Friday, 22 de November de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1315

Ele não gosta, mas também não persegue

Passou meio batida uma injustiça da SIP, Sociedade Interamericana de Imprensa, contra o presidente Lula: comparou seu comportamento em relação aos meios de comunicação com o de Hugo Chávez, presidente da Venezuela. Bateu pesado: ‘O presidente brasileiro sempre ataca a imprensa e lança críticas desmedidas quando o enfoque do noticiário ou de um comentário não lhe agrada’. E lembra que Lula já disse que ler jornais lhe causa azia.

Além de injustiça, é bobagem: Lula teve um rompante autoritário (a vontade de expulsar do Brasil o correspondente do The New York Times, Larry Rohter), mas voltou atrás, e não repetiu a dose. Se a leitura dos jornais lhe dá azia, isso não tem nada a ver com perseguição. Ele se informa por outros meios e, a menos que se considere que deixar de comprar jornais é perseguição, limita-se a isso.

As relações de Lula com os meios de comunicação não são perfeitas (mas não o foram nem na saudosa época de Juscelino Kubitschek, quando o líder oposicionista Carlos Lacerda não podia aparecer na TV nem falar no rádio). É verdade que o governo sustenta, com sua propaganda, algumas publicações amestradas, que sem isso não conseguiriam manter-se no mercado. Está errado; mas não significa que persiga quem se opõe a ele, ou quem adote postura independente.

É verdade, também, que Lula evita entrevistas coletivas, e só as realizou quando foram engessadas. Mas não economizou nas entrevistas exclusivas (foi numa delas, aliás, que disse que ler jornais lhe dá azia). Este colunista acha que coletivas são ótimas para a população, mas rejeitá-las não é perseguir a imprensa.

Falhou a SIP. E, ao comparar Lula com Chávez, falhou de novo: deu a Chávez, que este sim persegue seus opositores, a desculpa de que age como Lula. Faltou à SIP lembrar que uma coisa é uma coisa e outra coisa é outra coisa.

 

A lista! A lista!

No meio do tiroteio do Senado, o senador Heráclito Fortes (DEM-PI), disse que a Casa deu muitas passagens aéreas a jornalistas, por conta da Viúva. É preciso completar a informação: quais são os jornalistas que viajam com passagens do Senado? Essa história de um grupo receber presentes das pessoas cuja atuação lhes cabe reportar é nociva; não pode continuar. Não importa se dar passagens compradas com dinheiro público a jornalistas é legal ou não (imoral, é de qualquer forma): se é ilegal, a lista precisa ser divulgada, para que haja providências; se é legal, qual o problema de divulgá-la?

 

A invasão dos bárbaros

Um excelente artigo de Eugênio Bucci, neste Observatório da Imprensa (‘Desaforos entregues em casa‘), aborda um assunto importantíssimo para o debate público de idéias: a abertura dos comentários a pessoas mal-educadas, incapazes de apresentar sua posição sem insultar os que tenham posição contrária. Certas medidas, sem dúvida, devem ser tomadas rapidamente, para evitar que as colunas de comentários se transformem em latas de lixo. A principal, na opinião deste colunista, é o fim do anonimato. O missivista continuaria tendo o direito de expor sua opinião assinando com um apelido (ou ‘nick’), mas o responsável pelo blog deveria ter condições de identificá-lo, mesmo que fosse apenas por ordem da Justiça.

Cadastramento prévio, talvez? Cadastramento imediato, com conferência do IP? A fórmula pode ser encontrada por especialistas, mas o que não se pode aceitar é que continue a xingação estimulada pelo anonimato. Quando se escreve uma carta ao jornal, é preciso identificar-se; por que deve ser diferente na internet?

Quanto ao vocabulário, só mesmo os moderadores poderão evitar que as divergências de opinião sejam expressas de maneira não-civilizada. Não é preciso, para garantir a liberdade do debate, que a mãe seja convocada a plenário. É importante garantir que um importante espaço democrático, como o da internet, não seja destruído pelos bárbaros. E, cá entre nós, que grau de inteligência ou de raciocínio é necessário para combater uma idéia com um insulto anônimo?

 

Clô para os íntimos

De mortuis nihil nisi bonum (em tradução livre do latim, ‘não fale mal dos mortos’). Clodovil morreu, virou santo. O noticiário só fala bem dele. Mas, enquanto vivo, só foi unanimidade nas críticas a sua atividade parlamentar. Qual a cobertura que mereceu dos meios de comunicação? Algumas lembranças: o dia em que foi à Câmara pela primeira vez, em que disse que precisava conhecer o ambiente, para saber se ia com bolsa chique ou sacola de compras; a reforma de seu gabinete (com dinheiro próprio, não da Câmara); a declaração de que compareceria ao Congresso ‘chiquérrimo, o que eu sou’; e a briga com o partido que o elegeu, por discriminá-lo.

Já o excelente projeto que reduz o número de deputados de 513 para 250 não foi mencionado. E a idéia é ótima: uma Câmara com 250 parlamentares é tão democrática quanto uma com 513, ou 1.432, e é mais ágil, mais barata. Terminaria de vez aquela briga ridícula para saber quem vai ocupar os melhores gabinetes. E acabaria a brincadeira de erguer um prédio atrás do outro, o que é caríssimo, para abrigar todo aquele mundaréu de gente, com seus assessores e respectivo séquito.

Que outro parlamentar, do alto clero, daqueles mais famosos, terá apresentado um projeto tão útil, tão voltado ao interesse público?

 

Noblat, 5 anos

O blog de notícias pioneiro, de Ricardo Noblat, acaba de completar cinco anos. Foi uma grande sacada: aquele espaço de internet, que normalmente era usado como diário por adolescentes românticas, serviu como veículo para uma coluna altamente informativa, não apenas com notícias exclusivas e boas análises, mas também com um panorama do que foi publicado nos principais veículos de comunicação do país.

A experiência foi tão bem sucedida que dezenas de colunas do mesmo tipo pipocaram na internet – algumas, aliás, em guerra aberta com outras. Mas contra Noblat, embora haja de vez em quando alguma crítica, nenhuma das colunas que seguiram sua fórmula quis abrir fogo. Questão de respeito. Parabéns, Noblat!

Folha vs. Record

Guerra entre veículos de comunicação não é novidade: já houve tremendos embates entre Tribuna da Imprensa e Última Hora, no Rio, entre Última Hora e Diário da Noite, em São Paulo, entre Diários Associados e Rede Globo, no país inteiro. O curioso, nesta guerra entre Rede Record e Folha de S.Paulo, é que ambas não são concorrentes. A Record não tem jornal nem portal, a Folha não tem rádio nem TV. A Igreja Universal do Reino de Deus, ligada à Record, tem um jornal, a Folha Universal, mas destinado a um nicho bem específico do mercado.

É daquelas brigas, portanto, que não têm vencedor: ambos os lados se desgastam e nenhum tem o que ganhar com a derrota do outro.

 

João Buracão…

Parece bobagem (e é): um boneco criado pelo jornal fluminense Extra, o João Buracão, que dá um toque de humor às reportagens de Cidades, mereceu longos debates na Associação Brasileira de Jornalismo Investigativo (Abraji). A idéia predominante entre os jornalistas investigativos, ainda bem, é a mesma deste colunista: notícia é notícia, e não é a presença de um boneco engraçado, que ajuda o leitor a aguentar de bom humor tudo aquilo que acontece de ruim, que faz com que deixe de ser notícia.

 

… é brigão

Na discussão sobre o que é jornalismo ou notícia, perdeu-se um pouco de vista o fato gerador da história: a agressão à equipe do Extra por homens que acompanhavam Márcio Panisset, irmão da prefeita de São Gonçalo (RJ), Aparecida Panisset. Foi cena de filme: um carro fechou a rua, impedindo que a equipe de reportagem deixasse o local. O fotógrafo teve a máquina tomada, e várias imagens foram apagadas. O boneco João Buracão – que é levado pelo Extra para posar ao lado de buracos na cidade – foi roubado pelos capangas agressores.

O Extra levou os fatos ao conhecimento do secretário da Segurança do Estado, José Mariano Beltrame – que, claro, prometeu rigorosíssimas investigações.

 

Dado e Luana

Fábio Couto, leitor atento desta coluna, chama a atenção para alguns fatos estranhos no episódio em que o ator Dado Dolabella foi preso por violar decisão judicial que o impedia de ficar a menos de 250 metros de distância de sua ex-namorada Luana Piovanni. Tudo bem, os dois haviam sido convidados para o camarote da mesma cervejaria, no Sambódromo do Rio. Ao entrar no camarote, onde já estava Luana, Dado sem dúvida violava a decisão do juiz. As dúvidas:

1. Ninguém mexeu com Dado enquanto ele estava no camarote. Se não podia entrar, por que o convidaram? Por que o deixaram por lá?

2. De acordo com a assessoria de imprensa da cervejaria, o ator foi convidado a se retirar do camarote por usar substâncias ilícitas. Aí, de duas uma: ou a coisa ficava por isso mesmo, com a retirada dele do camarote, sem divulgação alguma; ou, se era para divulgar e fazer escândalo, tinham de chamar a polícia. Do jeito que a coisa ocorreu, ficou ruim para ele: acusaram-no quando já não estava presente.

3. Não havia ninguém da imprensa no camarote, para contar a história real? A versão da cervejaria foi aceita pelo valor de face? Ninguém foi procurado, ninguém foi entrevistado?

4. Saiu do camarote, dias depois foi preso e colocado em cela comum. E a história ficou sem apuração. Tudo bem, Dado Dolabella é conhecido como bad boy, como criador de casos, como sujeito complicado. E daí, isso exime a imprensa de apurar? Isso o transforma automaticamente em culpado em cada encrenca que aparece?

 

Opinião filosófica

Mário Lúcio Marinho, excelente jornalista, nosso fiel leitor, conta outra história do filósofo francês Jean-Paul Sartre, em sua visita ao Brasil (na coluna anterior lembramos que, submetido a cenas de jornalismo explícito, Sartre dera secamente sua opinião sobre a São Paulo: ‘Merde!’). Pois aconteceu que, no Rio, alguns puxa-sacos levaram-no para comer feijoada. Sartre olhou aquela panela fumegante com feijão, rabo, orelha, carne seca, língua, vários tipos de linguiça, e perguntaram-lhe o que achava. E ele, sem hesitar, nem experimentar: ‘Merde!’

 

Como…

Do portal de um grande jornal:

** ‘As vítimas sofreram apenas ferimentos leves. (…) As vítimas ainda são procuradas entre as ferragens.’

Ainda bem: mesmo não tendo sido encontradas, já se sabia que seus ferimentos careciam de gravidade.

 

…é…

Do material de divulgação de um órgão público:

** ‘Para senadores, fonte ajudará a reduzir efeito estufa’

Não, não é uma fonte refrescante, nem aquela fonte onde se joga uma moeda para ter desejos atendidos: é uma fonte de energia eólica, que produz eletricidade tendo o vento como matéria-prima, sem gerar aquecimento global. Bem explicadinho tudo fica fácil, não é mesmo?

 

…mesmo?

Do portal de um jornal de circulação nacional:

** ‘Erros em livros de SP foi falha de diagramação, diz fundação’

O erro não é de concordância: o verbo ‘ser’ pode concordar com o sujeito ou o objeto. O erro é pior: é tentar vender a idéia de que o diagramador é a última instância na elaboração do livro. Continua valendo a pergunta: numa compra gigantesca, não há quem faça a análise do produto que está sendo recebido?

 

E eu com isso?

Há ocasiões em que o noticiário pesado fica mais leve e divertido que as informações do mundo artístico (e das celebridades, assim conhecidas porque saem em revistas de celebridades, assim conhecidas porque publicam as atividades das celebridades). Como competir, por exemplo, com a notícia de que o Senado tinha um ‘diretor de anais’? Ou um ‘diretor de instalações especiais’? Imagine o que pode acontecer se ambos, o ‘diretor de anais’ e o ‘diretor de instalações especiais’ resolvem trabalhar em conjunto!

Mas, mesmo assim, temos notícias esplêndidas em outras áreas do jornalismo. Por exemplo:

** ‘Maria Paula é vista com filhos em aeroporto’

** ‘Donald passeia com a família em Nova York e exibe bronzeado laranja’ (não, não é o Pato: é o Donald Trump)

** ‘Luana Piovani e Felipe Simão podem estar brigados’

** ‘Polvo fica preso dentro de lancheira em aquário nos EUA’

** ‘Inhame em forma de mão imita cumprimento de surfista’

Este título é enigmático: ou este colunista, acostumado à malícia da profissão, muito se engana, ou trata-se de algo vagamente pornográfico.

 

O grande título

A concorrência é brava:

** ‘Helena começou a fabricar e a vender chocolates depois que o negócio do marido ficou fraco’

O pior é que parece que o negócio do marido não ficou mais forte nem com o chocolate!

** ‘Acidente em obra do Rodoanel deixa bairros em água em SP’

Há quem imagine que o título está errado. Mas, na verdade, tratava-se de uma antevisão: poucos dias depois, choveu em três horas aquilo que normalmente chove em 15 dias, e muitos bairros ficaram ‘em água’ em São Paulo.

E há dois títulos com Natasha Richardson, a atriz inglesa que morreu num acidente de esqui. O primeiro é daqueles que, como não cabiam no espaço, acabaram entrando a marteladas, de qualquer jeito, e o que ficou sobrando caiu fora:

** ‘Natasha Richardson recebeu tratamento depois que o informado’

E o outro, sem dúvida, é melhor título da semana. Saiu num grande portal:

** ‘Autópsia definirá o que mortou Natasha Richardson’

A jovem mortou em consequência de acidentear-se.

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Jornalista, diretor da Brickmann&Associados