.
Posição correta
Não confunda preso político com político preso.
A primeira batalha
A Associação Nacional dos Jornais (ANJ), que reúne, entre outros, os maiores jornais do país, rompeu com o Google News: não permite mais que suas manchetes e as linhas iniciais de seus textos sejam ali publicadas sem pagamento.
O Google News alega que não é justo pagar pelo uso das manchetes, já que com isso leva mais público aos jornais – em sua linguagem, “envia a seus sites um grande número de usuários”. Para a ANJ, o Google News não tem grande impacto no número de leitores dos sites – ao contrário, pode fazer com que muitos internautas se satisfaçam com as manchetes e as primeiras linhas dos textos e desistam de procurar a fonte.
É uma iniciativa pioneira: os jornais brasileiros estão entre os primeiros do mundo a se afastar do Google News. Para o público, é ruim: reduz a facilidade de buscar informação. Pode ser o início de uma nova fase da internet, de colaboração entre produtores e buscadores de conteúdo. E pode também marcar uma nova fase da batalha para tornar a internet grátis uma coisa do passado.
Brincadeira celular
Toda a imprensa divulgou: quem ligasse para um certo número, conforme a operadora de seu telefone celular, e pedisse por SMS para não receber mais mensagens de propaganda da operadora, teria de ser obrigatoriamente atendido.
Ninguém na imprensa divulgou: as operadoras receberam o pedido e continuaram a mandar aquela propaganda que o cliente não quer receber. Este colunista, por exemplo, mandou o torpedo para o número previsto e mesmo assim recebeu da TIM um anúncio a respeito de um tal plano Liberty, seja lá o que for. E, seja lá o que for, não interessa.
Alô, Anatel! Vai ficar por isso mesmo? Vai ficar que nem essas empresas como Walmart, Groupon, Daffiti e outras que recebem dezenas de pedidos para suspender suas ofertas de produtos indesejados e continuam a mandá-las para quem expressamente declarou que não se interessa por elas?
Coisas da web
Este colunista pensou que já tinha visto o pior de tudo quando, após a notícia do falecimento da mãe de um amigo, alguém teclou no Facebook a tecla “curtir”. Mas pode haver coisas piores. Num grande portal noticioso, há a seguinte notícia: “Rod Stewart fez uso de cocaína pelo ânus. Veja isso na seção entretenimento&variedades”.
O conceito de entretenimento parece ter-se tornado bem mais elástico.
Inculta e bela
Não é tão difícil: mesmo que seja preciso fazer uma análise da frase, não é nada complicado. E, se alguém lê um bom livro de vez em quando, passa a escrever automaticamente de maneira correta. Pode não se lembrar das regras de regência, mas sabe quando a frase está certa ou errada.
Quem não sabe é quem não lê um bom livro de vez em quando. E quem não lê um bom livro de vez em quando não deveria ser jornalista. Não combina. Onde é que vai buscar um pouco de cultura, para ancorar as informações dispersas que recebe sem parar?
Uma frase: “A decisão ainda cabe recurso no Superior Tribunal de Justiça”. Não tem sentido: a gente até interpreta, mas já não é leitura fluente, é preciso decifrar o que se lê. Algo como “baixou hospital”, ou “fez exame de corpo delito”, ou “vou lhe encontrar para o agradecer”.
Outra frase do mesmo tipo:
** “(…) deixa de responder jornalista por desconhecer veículo”.
Quem responde, neste tipo de frase, responde a alguém.
Depois os jornais falam mal do livro do “os menino pega os peixe”.
Notícias estranhas
** “ACM Neto faz minicomício em Pau de Lima, em Salvador”.
E é muita maldade falar em minicomício quando o astro é ACM Neto.
Outra:
** “Despedaçado, catamarã high-tech de US$ 8 volta à base”
Se custa só US$ 8, este colunista também quer. Mesmo quebrado deve render mais do que isso.
Como…
De um grande portal noticioso da internet:
No título: “Sobe para 14 o nº de mortos em acidente com ônibus no RJ”
No texto: “Empresa havia informado anteriormente que eram 15 mortos”.
Como diriam os economistas do governo, trata-se de crescimento negativo.
…é…
De um grande jornal impresso:
** “Segundo o último levantamento do Ibope, (…) tem 60% dos votos válidos, ante 40% de 40% de (…)”.
…mesmo?
Num grande portal da internet, há uma foto do ator Marcelo Novaes, com o seguinte título:
** “Descanço merecido”.
Tudo bem, tudo bem. Depois do suceço estrondoso na novela, o ator mereçe ficar socegado e descançar.
E eu com isso?
O julgamento do mensalão é importante, mas é difícil encontrar coisa mais chata e mais longa. A leitura do noticiário do mensalão seria ótima se não se dedicasse a ensinar aos ministros como votar e publicasse menos fofocas da Corte.
Fofoca por fofoca, truco! Vamos direto às fofocas divertidas.
** “Penélope Cruz brinca com o filho em aeroporto”
** “Sabrina Sato escurece os cabelos”
** “Jennifer Lopez passeia com o namorado em Londres”
** “Gêmeas do nado caminham na orla da Barra da Tijuca”
** “Victoria Beckham é fotografada passeando com a filha caçula”
** “Débora Falabella e Benício são flagrados em restaurante de SP”
** “Pai de Justin Bieber aparece nu em fotos”
** “Eduardo Costa se diz um bom churrasqueiro”
** “Taylor Lautner janta em restaurante no Rio”
** “Preta Gil, Mariana Ximenes e Cleo Pires se encontram em evento”
** “Separado, Maradona viaja à Índia”
O grande título
Há exemplares bem interessantes. Podemos começar com um título daqueles que, como não cabiam no espaço, entraram depois de muita pancada:
** “Kanye West propôs a Kim Kardashian e já deu anel de diamantes de dez quilates à noiva”
E que é que ele propôs a Kim Kardashian? Pode ter sido casamento. Mas, do jeito que andam as coisas, talvez não seja: aquele japonês, por exemplo, prometeu um presente considerável à moça, mas não tinha nada de casamento, não.
Há também aquele título que errado não está, mas exige leitura atenta para ser decifrado:
** “Ministro de Dilma nega ser estranho subir no palanque de ex-rival de CPI”
Há um título com uma comparação que, no mínimo, merece ser explicada:
** “Mulher de Slash diz que Axl mostrou afinidade com hambúrguer”
E temos um título fantástico, sobre um projeto de mapeamento da Via Láctea:
** “Meta é fazer censo das bilhares de estrelas no espaço”
Bilhares. Será algo novo, referente a bilhões de milhares?
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[Carlos Brickmann é jornalista e diretor da Brickmann&Associados]