Sunday, 17 de November de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1314

Identidades expostas

A Folha de S. Paulo publicou na segunda-feira (5/11) entrevista com Annick Cojean, autora do livro O Harém de Kadafi, denúncia terrível de uma chocante realidade sintetizada no título: “Violência sexual era usada como arma de poder por Gaddafi. Jornalista francesa revela em livro rotina de estupros e escravidão feminina e uso do sexo como humilhação pelo ditador líbio”.

O repórter Marcelo Ninio descreve sem retoque práticas ignóbeis do ditador líbio reveladas pela jornalista: “Gaddafi preferia virgens em suas orgias”; “o sexo também era usado para humilhar desafetos e mantê-los sob controle”; “gostava de atrair filhas e mulheres de homens poderosos”.

Cojean diz, quase no final da entrevista: “Acho que milhares de mulheres foram violentadas por Gaddafi. E elas sofrem por isso até hoje”.

Ninio pergunta, depois: “O famoso corpo de guarda-costas todo formado por mulheres era uma farsa? As ‘amazonas de Gaddafi’ eram na verdade escravas sexuais?”

Cojean responde: “Muitas eram. Algumas se formaram na academia militar, outras na escola de polícia. Mas a maioria era escrava sexual. Exatamente como Soraya [personagem do livro], que dois dias após encontrar Gaddafi foi obrigada a vestir farda e integrar a equipe de guarda-costas.”

Acontece que a entrevista é ilustrada, no alto, por foto aberta em seis colunas na qual Kadafi aparece à frente de três jovens fardadas, duas das quais com rostos visíveis. Se há grande probabilidade de que essas jovens tenham sido “guarda-costas” à força, após violência sexual e humilhações, por que revelar-lhes o rosto? O jornal sai no Brasil e o drama é líbio? Existem dois pesos e duas medidas quando se trata de respeitar a dignidade de pessoas?

Acresce que a imagem da autora do livro usada para ilustrar a entrevista é uma aberração, no contexto da matéria. É uma foto de divulgação em que Annick Cojean aparece sorridente de orelha a orelha, fazendo uma pose sabe-se lá de quê.

A primeira foto não está disponível na edição online. Mas a segunda pode ser conferida aqui.

Alguém consegue entender que diabo é isso?