O governo federal garante que ofereceu ajuda ao governo paulista para enfrentar a onda de violência que multiplicou o número de homicídios no estado. O governo paulista nega que tenha recebido essas ofertas.
E os meios de comunicação se limitam a registrar as declarações de um lado e de outro e consideram cumprida sua tarefa. Quem fala a verdade? Não é difícil apurar: raramente as comunicações oficiais se resumem a um telefonema informal. Há ofícios, propostas por escrito, tudo documentado. Alguém está mentindo. Quem?
Como dizia Churchill a respeito da verdade, a questão da segurança pública está sempre protegida por uma muralha de mentiras. Durante a campanha eleitoral, o governo paulista (e seu candidato à prefeitura, José Serra) falavam maravilhas de Paraisópolis, antiga favela transformada em bairro residencial. Terminada a eleição, Paraisópolis voltou a ser favela, e para livrá-la do domínio dos bandidos o mesmo governo do estado determinou que fosse ocupada por tropas da Polícia Militar. O crime organizado definha em São Paulo, sustentam o governador e seu secretário da Segurança, Antônio Ferreira Pinto Filho: a onda de homicídios, as mortes em massa de policiais, tudo se deveria ao desespero dos criminosos, acuados pela eficiente ação determinada por Suas Excelências. Estranho raciocínio: os bandidos mostram força e espalham o terror porque estão fracos. Meio esquisito, né?
O governo federal, com grande espalhafato, mostrou sua nova arma de combate ao crime organizado: um drone, ou VANT (veículo aéreo não tripulado), de fabricação israelense, que faria a vigilância da fronteira seca com países vizinhos por onde entram armamentos e drogas. O equipamento, um belo avião, muito bem equipado, foi exibido em diversas entrevistas coletivas, mostrado à TV, elogiado. Em seguida, sabe-se lá por que motivo, ficou guardadinho no hangar, sem uso. Falou-se até que não decolou por falta de combustível, já que não havia verba para abastecê-lo. Mas seria uma estupidez tão imensa que é difícil acreditar nessa versão.
O governo estadual nega o poder do crime organizado. Os meios de comunicação sabem que o crime organizado existe, é poderoso, tem como reféns os parentes de quem está preso, tem como reféns (e reféns dispostos a missões suicidas) quem tem dívidas com fornecedores de drogas – estes, sabendo que a pena para a inadimplência é a morte, preferem aceitar tarefas perigosíssimas, como assassinar policiais, botar fogo em ônibus, determinar toques de recolher, lançar o pânico na cidade, porque o risco de morrer, embora altíssimo, é menor do que o que correriam desobedecendo às ordens do crime organizado. Senhores, cadê as reportagens? Cada vez que uma autoridade diz que o crime organizado não existe, é invenção da imprensa, ou qualquer outra besteira desse tipo, os meios de comunicação se limitam a registrar a bobajada, embora tenham condições de contar, com fatos e detalhes, a situação real.
O governo federal fala em Força Nacional de Segurança. São poucas centenas de homens, reunidos apenas quando o governo decide, que não têm treinamento conjunto, que não sabem a diferença entre o mercado de Ver o Peso, em Belém do Pará, e o mercado de roupas do Belém, em São Paulo, que não têm equipamento melhor que o das polícias militares estaduais. Há um centro nacional de identificação de pessoas que tiveram passagem pela polícia? Não. Há investimento em informação policial? Não (aliás, os estados também não o fazem).
Há excelentes repórteres policiais, perfeitamente capazes de mapear as falhas dos sistemas estadual e federal. Mas isso não se faz de um dia para outro, nem sem condições de trabalho. Isso depende das empresas – mas sai muito mais barato registrar uma declaração, um desmentido, o outro lado, e encher tempo e espaço com fofocas, em vez de fatos.
Dúvida
O celular do caro colega funciona sem bateria? Pois é: nos tais presídios de segurança máxima, estaduais e federais, não há tomadas na cela. Onde são carregadas as baterias dos celulares dos presos?
Guerra à imprensa
Perder eleição é difícil. Neucimar Fraga, do PR, candidato à reeleição para a Prefeitura de Vila Velha, Espírito Santo, apareceu cercado de correligionários violentos na entrevista coletiva após a derrota. Estes cavalheiros primeiro insultaram os jornalistas que aguardavam a entrevista; em seguida, agrediram o repórter André Falcão e o cinegrafista Wagner Martins, da TV Gazeta, afiliada à Rede Globo. Martins foi espancado até desmaiar, e chutado quando estava no chão. Um cinegrafista da TV Vitória teve o equipamento quebrado.
Ganhar eleição é difícil. O ex-presidente nacional do PT, José Genoíno, condenado por corrupção ativa e formação de quadrilha no processo do mensalão, foi votar em companhia de 50 militantes do partido. Seu candidato, Fernando Haddad, foi eleito. Mas isso não satisfez os companheiros de Genoíno: quebraram vidros do local de votação, derrubaram eleitores que inadvertidamente estavam no caminho do bando, avançaram contra os repórteres que documentavam o vandalismo, agrediram o repórter Oscar Filho, da Rede Bandeirantes (que precisou de atendimento médico), danificaram o equipamento dos repórteres da Folha de S.Paulo. Danilo Camargo, um dos acompanhantes de Genoíno, confirmou ter agredido o repórter da Bandeirantes. O detalhe: Camargo é da Comissão de Ética do PT paulista.
Fazer campanha é difícil. O candidato do PSDB à prefeitura de São Paulo, José Serra, não chegou às vias de fato, mas brigou com diversos jornalistas durante as entrevistas que concedeu. Acusou-os, basicamente, de preferir o candidato do PT, seu adversário, e de usar as teses petistas como base para suas perguntas. Nada que um pouco de habilidade não resolvesse sem necessidade do confronto.
E o ódio à imprensa acaba contaminando os torcedores que imaginam salvar o mundo em cada eleição. O fechamento do Jornal da Tarde, de São Paulo, provocou incontido júbilo em determinadas áreas ideológicas, onde se imagina que o próximo a fechar será o carro-chefe da empresa, O Estado de S.Paulo (seguido de Veja, Folha, Globo, promovidos ao posto de Inimigo Público Número Um dos Adversários da Zelite). Um cavalheiro, que se identifica como Marcão, colocou no twitter a seguinte frase: “Será que se José Serra ganhasse a eleição o jornal sairia de circulação? Com a derrota de Serra a fonte secou consideravelmente, não é, senhor Mesquita Neto?”
Engraçado: houve duas guerras mundiais, duas ditaduras, o Estadão continuou de pé. Houve a derrota da Revolução Paulista, que o jornal apoiou abertamente, e o Estadão continuou de pé. Getúlio Vargas, político brilhante e inimigo da família Mesquita, foi presidente da República e o Estadão continuou de pé. Será que o tal Marcão acredita mesmo que um prefeito petista vá matar o Estadão?
Terra do samba e pandeiro
Há coisas que só acontecem no Brasil. Como esta, retratada num título brilhante:
** “Reunião da Anatel é suspensa por falha em transmissão pela internet”
Livros, livros a mancheias
1. Um livro de oportunidade: Mensalão, do historiador Marco Antônio Villa. Um livro de referência que descreve o esquema do mensalão e mostra como foi o julgamento do Supremo Tribunal Federal. O lançamento do livro está marcado para fim deste mês ou início de dezembro – talvez já com as penas definidas para cada um dos réus condenados.
2. Em certa época, no bairro do Ipiranga, em São Paulo, reuniu-se uma série de pessoas interessantíssimas – entre elas Iara Iavelberg, guerrilheira, companheira de Carlos Lamarca; seu irmão, Samuel, um esplêndido fotógrafo, gente finíssima; Shirley Schreier, hoje referência mundial em Bioquímica; seu primo Chael Charles Schreier, estudante de Medicina, assassinado pela polícia política em1969, no primeiro caso documentalmente provado de morte por tortura. Jacob Murahovschi, morador do Ipiranga, conta a história do bairro e de seus moradores – entre eles, o próprio autor do livro. Ouviram do Ipiranga – fragmentos de uma vida será lançado no dia 8/11, no lugar mais adequado: o Clube Atlético Ypiranga, na Rua do Manifesto, 475, bairro do Ipiranga, SP, a partir das 19h30.
3. Um excelente escritor está de volta: Wladyr Nader, com O Tamanho do Estrago, sua 11ª obra, um gostoso livro de contos. Nader, também jornalista e professor, faz um livro sobre São Paulo: uma cidade poderosa, imensa, mas que tem suas fragilidades, o que a faz muito mais humana para os que a conhecem. Dia 9/11, na livraria Martins Fontes, Avenida Paulista, 509, a partir das 19h.
Mas tem a vida breve
O Jornal da Tarde foi a cara de São Paulo, mas já havia deixado há tempos de representá-la. Morreu, foi triste. Mas ainda mais triste foi a atitude antijornalística da empresa, que negou o fato mesmo depois que a decisão já tinha sido vazada e publicada. A informação foi para os jornaleiros, as agências de publicidade, os departamentos comerciais das mais diversas empresas, mas foi sonegado a quem é realmente importante: o público. A sonegação da informação relevante a Sua Excelência, o leitor, talvez seja a chave que explique como a mais fulgurante experiência jornalística dos últimos 50 anos morreu precocemente: ou o veículo de informação ou tem como objetivo o leitor ou não tem objetivo.
Como…
De um grande jornal, a respeito da ocupação da favela de Paraisópolis, uma das maiores de São Paulo, pela polícia:
** “É de Paraisópolis alguns dos principais (…)”
Errar na regência já é ruim. Na concordância, então, é ainda pior. Será tão difícil convencer o pessoal a combinar plural com plural, singular com singular?
…é…
** “Sandy diz preferir que seu futuro filho não seja músico”
Imaginemos agora a mesma frase sem “futuro”. Pois é.
…mesmo?
Informação no primeiro parágrafo, a respeito da nova iluminação do estádio de Pituaçu, na Bahia:
** “O valor será gasto pela Coelba, a empresa de energia local, privatizada em 1977”.
Informação no sexto parágrafo da mesma notícia:
** “A Secretaria de Esportes do Estado nega que a nova iluminação seja desperdício de dinheiro”.
Pergunta: se a Coelba, empresa privada há 35 anos, é quem paga a conta, que é que a Secretaria de Esportes do estado está explicando?
As não notícias
Como, data maxima venia, ensinaram-nos as doutas autoridades do Pretório Excelso, por que simplificar se é possível complicar?
Os meios de comunicação levaram suas lições a sério. E, com base no basilar princípio jurídico do “não me comprometam”, avançaram: além da linguagem cifrada, frases construídas de tal maneira que cada leitor as entenda como quiser e não tenha, portanto, qualquer base jurídica para mover eventuais processos.
Há exemplos notáveis a cada semana:
** “ (…) anunciou que 'a besta-fera' iria aparecer nesta sexta-feira e iriam ser salvos os seguidores dele. Devido à suposta profecia (…)”
A profecia pode ser falsa ou verdadeira; pode ter-se ou não confirmado, total ou parcialmente. Entretanto, que será uma “suposta” profecia?
Mas nem sempre a enrolação tem como objetivo prevenir eventuais falhas na notícia. Às vezes, é consequência apenas da vontade de emendar palavras – algo como o famoso discurso de Cantinflas no filme Sua Excelência, de 1967. Com a diferença de que o discurso de Cantinflas era mesmo muito engraçado.
** “Rede de prostituição ataca com falsas promessas crianças e adolescentes”.
Se as promessas não fossem falsas, a notícia mudaria?
(A propósito, veja no Google “Discurso de Cantinflas”. Vale).
E, às vezes, além de amontoar o maior número de palavras possível, acrescenta-se algum advérbio bem comprido, para dar à frase um ar de profundidade. Um grande exemplo aconteceu na TV, há dias, após uma tempestade:
** “As pistas da Avenida Paulista estão praticamente molhadas”.
Que quer dizer “praticamente molhadas”?
E eu com isso?
É notável: a turma que passou a mão na grana do governo diz que não roubou, porque o objetivo não era enriquecer, mas financiar campanhas. E financiar com dinheiro de quem? O nosso, claro. O ministro da Justiça diz que quis ajudar São Paulo e São Paulo não aceitou, o secretário de Segurança de São Paulo diz que São Paulo pediu ajuda e o ministro da Justiça não ajudou, um diz que o outro mente e provavelmente os dois têm razão. O Palmeiras quer validar um empate com gol de mão, reconhecendo que o gol foi de mão, mas jurando que não deveria ter sido anulado, porque o juiz não viu nada.
É melhor mudar de assunto e manter a sanidade mental. Nada de dúvidas, nada de firulas jurídicas, nada de contorcionismos éticos. Notícia, e pronto.
** “Cláudia Raia é abordada por senhora no aeroporto do Rio”
** “Johnny Depp reatou o namoro com Amber Heard”
** “Fernanda Paes Leme namora em show no Rio”
** “Shakira perde um dente durante gravação do The Voice”
** “Deborah Secco e Thiago Martins gravam cenas na praia”
** “Kourtney Kardashian e Scott Dizik são flagrados dando amassos”
** “Nathalia Dill curte folga em Recife”
** “Camille Belle está namorando jogador de futebol americano”
** “Famosos vivem cenas quentes em público”
** “L'Wren Scott vai desenhar o vestido de noiva de Angeline Jolie”
** “Ex-BBB Renatinha causa polêmica ao mostrar foto após acordar com maquiagem”
Os grandes títulos
Safra excelente e abundante. Sabe como é, entre um feriadão e outro quem é que vai prestar atenção no que se serve ao cliente? E vai como veio: manda pro mato que o jogo é de taça. Chutão pra cima que lá a bola não é nossa mas nem deles.
De um grande jornal impresso, de circulação nacional:
** “Dantas tenta impedir transferência para SP investigação sobre relação com Valério”
Um só? Não: agora vem outro com a mesma modelagem. E também de um grande jornal impresso, de circulação nacional.
** “Michelle Obama e Ann Romney representam modelam contrastantes”
Só dois? Imagine! A criatividade andou solta nas grandes redações. Nada de botar a culpa na internet, na corrida para sair antes, nada disso: nesta semana, só jornais impressos participam desta lista. Vamos ao terceiro:
** “Excesso toma cobertura, de tubarões em Nova Jersey a 'pior que 11 de setembro'”
Parece incrível; mas, como em alguns poemas do século 16, uma boa análise lógica indica que faz sentido. Claro que é preciso lembrar que se trata de um título jornalístico, não de um poema; e que o século 16 passou há algum tempo.
Por falar em coisa esquisita, sempre tocando em títulos de jornais impressos,
** “‘Manequim humano’ quer ser modelo
Pois é. Deve fazer sentido, depois que for bem explicado.
Mas, acredita este colunista, o melhor título da semana, de um grande jornal impresso, trata com simplicidade aquilo que é rigorosamente óbvio:
** “Na reta final de campanha, Obama e Romney buscam votos”
E que é que se imaginava que eles fizessem?
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[Carlos Brickmann é jornalista, diretor da Brickamann&Associados]