Há muito tempo, um editor entusiasmado disse ao jornalista Rolf Kuntz que o jornal estava preparando uma reforma gráfica. Rolf, que conhece jornalismo como poucos, fez só uma pergunta: “Vão tirar o fio ou botar o fio?”
Reforma, até hoje, é parecidíssima com a cortante definição de Rolf Kuntz: um novo formato, a mesma empresa espanhola contratada para preparar os novos leiautes, que deixam todos os jornais com a mesma cara, e ninguém pensa no que vai dentro. Quando pensam, é pior: é para cortar funcionários – para tucanar as demissões, isso é chamado de “enxugar a empresa” – e reduzir as opções de leitura de quem compra o produto.
Pior: o insumo básico do jornal, o Português, foi deixado de lado. As regências são ignoradas, as vírgulas vão salpicadas pelo texto como o sal numa sopa de letrinhas, e se algumas palavras tiverem pronúncia semelhante a outras, a probabilidade de erro se multiplica. Um grande jornal, daqueles que já se preocuparam com o texto, informa que o júri dos policiais militares acusados de assassínio no presídio do Carandiru foi suspenso “por que” um dos jurados teve “um mau estar”.
Quanto a informações, bobagem: as mesmas que já vieram pelo rádio, pela TV, pela internet, muitas horas depois e ainda impressas com tinta que suja a mão. Agrupar e hierarquizar as informações, mostrar seus antecedentes, seu significado, isso custa dinheiro: é preciso ter profissionais capazes de entender o que está acontecendo, e estes são mais caros. Alguém que conte que o congestionamento das rodovias que levam ao porto de Santos se deve à falta de um pátio de estacionamento, que este pátio existe, que a empresa que o construiu e explora recebeu o terreno em doação e um empréstimo do BNDES com a finalidade de resolver o problema, e que destinou metade da área a fins outros que não o estacionamento de caminhões, isso é coisa para jornalistas experientes, talentosos, conhecedores do assunto. Lembrar que outra empresa do mesmo grupo foi condenada pela maior grilagem de terras públicas já ocorrida no Brasil também exige, no mínimo, jornalistas que leiam o jornal.
Memória e dedicação são essenciais para lembrar aos leitores que o deputado Nazareno Fonteles, do PT do Piauí, que apresentou a emenda constitucional segundo a qual o Congresso passa a supervisionar os atos do Supremo (o que significa que nunca mais um congressista cumprirá pena, seja lá o que fizer), é o mesmo que, há poucos anos, tentou fixar o salário máximo no Brasil em R$ 8.500,00 mensais – o que excedesse o teto seria entregue ao governo, para vagos projetos sociais.
E a reforma? O Jornal do Brasil, quando reformou seu projeto gráfico, utilizou o trabalho de um grande artista plástico, Amílcar de Castro, ao lado de jornalistas de primeiríssima linha; e, ao mesmo tempo, reformulou seu conteúdo, ampliando as opções oferecidas aos leitores. O Jornal da Tarde, com um belíssimo projeto gráfico, que seria moderno até hoje, quase 50 anos depois, cultivava o texto e cuidava de manter-se antenado com a cidade onde circulava. A Folha de S.Paulo passou a disputar o primeiro lugar buscando articulistas, levando a universidade para participar dos debates jornalísticos, privilegiando a diversidade, cuidando enfim do conteúdo.
Um bom projeto gráfico é ótimo; mas fazer com que uma pessoa gaste dinheiro com um jornal, quando as informações estão disponíveis de graça em outros meios de comunicação, é bem mais difícil. Exige que o jornal lhe dê algo mais que a notícia desidratada. Exige recheio, tempero, side-stories, boa apresentação, texto bem feito, um retrato amplo da situação.
O resto é caminho para a queda de circulação e de publicidade, com um único consolo: na hora do adeus, surgem necrológios lembrando os bons tempos.
Falou
Do jornalista e professor Cláudio Tognolli, em seu twitter, sobre a Veja da semana passada:
“Semiótica viking: a capa de Veja é Rose e Lula. A capa de Veja SP é Traição na Cidade”
O Google e a lei
Atenção: esta decisão judicial deve influenciar muito o desenvolvimento dos sites de busca na internet brasileira. O Tribunal Regional Eleitoral (TER) confirmou multa de R$ 2 milhões aplicada ao Google por se recusar a retirar do ar um blog ofensivo à candidata do PSD à prefeitura de Ribeirão Preto (SP), Dárcy Veras (que foi reeleita e hoje exerce o cargo). O site pediu redução no valor da multa, o que foi negado: de acordo com o procurador-geral eleitoral, a multa imposta ao Google “sómente atingiu o patamar no qual se encontra (…) em razão de sua insistência em não cumprir a determinação judicial, sem qualquer motivo que justificasse tal conduta”.
A defesa do Google nesses casos costuma ser a de que não é responsável pelo conteúdo: é como se fosse uma biblioteca, que armazena conteúdos gerados por outras fontes. A decisão judicial rejeita esse tipo de entendimento e pode gerar uma série de processos contra o Google.
Cadê a gente?
O escândalo do Banestado, pelo que se noticiou na época, envolveu o desvio de R$ 2,5 bilhões, enviados ao exterior. Os réus acabaram se beneficiando do longo período decorrido, que motivou a prescrição do caso. Falharam procuradores, juízes, que deixaram o prazo correr sem encerrar o caso; e falharam os meios de comunicação, que deixaram o escândalo pra lá e não cumpriram a obrigação de reclamar constantemente da falta de providências e de alertar o público para o risco real da prescrição – exatamente, aliás, o que ocorreu.
Frase
Comentário do jornalista Eleno Mendonça sobre a lista das mulheres mais ricas do mundo, publicada pela revista Forbes: “Vendo as fotos, acho que é melhor continuar trabalhando”.
Seu dinheiro
Para que existe a propaganda dos governos?
Há alguns casos em que é justificável: quando transmitem informações relevantes para a população (e, mesmo nesses casos, pode-se recorrer aos meios de comunicação, que costumam dar gratuitamente esse tipo de informação, como serviço público). Mas fazer propaganda da empresa estatal de saneamento de São Paulo em comerciais nacionais é excessivo; e mesmo no estado, qual a alternativa de fornecedor para quem quiser água e esgoto? Para que a propaganda?
Explicar que morar num imóvel novo num loteamento regularizado, com saneamento básico, é melhor do que morar num barraco à beira de um córrego poluído, é mesmo necessário? Por que não usar o custo desses anúncios para ampliar os programas de atendimento à população?
Quantificando: de acordo com a Secretaria de Comunicações da Presidência da República (Secom), só o governo federal gastou, em 2012, pouco mais de 1,1 bilhão de reais em anúncios na TV. Há também os anúncios em jornais, rádios; e há ainda as milionárias verbas dos governos estaduais e das prefeituras das maiores cidades. É duro a imprensa tratar desse assunto, já que a propaganda estatal é uma de suas fontes de receita – conforme o veículo, pode ser essencial para sua sobrevivência. Mas examinar a questão, colocar na balança os benefícios e custos da propaganda do governo, faz parte de seu compromisso com os consumidores de informação.
No final da década de 1960, quando a ditadura militar se consolidava, o governo paulista decidiu cortar a publicidade de O Estado de S.Paulo. OK: o jornal sobreviveu bem, com prestígio e faturamento em alta (e o governador da época, mesmo com apoio dos militares, nunca mais se elegeu para cargo algum). Se os meios de comunicação só conseguem viver se tiverem publicidade oficial, que tentem ser mais eficientes. Presente, em política, nunca é de graça. Se o governo paga a conta, faz a cobrança mais cedo ou mais tarde.
Sossega, Rei!
De novo a censura: Roberto Carlos quer proibir a circulação de um livro sobre a Jovem Guarda, uma tese universitária de Maíra Zimmermann, que este colunista ainda não teve oportunidade de ler mas que pessoas de sua confiança classificaram como séria e competente. O objetivo da tese é a relação da Jovem Guarda com a consolidação da cultura juvenil no Brasil dos anos 1960.
Parece que Roberto Carlos não gostou da capa, uma charge em que aparecem Wanderléa, Erasmo e ele; acha que o livro viola sua intimidade; e por isso quer retirar o livro de circulação. É a terceira vez que Roberto se volta contra suas biografias. O primeiro livro que conseguiu proibir foi escrito por um antigo empregado, e este o colunista leu: era coisa leve, favorável, suave, nada que justificasse uma reclamação.
Roberto Carlos, quem diria! Aquele cantor de presença agradável, gentil com o público, que distribui flores em seus espetáculos, de repente vira fera quando algum livro cita passagens de sua vida.
E é preciso acabar com essa história de exigir só biografias a favor. Ruy Castro, por sua magnífica biografia de Garrincha (A Estrela Solitária), teve de enfrentar uma guerra judicial desgastante e cara, que acabou vencendo. Havia algo contestável no livro? Não: havia alguns fatos desagradáveis, porém reais, e que sumiam no contexto da genialidade do grande craque. Se a Constituição proíbe a censura prévia, por que não discutir os fatos concretos? Basicamente, se há mentiras ou não. O resto é questão de opinião. E não se pode exigir que um biógrafo seja automaticamente favorável a seu personagem. Joachim Fest, autor da mais festejada biografia de Adolf Hitler, definitivamente não é seu admirador.
Deve ser isso
A jornalista Regina Helena Teixeira Alonso, assídua leitora desta coluna, esclarece o que significa o “nesta eleição eu votei limpo”, daquela enigmática propaganda da Justiça Eleitoral abordada na coluna da semana passada. É simples:
“Eu votei limpo nas últimas eleições. Levantei, escovei os dentes, tomei banho, passei desodorante e perfume. É isso!”
E ainda foi votar com roupa lavada e passada e sapatos sem vestígios de poeira.
Caxixi rebatizado
O som é de chocalho. O instrumento é antigo, veio da África (e lá existe sabe-se lá há quantos séculos). Chama-se “caxixi”. Apresentaram-no à presidente Dilma Rousseff como “caxirola”, o sucessor brasileiro da barulhentíssima vuvuzela sul-africana, e ela se encantou. Sua frase: “Nós, a mim me provoca, na minha ausência de talento musical, provoca uma surpresa que eu acho que todos aqui compartilham. A surpresa diante de uma coisa tão bonita, tão simples, tão sintética e tão representativa do Brasil”.
Dilma não tem obrigação nenhuma de conhecer instrumentos musicais, especialmente os menos divulgados. Mas a imprensa, que acompanhou a entrega da caxirola à presidente e à ministra do Turismo e noticiou seu entusiasmo, poderia pelo menos ter consultado a Wikipédia – nada mais do que isso, o mínimo possível de trabalho. E lá estão até fotos do caxixi.
Nada contra a caxirola: o barulho do chocalho sem dúvida será melhor, para quem acompanhar a Copa, do que o som brutal e ensurdecedor da vuvuzela. Mas o nome é de doer. Já querem chamar a bola de Fuleco; batizar o caxixi de caxirola é um excesso. Pense em algo do tipo “balançou a caxirola para comemorar o Fuleco dentro – vai buscar que é sua, goleirão!”
A caxirola não vai mesmo mudar de nome. Mas este colunista insistirá, mesmo diante das pressões da FIFA, em chamar a bola de bola. Fuleco é outra coisa.
Como…
De um grande jornal, citando a presidente Dilma Rousseff (que não deve ter dito essa frase do jeito como foi transcrita):
(…) a Vale chegará a um acordo com as autoridades da Argentina, onde a empresa suspendeu um milionário investimento que poderia provocar milhares de demissões”.
Será que alguém disse mesmo que o investimento provocaria demissões?
…é…
De um grande jornal impresso:
** “Robert Kennedy Jr., filho de John Kennedy (…)”
Bem, se fosse filho de John Kennedy, não se chamaria Robert Kennedy Jr. É obviamente filho de Bob Kennedy e, portanto, sobrinho de John e Ted. Simples assim.
…mesmo?
De um importante portal de notícias:
** “Após separação com Roger, Deborah Secco perde sua habilitação”
Separação com? Isto é novidade: até outro dia, as pessoas se separavam de alguém. A propósito, que tem a ver a separação com a perda da carteira de motorista da bela atriz?
As não notícias
Nada de correr riscos: a notícia é o que é, mas talvez não seja, e aí, como é que o repórter vai se explicar na Redação?
** “Suposto encontro de Kristen Stewart com Rupert Sanders é desmentido”
OK: mas o que é que o repórter sabe de verdade e não está contando?
** “Suposta foto mostra suspeito perto de vítima”
Como jamais disse Gertrud Stein, uma foto é uma foto é uma foto. Já uma suposta foto, que estranho objeto será?
** “Atriz de American Pie teria feito um barraco em loja de Los Angeles”
Afinal de contas, conte pra gente: houve ou não houve o barraco?
E eu com isso?
Supostamente, neste setor de atividades frufru, as notícias não teriam de ser desmentidas por seus supostos protagonistas – afinal de contas, como saem em vários lugares, com a mesma redação, devem ter uma central única, de preferência ligada às personalidades citadas, que garantem o que dizem.
O que vale a pena observar é a repetição de atividades: só mudam os personagens.
** “Letícia Birkheuer brinca com a filha em parque”
** “Fernanda Lima e Rodrigo Hilbert brincam com os filhos na praia”
** “Grazi Massafera brinca com a filha no shopping”
O moralismo também é bravo: qualquer centímetro de pele a mais que apareça vira assunto da maior importância.
** “Demi Moore usa roupa com transparências e mostra demais”
** “Penélope Cruz aparece com os seios à mostra em novo filme”
** “Gwyneth Paltrow vai sem calcinha à estreia de Homem de Ferro 3”
** “Angélica se descuida e mostra demais o decote”
Depois de brincar e mostrar mais do que a imprensa aprova, a vida diária:
** “Marcelo Serrado,pai de recém-nascidos, vai à farmácia”
** “Katy e Rihanna reatam amizade”
** “Ator de Flor do Caribe aparece dormindo em hotel”
** “Justin Bieber e Selena Gomez se beijam”
** “Cláudio Heinrich exibe o barbão e a boa forma na praia”
** “Arnold Schwarzenegger fuma charuto em cafeteria carioca”
** “Thiago Martins pede pão na chapa para café da manhã com Ana Maria Braga”
** “Alessandra Ambrósio depila as pernas dentro do carro”
Como é segredo, a gente não conta. Mas a depilação dentro do carro, convenientemente flagrada, faz parte da campanha publicitária de um aparelho de depilação feminina.
O grande título
A realeza desperta grande interesse, claro. E rende títulos estranhos:
** “Kate Middleton exibe gravidez com vestido de £ 38”
Às vezes o título não é estranho: estranhíssimo é o fato que lhe dá origem.
** “Juiz acusado de matar colega é condenado por corrupção passiva”
Imagina-se, é claro, que haja outro processo. Ou seja, além de suspeito de homicídio o referido cavalheiro é apreciador de propinas.
E há casos em que o caso não é estranho e o título também não é – do jeito que está formulado, é apenas inverossímil.
** “Homem comete homicídio, leva tiro da vítima e é preso em pronto-socorro”
Que morto mais atrevido, que se atreve a atirar no seu matador!
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Carlos Brickmann é jornalista e diretor da Brickmann&Associados Comunicação