Rosemary Póvoa de Noronha deve comparecer em breve à Justiça, em São Paulo. Será uma tremenda oportunidade para que a população saiba quem é a moça, o que fez de verdade, quais suas credenciais; porque os meios de comunicação, mesmo sabendo do potencial de fofoca do caso, o que costuma mobilizá-los, não conseguiram mostrar muita coisa de novo.
O que apareceu, no fundo, foi a apuração da Polícia Federal (isso vale também para as notícias a respeito da influência de Rose em indicações para o governo federal). Os meios de comunicação mergulharam na parte de fofoca, alguns chegando perto de dizer o que tentavam, outros ficando um pouco mais longe; em outras palavras, cansaram de divulgar insinuações. Ninguém teve informações precisas para dizer, com todas as letras, a fonte real, a seu ver, da força demonstrada por Rose Noronha. Pode ter sido uma questão de gentileza, de tentar evitar a exposição da vida pessoal do ex-presidente Lula; mas, nesse caso, ficar nas insinuações não alivia nada. Expuseram sua vida pessoal do mesmo jeito, mas não tiveram a coragem – ou a informação suficiente – para colocar as cartas na mesa.
O problema, imagina este colunista, está na própria natureza humana. Se, ficando num bar simpático, bebericando e comendo uns petisquinhos, aguardando ser chamado por autoridades amigas que lhe fornecerão informações oficiais, dá para escrever a reportagem, por que andar neste calor infernal, gastar a sola dos sapatos, procurar vizinhos e amigos, verificar até que ponto o padrão de vida que Rose leva é compatível com seus salários? Só para ter informações exclusivas para quem, em última análise, paga seu salário? Trabalhar cansa!
O papel aceita tudo
O ministro da Justiça, José Eduardo Cardozo, tem duas sortes na vida:
1. Dispõe, como colega de ministério, do ministro Guido Mantega, que capricha tanto nas manipulações que a imprensa só presta atenção nele;
2. Lida com uma imprensa tão boazinha que não se incomoda com as batatadas de Sua Excelência – e José Eduardo Cardozo, sem dúvida, está caprichando.
Cardozo teve a audácia de dizer que a queda de assassínios em Alagoas fez com que os índices do estado ficassem iguais aos da Suíça. A coisa é tão absurda que até a nossa imprensa, tão amiga dos governos, tão chegada a transcrever o que ouve sem verificar as informações, deveria ter feito alguma investigação, por mais cansativo que isso seja. Mas só um jornalista, Cláudio Humberto, em seu blog, resolveu ir buscar os números.
Vamos a eles: na Suíça, há 52 assassínios por ano, ou 0,7 por 100 mil habitantes. Em Alagoas, a média é de 64,5 assassínios por 100 mil habitantes.
Cláudio Humberto só comete uma falha em sua nota: diz que Cardozo deve pensar que na Suíça há 52 mil assassínios por ano. Negativo: as palavras “José Eduardo Cardozo” e “pensar” não devem ser usadas na mesma frase.
A banalização da morte
Chacina em São Paulo, com sete mortos e dois feridos, na sexta-feira (4/1). Como os jornais dão a notícia: “Primeira chacina do ano”. Parte-se do princípio (provavelmente correto) de que muitas outras se seguirão, dada a caótica situação da segurança pública no estado. Mas não se pode esquecer que:
1. A imprensa quase inteira apoiou a desastrosa gestão da segurança pública no governo GeraldoAlckmin, que incluiu o desmonte da Polícia Civil a pretexto de “eliminar a banda podre” e deu à Polícia Militar poderes de investigação que não lhe cabem – até mesmo um setor de gravação de telefonemas alheios.
2. A imprensa deixou o governo Alckmin proclamar a imensa besteira de que o PCC, cabeça do crime organizado, já não mais existia e, portanto, não tinha como comandar de dentro da cadeia os bandidos que estão fora. E foi preciso que os bandidos matassem dezenas de PMs para que o governo acordasse e substituísse o secretário da Segurança – o maior defensor da tese de que o crime organizado já não tinha mais como ameaçar a população.
Quem visita um presídio sabe que até os presentes levados aos presidiários são listados pelo PCC; o PCC também ensina como entrar com determinado tipo de produto que, se localizado pelas autoridades, acredite se quiser, será apreendido. Repórter pode visitar presídios, se tiver vontade. Não visita porque não está na pauta, porque nem sempre rende matéria, porque é mais importante contar como foi o réveillon de Duda Mendonça.
Perda
Olavo Nunes, um dos pioneiros da crônica social paulistana, morreu na semana passada. Nunes, com bela passagem pela antiga Folha da Tarde, passou os últimos anos comandando a revista Opção, muito bem feita, que circulava nas cidades do entorno da Grande São Paulo.
Volta, Cacá!
Antônio Carlos Leite, motor que tocou o Diário Popular na gestão de Josemar Gimenez, motor que vinha tocando há dez anos a Gazeta de Vitória, sempre com brilho, acaba de deixar a empresa. Volta logo, Cacá! Há jornalistas cujo pique de trabalho e bom caráter são sempre essenciais para qualquer redação.
Como…
Da internet, que nunca nos falha:
** “(…) passageira que morreu durante um voo de São Paulo a Dallas passou as festas de fim de ano com a família no Brasil e retornava para o país norte-americano (…)”
Iria para o México, o Canadá? Os Estados Unidos? Todos são países norte-americanos. Como o voo era para Dallas, no Texas, parece que a melhor aposta é Estados Unidos.
…é…
No portal noticioso de um grande jornal, de circulação nacional:
** “Ladrões levam mercadoria roubada da loja da Apple em Paris”
Estaria a Apple armazenando mercadorias roubadas na sua loja em Paris quando foi assaltada? Não, não deve ser isso. Pode ser coisa mais grave: alguém que não tem lá muita ideia do que anda escrevendo.
…mesmo?
A maior revista alemã de informações, Der Spiegel, colocou em seu portal online o obituário do ex-presidente americano George H. Bush (pai do também ex-presidente George W. Bush), sem esperar o infausto evento. O texto ficou no ar por alguns minutos; deu para saber que o correspondente da Spiegel em Nova York, Marc Pitzke, considera Bush pai um político insosso, que só ficou mais expressivo ao ser comparado a seu filho.
Bush pai, 88 anos, está desde novembro no hospital, mas notícias sobre sua morte são grandemente exageradas. Está doente, ponto.
O fato é que esses obituários prontos, se facilitam o trabalho da imprensa, precisam ser cuidados com todo o carinho. Certa vez, uma agência noticiosa liberou antes da hora o obituário do papa de então. As rádios (ainda não havia internet) entraram pesado no assunto. Pouco depois, alguém percebeu a falha, retirou o obituário do ar e informou que tinha ocorrido uma antecipação de informações. Um grande locutor, de voz maravilhosa, entrou no ar numa rádio das mais importantes do Brasil e, de improviso, informou: “Lamentamos informar que o papa não morreu”.
A não notícia
A cada dia o pessoal mais se esmera para dizer que talvez, que sabe, a suposta informação pode eventualmente ser ou não verdadeira, você decide. Exemplo:
** “Na China – Modelo cearense morre após suposta queda de apartamento onde morava”
Ter dúvidas sobre o que provocou a queda, OK: terá sido apenas um acidente? Terá a jovem sido empurrada? Terá sido uma tentativa de suicídio? Mas como ter dúvidas sobre a queda?
E eu com isso?
E ainda há quem diga que o mundo da política é mais sério que o do entretenimento. Não, não é: no mundo do entretenimento não encontramos senadores brincando de Super-Homem, com cueca vermelha por cima do terno. No noticiário frufru o cantor pode até não ser lá essas coisas, mas certamente é melhor do que a dupla Suplicy e Tiririca assassinando Bob Dylan (e, se alguém tocar guitarra como o ministro Luiz Fux, pode ter certeza de que em público não vai se exibir). Mesmo nas coisas parecidas, o frufru é melhor que o chamado noticiário sério: qualquer pessoa há de convir que os dólares no sutiã de Grazi são preferíveis aos dólares na cueca daquele assessor do irmão do Genoíno. Frufru, pois!
** “Ashton Kutcher e Mila Kunis são vistos em restaurante de Angra”
** “Animado, Tiago dança funk até o chão!”
** “Sinead O'Connor afirma que sexo é sagrado”
** “Solteiros, Giba e Neymar curtem balada em Santa Catarina”
** “Taylor Swift e Harry Styles se beijam na virada do ano em NY”
** “Luciana Gimenez passa virada de preto”
** “Lindsay Lohan chega inchada a seu hotel de Londres”
** “Nicole Bahls curte sol com amiga”
** “Reese Witherspoon usa maiô gigante para esconder gordurinhas ganhas na gravidez”
** “Dani Winnits se empolga na festa da virada e quase deixa o seio escapar”
Traduzindo: estava com um vestido decotado.
O grande título
Existem títulos incompletos, mas se o leitor fizer um esforço extra acabará adivinhando do que se trata. Como
** “Brasileiro vai à festa de patrocinador com”
Basta ir à matéria completa, com um par de cliques, para saber enfim o que aconteceu. O jogador brasileiro Rafinha, do Bayern de Munique, foi à festa do clube com uma Ferrari. Pisou feio na bola: o patrocinador do clube é a Audi, e todos os jogadores do Bayern, inclusive ele, têm um Audi. Pegou mal!
Há títulos confusos, mas o assunto sempre acaba transpirando de alguma maneira. Nesta semana temos um título à prova de bala:
** “A mosa das celebridades no tapete vermelho”
Seria “moda”? Seria “musa”? Seria “mesa”? Obra aberta: faça sua opção.
Temos também um belíssimo título de Esporte, exigindo um bom esforço (nem sempre bem sucedido) do leitor:
** “Vasco elege trio imune no último Brasileiro como alicerce para recuperação em 2013”
Clicando no link e indo à matéria, dá para descobrir do que se trata: o Vasco escolheu três nomes notáveis, um trio “imune a críticas”.
Voltando à área do Esporte e à dificuldade de entender o que foi dito:
** “Lucas chega a Doha por treinos com PSG e ‘passo enorme’”
Traduzindo: o meia Lucas foi a Doha, onde seu novo time, o Paris St. Germain, faz pré-temporada, para participar dos treinos. O “passo enorme” é a possibilidade que vê de chegar, um dia, a ser escolhido o melhor jogador do mundo.
Mas nada se compara ao melhor título da semana:
** “Soldado morto passou em prova para tenente no Rio”
Não é um fato dos mais inusitados?
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[Carlos Brickmann é jornalista e diretor da Brickmann&Associados Comunicação]