Sunday, 24 de November de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1315

Acredite se quiser

Entre as várias definições de notícia, uma é básica para os meios de comunicação: notícia é tudo aquilo que foge ao normal. É normal que os aviões cheguem bem ao destino; portanto, quando chegam bem, não é notícia. Quando um não chega, é notícia. É normal que haja mercadorias nas lojas; quando falta uma mercadoria, é notícia.

Pois nem isso está sendo seguido na imprensa brasileira. Os irmãos Cravinhos, condenados por assassinar a pauladas um casal que dormia, os pais de Suzane Richtofen, foram liberados para passar o Dia das Mães com a família. Ambos, recordemos, mataram a mãe e o pai de Suzane a pauladas, para que a namorada de um deles pudesse herdar o dinheiro da família. Por aquelas coisas exóticas que só ocorrem no Brasil, saem da cadeia no Dia das Mães. E a imprensa dá a notícia de maneira sóbria, tranquila, discreta, com muito menos destaque do que, por exemplo, as especulações sobre a reformulação do elenco do São Paulo. Espera-se que Suzane Richtofen não tenha conseguido o mesmo benefício – afinal de contas, trata-se de uma órfã.

A transformação de Guilherme Afif Domingos numa limusine da política (ocupa o lugar de dois) é, sem dúvida, algo tão exótico que chama a atenção; mas é um pecado menor, diante de dois assassinos frios que ganham um inacreditável dia de liberdade. Mas a dupla militância de Afif, como vice-governador de São Paulo e ministro de Dilma
Rousseff, ganhou muito mais espaço nos meios de comunicação do que a libertação – embora, ao que se imagina, provisória – de dois rapazes que já mostraram que não recuam diante de nada, nem de um duplo assassínio, para atingir seus objetivos.

Há outras coisas tipicamente brasileiras que até são noticiadas, mas com frieza, sem aprofundamento, como se normais fossem. O deputado federal Natan Donadon, do PMDB de Roraima, está condenado desde 2010 a treze anos de prisão por peculato (ou, em português claro, roubo de dinheiro público) e formação de quadrilha. Recorreu o quanto pôde, continua condenado e continua deputado. Os deputados João Paulo Cunha e José Genoíno, ambos do PT paulista, foram condenados no processo do mensalão, pelo Supremo Tribunal Federal; deputados continuam, já que ainda não houve o julgamento dos embargos. Mas para eles o simples exercício do mandato não é suficiente: foram escolhidos pelo partido para a Comissão de Constituição e Justiça. E João Paulo Cunha foi um dos garotos-propaganda do partido nos anúncios de televisão – ou seja, um exemplo.

Genoíno e João Paulo Cunha provavelmente são conhecidos da maior parte dos consumidores de informação: ocuparam cargos de destaque e o processo a que foram submetidos teve ampla publicidade. Mas Natan Donadon, menos notório, quantos se lembram dele? Poucos, certamente: pois, embora tenha sido condenado há mais tempo, por crimes tão graves quanto os dos outros, e continue solto, os meios de comunicação trataram do assunto tão tranquilamente que nem conseguiram (se é que tentaram) chamar a atenção para o caso.

Mais? Mais. Quem lembra do nome de Walfrido dos Mares Guia, do PSB mineiro, que foi vice-governador, que foi até ministro? E de Eduardo Azeredo, do PSDB mineiro, que foi governador? Pois ambos foram denunciados em 2007, pelo procurador-geral da República, por participação do mensalão mineiro, anterior ao mensalão. Já se passaram seis anos e nada de julgamento. E Mares Guia, no final de 2012, completou 70 anos. Portanto, na forma da lei, livrou-se do processo. Alguém terá encontrado com destaque, nos meios de comunicação, a “extinção da punibilidade” que beneficiou o ex-ministro?

A notícia deve ser honesta, correta, contendo os vários lados da questão. Mas ser indiferente ao que aconteceu é outra coisa.

Outra excelente definição de notícia – que, no caso, não está sendo seguida – diz que notícia é aquilo que os envolvidos não querem que seja publicado.

 

De que se trata?

A briga pelo ICMS, o mais rentável imposto do país, está comendo solta. Há uma guerra declarada entre Estados. O senador Delcídio Amaral, do Mato Grosso do Sul, declara-se feliz por ter sofrido críticas do governador paulista Geraldo Alckmin: “Quando mais ele me criticar, mais eleitores vão votar em mim”. Pode-se imaginar que o motivo da disputa dos estados seja dinheiro. Mas, afinal de contas, quais são exatamente os mecanismos que beneficiarão a receita de alguns estados e reduzirão a arrecadação de outros?

As matérias que este colunista tem visto dão de barato que o consumidor de informação conhece tudo sobre o assunto e só precisa saber quais foram as articulações de ontem e os planos de hoje. Zonas francas, cobrança em operações interestaduais, variação de alíquotas para atrair investimentos, muitas vezes dando a empresários privados ganhos excepcionais subtraídos do que deveria ser receita pública? Isso não aparece. Tudo bem, economia é um assunto árido, complexo, mas não pode ser reduzido à troca de insultos em plenário. É muito, muito, muito mais importante do que as briguinhas de parlamentares.

Outro exemplo? A famosa MP dos Portos. Será que se trata apenas de abrir a competição, privatizando, ampliando o número de operadores dos portos e reduzindo os custos? Ou será, como dizem os adversários da medida, uma fórmula para dar de presente a grandes empreiteiras, aquelas de sempre, mais uma fonte de renda, em condições de competição muito favoráveis, sem que tenham qualquer experiência no setor?

Boas reportagens podem ajudar a esclarecer o assunto. Mostrar, por exemplo, como está o terminal de caminhões para o qual a prefeitura de Cubatão doou algo como 500 mil metros quadrados de terreno e o BNDES arranjou recursos baratinhos. Ou esclarecer de vez a história do funcionário de alto escalão que tentou classificar as máquinas caça-níqueis como computadores, para efeito de importação, foi afastado, mas arranjou outro lugar ótimo, para mexer com portos. Mas isso exige pauta, disposição de trabalho, tempo e verba para fazer coisas bem feitas. Difícil.

 

Vozes do silêncio

O personagem é notável: Luiz Ernesto Kawall é jornalista, foi diretor da Tribuna da Imprensa em São Paulo (na época de Carlos Lacerda), foi secretário de Imprensa do governo Abreu Sodré (e ajudou muitos jornalistas a escapar da fúria da repressão – aliás, um dia contará como o compositor e cantor Geraldo Vandré, caçadíssimo pelo pessoal da ditadura, ficou asilado no palácio do governo de São Paulo, sob a proteção do governador e beneficiado pelo bom relacionamento de Luiz Ernesto com a imprensa). E foi o grande inspirador do Museu da Imagem e do Som, um dos melhores do país.

A iniciativa é notável: Luiz Ernesto, que tinha doado sua fantástica coleção de gravações ao MIS, montou outra, que apelidou de Vozoteca LEK. Ali há registros da voz de Thomas Edison, o criador da gravação elétrica (e também da lâmpada que usamos até hoje e de mais dezenas de utilidades), do primeiro-ministro da Prússia, Otto von Bismarck, do fundador da União Soviética, Vladimir Lênin, do escritor Antoine de Saint-Exupery, autor de O Pequeno Príncipe, de Leônidas da Silva, o Diamante Negro, centroavante da seleção brasileira de futebol e um dos maiores craques de todos os tempos, da compositora Chiquinha Gonzaga, autora de “Abre Alas”, de Arthur Friendereich, o craque do Club Athletico Paulistano que foi tetracampeão paulista e que os antigos consideravam melhor do que Pelé, de muitos outros.

Luiz Ernesto doou sua Vozoteca, com mais de 12 mil registros, ao Instituto de Estudos Brasileiros da USP, que em dois anos irá classificá-los, digitalizá-los e colocá-los à disposição do público em geral.

Excelente notícia? Sim – e cadê? É matéria para todos os tipos de veículo, TV, rádio, jornal, revista, internet. Segue a sugestão de pauta. Até agora, nada.

 

Histórias de censura

A Constituição proíbe a censura prévia. Pois é.

1. A revista digital Consultor Jurídico (www.consultorjuridico.com.br) foi proibida pela 16ª Vara Cível Central de São Paulo de noticiar a abertura de uma sindicância contra o desembargador Carlos Alberto Lopes. Foi também proibida de mencionar o nome do desembargador. A interdição já tem dois anos e meio. E está em julgamento (suspenso por pedido de vista) uma indenização ao desembargador, por danos morais.

2. Um grupo de pessoas apontado pelo repórter Fábio Pannunzio, da Rede Bandeirantes, como quadrilha internacional de estelionatários, tentou censurá-lo, mas foi derrotado. Processou-o então por danos morais na Justiça do Paraná. A vitória foi de Pannunzio e da liberdade de imprensa: o grupo, além de perder outra ação, terá de pagar os honorários da parte contrária. Quem quiser ler as reportagens que provocaram os processos pode buscá-las nos seguintes links:

>> Quem é Deise Zuqui, procurada pela Interpol Dominicana?

>> Deise Zuqui: Erro da Interpol?

>> Especial Foragidos I: Cláudia Hoerig, que assassinou marido a sangue frio, vive impune no Rio de Janeiro

>> Especial Foragidos II: Quadrilha que roubou US$ 500 mil no Caribe aplica mesmo golpe no Paraná

>> Especial Foragidos III: O caso da delegada federal que virou alemã para escapar da Justiça Brasileira

>> Especial Foragidos IV: Quem é Deise Zuqui – A resposta

>> Especial Foragidos IV: Quem é Deise Zuqui – A resposta

 

Graça Foster, imprensa livre

Há quem queira, no governo e fora dele, restringir a liberdade de expressão; mas há, dentro do Governo, quem reconheça a importância da imprensa livre. A presidente da Petrobras, Graça Foster, por exemplo:

“A imprensa contou nossa história (da Petrobras) ao longo de 60 anos. Grande parte do conhecimento e reconhecimento que temos devemos a vocês (jornalistas), que estão sempre conosco (…) Não viajo sem estar com o clipping na mão. Não entro numa reunião sem ter visto, pelo menos, um jornal inteiro”.

Graça Foster falou em coletiva, ao lançar o Prêmio Petrobras de Jornalismo.

“Nem sei se vocês sabem a importância que têm para nós. Não é que eu goste de tudo que é escrito, muitas vezes o título não condiz com o que vocês revelam no texto, mas as matérias sempre me mostram maneiras de melhorar”.

Graça Foster tem de consertar, em silêncio, os problemas deixados pelo presidente anterior da empresa, José Sérgio Gabrielli. Acaba sendo criticada pelos meios de comunicação por falhas que não foram suas. Mas sabe que, para encontrar todas as falhas e procurar consertá-las, precisa do auxílio da imprensa. Melhor estar informada do que tentar calar o mensageiro que traz as más notícias.

 

Médico bravo

A Operação Sangue Frio, da Polícia Federal, levou ao afastamento do médico José Carlos Dorsa do Hospital Universitário da Universidade Federal de Mato Grosso do Sul, onde era diretor-geral. A investigação da PF aponta desvio de R$ 3 milhões do SUS. Qual a reação de Dorsa, ao ser atingido por uma ação da Polícia Federal? Claro: culpou a imprensa. E disse que o repórter que queria entrevistá-lo era um “reporterzinho”. Nas redes sociais, houve gente que o classificou como médico, só que, como ele fizera com o repórter, no diminutivo.

 

E a fonte?

Num grande jornal de circulação nacional, informa-se que Luiz Edson Fachin e Eugênio Aragão são fortes candidatos à vaga do ministro Carlos Ayres Britto no Supremo Tribunal Federal (e, em outra página do mesmo jornal, diz-se que candidata forte mesmo é a procuradora-geral de Justiça do Distrito Federal, Eunice Carvalhido). Bom, quem nomeia é a presidente da República, que ao que se saiba não deu entrevistas sobre o tema. O mesmo jornal informa que a presidente não tem conversado com ninguém sobre a nomeação. De onde saíram os nomes? De onde saiu a ordem de preferência da presidente Dilma?

 

Os bons livros

1. – O Grande Gatsby, de F. Scott Fitzgerald. Um clássico da literatura americana, que será refilmado agora, com Leonardo di Caprio no papel de Gatsby. O livro conta a história do escritor Nick Carraway, que procura se aproximar do milionário Gatsby para compartilhar a vida dos ricos. Neste processo, descobre como são os bastidores da luta para enriquecer. Uma pergunta: afinal, quantos amigos o dinheiro pode comprar? Já nas livrarias.

2. Cadão Volpato, jornalista e músico, lança seu primeiro romance, Pessoas que passam pelos sonhos: a história de um motorista de táxi de Buenos Aires e de um arquiteto brasileiro que se encontram numa viagem à Patagônia e se reencontram anos depois. Nas duas ocasiões, os reflexos da situação política de ambos os países. Dia 15/5, 18h30, na Livraria da Vila do Shopping Higienópolis, em São Paulo.

3. A professora Maria Luiza Tucci Carneiro organizou Recordações dos primórdios da imigração judaica em S. Paulo, com histórias de adaptação, de choques culturais, de integração, do dia a dia dos imigrantes. Já nas livrarias.

 

Como…

De um grande jornal impresso, de circulação nacional.

** Título: “Cinco mil pedestres mortos por segundo”

** Texto: “Mais de cinco mil pedestres morrem nas ruas e estradas do mundo a cada semana”.

Semana, segundo – afinal de contas, as duas palavras começam com “se”.

 

…é…

Do anúncio de um grande portal de vendas.

** Título: “Dia das Mães”

** Texto: “Saldão de Chuteiras”

Dizem que as referidas senhoras estão batendo um bolão.

 

…mesmo?

De um grande portal da Internet:

** “Arrumei um marido que admira meu trabalho, não comete comigo e não interfere no que eu faço”.

Talvez a palavra seja “compete”.

 

É isso mesmo!

Este é uma combinação brilhante formulada por um grande portal noticioso: de um lado, a linguagem de índio americano do cinema; de outro, a convicção de que um substantivo, por terminar em “s”, está obrigatoriamente no plural. Ou não, porque há concordância tanto no plural como no singular

** Título: “Tite minimizar derrota”

** Subtítulo: “Corinthians não deve ser avaliados por um jogo”

 

As não notícias

A mania está crescendo (e a safra de absurdos também): nunca afirme algo que possa ser usado contra você, por mais que saiba qual é a verdade.

** Este é sobre a cantora Cláudia Leite e seu bebê. É completo:

“Claudinha teria levado um susto. Seu filho, de apenas 7 meses, teria se machucado durante um acidente doméstico que teria acontecido enquanto ela ensaiava. Claudinha levou o bebê ao hospital e, de tanto susto, teria desmaiado.”

Enfim, aconteceu algo ou são apenas suspeitas?

** E, por falar em suspeitas,

“Amigo suspeito paga fiança de US$ 100 mil”.

E por que o amigo é suspeito? Parece que é coisa de armário. Os dois juntos dentro do armário.

** “Namorada de Ronaldo usa anel suspeito”

Seria, talvez, o possível fruto de algo ilícito? Não: o casal está inteiramente dentro da lei. Ou apenas um aro de chaveiro usado à guisa de anel? Não, nada disso: como o anel está na mão esquerda da moça, a suspeita é de que seja uma aliança de casamento. Em tempo, Ronaldo está ao lado e dá para ver a mão dele. Ali não há anel suspeito nenhum.

** Estudantes de Birigui, SP, acusam a universidade local de golpe: segundo dizem, foram prometidas bolsas integrais para quem preenchesse determinadas condições. E, iniciadas as aulas, os alunos foram chamados para pagar ou sair.

Título: “Estudantes de Birigui denunciam suposto golpe de universidade”

** “Suspeito de estuprar mulher em ônibus é detido”.

O “suspeito” assaltou os passageiros do ônibus, foi visto e filmado. Estuprou uma mulher à vista de todos e foi filmado. Confessou o estupro e o assalto, disse que estava drogado e arrependido. E mesmo assim foi chamado só de “suspeito”.

 

E eu com isso?

Aqui não tem nada suspeito: aqui a vida vale a pena ser vivida, as pessoas mostram o que fazem, não escondem nada, e se os jornalistas não descobrirem elas mesmas se encarregam de contar tudo e até de providenciar as fotos.

** “Celulari curte férias em Nova York”

** “Justin Bieber aparece de franja nos Simpsons”

** “Ousadia e diversidade pontuam soirée”

** “Murilo Rosa vai a praia, mas não entra no mar”

** “Demi Lovato volta a ser loira”

** “Claudia Raia diz que Enzo brinca com Nicole”

** “Julia Roberts faltará no casamento da irmã”

** “Wanessa Camargo leva vida de dona de casa”

** “Príncipe Charles e Camilla vão ao Parlamento”

** “Pérola Faria exibe suas belas pernas na Barra da Tijuca”

** “Novo affair de Roger é 10 cm maior que o comentarista”

** “Porta-voz de Katie Holmes desmente que Suri será estilista”

É bom lembrar que Suri tem sete anos.

 

O grande título

A safra de títulos estranhos é das mais substanciosas dos últimos tempos. Tanto que, entre eles, este colunista desistiu de escolher o melhor.

** “Morta em mala saiu de bar com suspeito”

** “Morador de rua é condenado à prisão domiciliar por furto em São Paulo”

** “Leite morno ajuda a melhorar o sono durante a menopausa”

Só durante a menopausa? Um leitinho morno antes de dormir é um grande remédio para obter um sono reparador.

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Carlos Brickmann é jornalista e diretor da Brickmann&Associados Comunicação