Thursday, 21 de November de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1315

Eliane Pereira

‘As crianças querem uma televisão que ajude a construir um mundo mais justo e solidário, que as ensine a viver melhor e mostre suas histórias e a de seus antepassados, mas contadas por elas mesmas, e não por adultos. No entanto, o que a mídia lhes oferece são programas em que não faltam visões estereotipadas e preconceituosas, atitudes violentas, o culto ao imediatismo e ao consumismo – uma mídia cada vez mais massificada e homogeneizadora, que devido a suas próprias características acaba se transformando num instrumento para esmagar diferenças. Esses dois aspectos – o que os jovens esperam da mídia em comparação com o que é veiculado – e maneiras de se modificar o panorama atual formaram o pano de fundo das discussões na 4ª Cúpula Internacional de Mídia para Crianças e Adolescentes, que reuniu cerca de 2,6 mil pessoas de 70 países na semana passada, no Rio de Janeiro.

Presidente da fundação que organiza o evento, criada na Austrália em 1995, Patrícia Edgar criticou duramente a mídia ocidental, salientando que, apesar de hegemônica, sua programação é em grande parte irrelevante para a maioria das crianças em escala mundial, além de incitar o consumismo e a violência. Ela citou como exemplo o caso da indústria de alimentos: ao descobrir o filão de consumo de crianças e jovens, as redes de comida rápida passaram a focar suas estratégias de marketing sobre esse público-alvo.

Fizeram isso não só com propaganda, mas com brinquedos, figurinhas e toda espécie de atrativos para vender sanduíches, pizzas, refrigerantes e batatas fritas, tudo servido em porções cada vez maiores. O resultado é que 25% dos norte-americanos até 19 anos de idade hoje são considerados obesos e, em decorrência disso, provavelmente terão problemas de saúde por toda a vida. ‘Neste contexto, a propaganda para crianças não parece ser benigna’, afirmou Patrícia, ao advertir que qualquer sociedade que subordina seus valores ao mercado fica dividida entre os que podem e os que não podem comprar, minando, assim, sua própria coesão interna.

Isso sem contar que um modelo dominante de conteúdo acaba por gerar uma espécie de censura, na visão da escritora Ana Maria Machado – detentora de um prêmio Hans Christian Andersen, considerado o Nobel da literatura infantil. ‘Uma mídia que utiliza linguagem única para se expressar está exercendo, na prática, uma forma de censura – o que costumo chamar de censura do sim, que não proíbe mas obriga a aceitar um só figurino’, disse, ao destacar a questão do preconceito embutido na programação.

Segundo ela, o estereótipo injeta preconceito nos corações e mentes. E poucas áreas culturais são tão cheias de estereótipo quanto o que é transmitido pela mídia ou o que é distribuído a crianças e adolescentes, sempre com a desculpa da necessidade de simplificação e da intenção educativa. ‘Toda vez que a mídia se limita a repetir e reproduzir produtos estereotipados, está reforçando atitudes e comportamentos preconceituosos futuros, principalmente quando é dirigida a crianças e adolescentes’, argumenta Ana Maria, ao apontar como saída a procura por ‘brechas’ que permitam levar ao público conteúdos diversificados e mais adequados.

Para o pesquisador argentino Néstor Canclini, dizer que a cultura mundial é a que se faz nos Estados Unidos é muito simplificador, pois as culturas nacionais persistem e são fortes em vários campos, como na música. Um dos grandes ‘pecados’ da globalização, no que diz respeito à mídia e à produção cultural, é a instantaneidade, a velocidade da informação e a comunicação barata, que propicia o esquecimento e faz desaparecer o sentido histórico das coisas. ‘Tudo acontece tão rápido que, para milhares de jovens de classe média e média baixa, o modelo de triunfo social é ser um ex-big brother’, criticou o pensador.

Vez e voz

E as crianças e os jovens, o que pensam de tudo isso? Cerca de 150 meninos e meninas de 12 a 19 anos, vindos de diversos países, participaram do Fórum dos Adolescentes, que, além de oficinas de TV, rádio, internet, animação, roteiro e crítica do audiovisual, fizeram a cobertura do evento para a Agência de Notícias Jovem, Arte e Cultura e elaboraram a Carta Multimídia do Rio de Janeiro, documento com suas conclusões e proposições sobre uma mídia de qualidade.

De fato, ouvir o que eles têm a dizer é fundamental, ensina Tatiana Merlo Flores, coordenadora do Instituto de Investigação em Mídia de Buenos Aires, ao ressaltar que a qualidade que as crianças querem nem sempre é aquela proposta pelos adultos. Sua última pesquisa, TV Como Te Quero?, revela que elas mantêm um vínculo afetivo com a televisão, que deve ser aproveitado e mais bem utilizado pelos produtores. As escolas também deveriam aproveitar esse vínculo com a TV, na opinião da pesquisadora.

‘As crianças querem uma TV que inclua em sua programação conteúdos que favoreçam a construção de um mundo mais justo, solidário e igualitário. Querem também conteúdos que as auxiliem no mundo do trabalho. Querem ver suas histórias, assim como as de seus pais e de seus avós. Histórias narradas por crianças, não por adultos. Desejam que a televisão as ensine a viver melhor. A qualidade que as crianças querem não é a qualidade que os adultos falam e pensam, é totalmente diferente. Por isso devemos escutá-las, pois elas são audiência e, na minha opinião, muito mais inteligente que a adulta’, completa Tatiana.

No final do encontro, os jovens deixaram seu recado: ‘Trabalhem conosco, não para nós. Queremos, sim, uma mídia de todos, uma mídia para todos, mas, principalmente, uma mídia por todos’.’

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‘Boas idéias do mundo todo’, copyright Meio & Mensagem 26/04/04

‘Apesar das diversas críticas endereçadas à mídia, seus produtores e patrocinadores, não faltaram exemplos de iniciativas para elevar a qualidade do que é veiculado para a juventude.

A então novata atriz Sônia Braga, como a professora Ana Maria, ao lado do boneco Gugu, na primeira versão brasileira de Vila Sésamo, na década de 70, e a nova versão dos bonecos

Apesar das diversas críticas endereçadas à mídia, seus produtores e patrocinadores, não faltaram exemplos de iniciativas para elevar a qualidade do que é veiculado para a juventude. Um deles foi o Prêmio MídiaQ, uma parceria da Midiativa com o Meio & Mensagem que vai premiar os programas de qualidade feitos para crianças e adolescentes na televisão brasileira. Já a MultiRio, empresa de multimeios ligada à Secretaria Municipal de Educação do Rio de Janeiro (e organizadora da cúpula, em parceria com a organização não-governamental Midiativa), lançou o Centro Internacional de Referência de Mídia para Crianças e Adolescentes.

A idéia, de acordo com a presidente da empresa, Regina de Assis, é montar uma rede de pesquisas, estudos e produtos em diferentes mídias e colocar o material à disposição num centro de documentação, sediado na entidade. Esse material poderá ser acessado por educadores, instituições de ensino e pesquisa e pelos interessados no tema mídia e educação. Cerca de 70 instituições já manifestaram interesse em se associar ao centro.

Também foi lançado o projeto Ação 17, uma rede virtual ibero-americana de jornalistas interessados no tema direitos da infância, que começa a operar no segundo semestre. Até o fim do ano será lançada ainda a Televisão América Latina (TAL), iniciativa de um grupo de profissionais brasileiros que já conta com a adesão de 29 emissoras de 12 países da região. A TAL será um canal, transmitido via satélite em banda ku, que mesclará programas de várias emissoras educativas da região. ‘Queremos ser um canal da América Latina para o mundo’, explica Gabriel Priolli, um dos coordenadores do projeto.

Para o ano que vem, o Brasil terá novamente no ar a série Vila Sésamo, graças à parceria do canal Futura com a Children’s Television Workshop (mais conhecida como Sesame Workshop, entidade que criou e licencia o programa). Exibida pela Globo entre 1972 e 1976, Vila Sésamo foi a primeira versão internacional do programa. A nova série terá 52 episódios de meia hora cada, com conteúdos e personagens criados por produtores e educadores brasileiros. Os programas serão distribuídos pela Fundação Roberto Marinho para mais de 10 mil instituições de ensino.’



Regina Augusto

‘Globalização e diversidade’, copyright Meio & Mensagem, 26/04/04

‘‘Passamos de uma etapa em que a globalização era sinônimo de homogeneização para uma outra em que se reconhecem as operações complexas em que os movimentos globais trabalham com a diversidade cultural, com as segmentações sociais e criam novas diferenças’

A cidade do Rio de Janeiro sediou na semana passada a 4ª Cúpula Mundial de Mídia para Crianças e Adolescentes. Trata-se do mais importante fórum internacional sobre a qualidade da produção de mídia para este público, novas tecnologias e políticas públicas, que pela primeira vez se realizou no Brasil. Um dos destaques do encontro foi a palestra do antropólogo argentino Néstor Garcia Canclini, que se dedica a estudar cultura urbana na Universidade Autônoma do México, na qual foram abordadas as novas tendências de consumo cultural de jovens e crianças e as estratégias da indústria de mídia para expandir sua difusão massiva e atender essa diversidade.

O ponto alto da apresentação foi a revisão dos conceitos de globalização. Para Canclini, passamos de uma etapa em que a globalização era sinônimo de homogeneização para uma outra em que se reconhecem as operações complexas em que os movimentos globais trabalham com a diversidade cultural, com as segmentações sociais e criam novas diferenças. Negando que a globalização seja o oposto de diversidade, o pensador argentino a definiu como um conjunto de processos que acentua a interdependência entre muitas sociedades e gera novos tipos de fluxos e estruturas. ‘As culturas nacionais persistem’, ressalta.

Como o encontro tinha como objetivo discutir conteúdo mediático para crianças e adolescentes, Canclini trouxe um importante aspecto nessa análise ao abordar o impacto da globalização sobre as novas gerações. Para ele, esta faixa do público está mais vulnerável à visão desconectada dos acontecimentos que se agrega à fragmentação com que se relacionam com o conhecimento. Nesse contexto, a internet tem um grande papel. ‘No entanto, nem o controle remoto nem o mouse organizam a diversidade cultural ou desenvolvem opções de vida inteligente.’do livro Consumidores e Cidadãos, o pensador argentino é enfático ao afirmar que ‘a luta pela cidadania passa pelo acesso à condição de consumidor’. Ou seja, a visão do consumo como sendo determinado apenas pelo interesse do capital seria parcial e até falsa. O consumo, na prática, seria então uma forma de linguagem através da qual cada um de nós fala sobre si mesmo e sobre a sua relação com os outros, marcando e deixando muito claro nosso lugar no mundo.

‘Nas novas gerações, as identidades se organizam, hoje, tanto a partir dos símbolos nacionais como também em torno daqueles produzidos por Hollywood, por uma rede de comunicação internacional ou por uma importante grife de moda global. Perguntas próprias dos cidadãos, como ‘A que lugar pertenço?’, ‘Que direitos isso me dá?’, ‘Como posso me informar?’, ‘Quem representa meus interesses?’ são respondidas mais pelo consumo privado de bens e dos meios de comunicação de massa do que pelo exercício das regras abstratas da democracia ou pela participação coletiva em partidos ou sindicatos enfraquecidos.’

Canclini vai mais fundo, provoca e rompe com a maneira tradicional de se pensar o consumo e os hábitos televisivos como mal irremediável, e propõe sua politização: ‘Faltam movimentos de consumidores, de telespectadores’ que possam exigir, opinar, protestar e pressionar. Algo que o anonimato e a impessoalidade da audiência não estimulam, mas que a busca pela qualidade e responsabilidade na produção de conteúdos pode começar a impulsionar.’



Projeto Juventude

‘Encontro discute a cara e a voz dos jovens na mídia’, copyright Boletim Projeto Juventude, 23/04/04

‘A mídia e sua relação com a juventude foi o assunto debatido na manhã desta sexta-feira, 23 de abril, no auditório do Instituto Cidadania, em São Paulo. Para dar o pontapé inicial, foram convidados o jornalista e presidente da Radiobrás, Eugênio Bucci e a apresentadora de televisão e colaboradora do Projeto Juventude, Soninha Francine. Entre os cerca de 20 presentes estiveram produtores de TV e jornal, rádios comunitárias, estudantes e projetos sociais ligados a comunicação.

A antopóloga Regina Novaes, representante do Projeto Juventude, abriu a mesa com questões sobre as especificidades da juventude, a forma como esta é representada na mídia e que acessos ela tem ao consumo e à produção de informações. Questionou ainda que tipo de políticas públicas, sejam do âmbito do Estado ou da sociedade civil, poderiam ser sugeridas para a área de mídia.

Eugênio Bucci abriu sua fala alertando para o que chamou de ‘mito da juventude’, construído pela cultura e em grande medida pela mídia. Segundo ele, apresentar uma pauta de reivindicações para a mídia não seria produtivo, uma vez que ela tem sua própria lógica de funcionamento.

Soninha Francine, na seqüência, pontuou diversos aspectos da qualidade da televisão, como a violência, a produção de identidades e os valores apresentados pela publicidade. Sempre a partir de exemplos concretos e conhecidos do público, apontou as contradições da juventude em relação à televisão, como o fato de ela assistir justamente aos programas que considera ruins e raramente identificar como jovens os programas produzidos para a juventude pelas emissoras. Soninha citou o Movimento dos Trabalhadores Sem Terra, o Islã e as drogas como assuntos que deveriam ser melhor abordados para o público jovem.

O microfone foi então aberto e teve início um debate acalorado. De inclusão digital a hip hop e rádios comunitárias, muitos assuntos foram cobertos. Produtores apontaram a dificuldade em dirigir-se ao público jovem, reconhecendo ao mesmo tempo sua primazia pelo fato de serem eles a maior fatia de consumidores almejada pelos veículos comerciais. A turma das rádios comunitárias, do hip hop e das faculdades de comunicação cobrou responsabilidade e democratização da mídia.

Bucci e Soninha concluíram o debate apontando algumas indicações de políticas públicas, como o controle da concentração dos meios de comunicação, a educação para a mídia no currículo escolar, criação de conselhos consultivos e órgãos de atendimento ao consumidor de mídia e o incentivo à regionalização da produção para promover a diversidade.

‘Midia e juventude’ faz parte de uma série de oficinas temáticas propostas pelo Instituto Cidadania para o Projeto Juventude. As oficinas devem acontecer até o início de maio, procurando aprofundar questões e recolher subsídios para o documento final do Projeto. Para terça, 27, está prevista a oficina sobre saúde.’