Wednesday, 18 de December de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1318

Em meio ao fogo cruzado

O jogo está aberto: o livro A CPI que abalou o Brasil (160 pp., Editora Futura, São Paulo, 2006; R$ 24,90), de Leonardo Attuch, da revista IstoÉ Dinheiro, cita acontecimentos, dá nomes, indica operações suspeitas que envolvem órgãos de imprensa. Informa que, após ter negado um financiamento de 1 bilhão de reais, a juros camaradas, uma empresa jornalística lançou seu principal veículo na luta pelo impeachment do presidente Lula. Mais do que isso, descreve a operação de aproximação e dá o nome dos intermediários, que podem confirmar ou desmentir a narrativa.

Uma outra empresa jornalística, diz o livro, conseguiu uma antecipação de receitas de publicidade de 2,5 milhões reais do governo federal, em troca de apoio.

A dúvida: vai ficar por isso mesmo? Empresas e jornalistas apontados como participantes de manobras antiéticas não irão se defender? As acusações estão num livro que tem vendido bem e são citadas em diversos veículos. Mais um pouco: outras publicações não se interessam em procurar os acusados, pessoas e companhias, em busca de sua versão dos fatos? Será que só vale procurar para entrevistas profissionais declaradamente golpistas e apresentá-los como personagens simpáticos, engraçados e folclóricos?

Um método muitas vezes seguro de esconder acusações é negar-se a respondê-las. Sabe como é, um livro tem alcance restrito, não é todo mundo que pode comprar, não é todo mundo que gosta de ler. Sem resposta, tende a ser esquecido. Mas cabe à imprensa – toda a imprensa, rádio, TV, internet, jornais, revistas – evitar que a tática do esquecimento seja utilizada. Que todos tenham o direito de defesa. Mas que ninguém possa fingir que não aconteceu nada.



Os joguinhos

O livro A CPI que abalou o Brasil, de Leonardo Attuch, permite um joguinho interessante: identificar personagens e empresas cujos nomes permanecem ocultos. Quem serão, por exemplo, ‘Peter Throat’ e ‘Pierre le Gorge’, fontes secretas do autor? Quem será o jornalista que procurou um poderoso empresário, propondo-lhe trégua em troca de uma aliança para derrubar o presidente Lula? E, a propósito, quem será o empresário? Qual o banco que teria dado 30 milhões de reais em dinheiro vivo, caixa 2 legítimo, a uma campanha presidencial? E o jornalista acusado de procurar um banco, ameaçando divulgar um dossiê contra a instituição, a menos que lhe fosse liberado o acesso às contas bancárias de determinada pessoa? O nome do personagem é citado, mas não se sabe se a empresa na qual trabalha autorizou a operação ou se foi tudo da iniciativa do próprio repórter.



Dúvida

Em A CPI que abalou o Brasil há acusações a alguns órgãos de imprensa e a alguns jornalistas. Mas serão essas as razões pelas quais a divulgação do livro pela imprensa tem sido tão rarefeita? Não, não deve ser. Não seria correto.



O alvo errado

Afinal de contas, a novela Prova de Amor, da Record, bate ou não no Ibope o até agora imbatível Jornal Nacional?

Não tem a menor importância – ao menos para nós, telespectadores, que não temos nada a ver com a tabela de preços da publicidade. Importante é verificar que um programa de outra emissora pode competir com o Jornal Nacional; e que o Jornal Nacional perdeu audiência a ponto de permitir essa competição.

Tudo bem, a novela Bang Bang não está indo bem e entrega ao Jornal Nacional um Ibope baixo. Só que esta não é a primeira novela da Globo que não vai bem, e nunca o Jornal Nacional foi ameaçado. A verdade é outra: transformado em lista telefônica de denúncias, em palanque de parlamentares desesperados por holofotes, em desfile de caras e bocas para salientar as acusações e de sorrisos sarcásticos para desqualificar as defesas, o Jornal Nacional ficou previsível. Na novela, o autor evita que o telespectador saiba antes da hora o que vai acontecer.



Diamantes da imprensa

1. De um grande jornal: ‘No alto do alto: visão da avenida Paulista com o Parque Trianon e o Masp: 2.678 metros que se percorrem em 3.818 passos, num espigão do qual se divisam os pontos cardeais de SP’.

Duas dúvidas:

a) como é que a gente faz para enxergar os pontos cardeais? Será o Sul mais pálido que o Oeste, mais alto e mais gordo que o Norte?

b) 3.818 passos. Passos de quem: de Élton, meia do Corinthians, 1m56 de altura, ou de Fernandão, 1m95, centro-avante do Internacional de Porto Alegre?



2. De outro grande jornal, que mostrava o projeto arquitetônico de uma torre no Marco Zero de São Paulo: a torre era bonita. Mas não ficava no Marco Zero.



3. Ainda o aniversário de São Paulo. Diziam que Cláudia Matarazzo, talentosa escritora e cantora, entre outras coisas adora a feira de sábado na Alameda Lorena. É uma bela feira, sem dúvida. Mas a feira de sábado é no domingo.



4. De um portal de internet: ‘Chuva de ministros inunda o Egito’.



Causidiquês

Este merece um destaque especial, porque saiu numa página da OAB. Falam ali em ‘consiliadores’.



Os números, sempre

As contas raramente estão certas. E o raciocínio lógico muitas vezes deixa a desejar. Num site, acusa-se o adversário de não levar em consideração ‘que quem paga o passe livre é o próprio pai ou a própria mãe do estudante. E que o benefício auxilia no orçamento da casa, visto que a família pode canalizar o dinheiro do passe do jovem ou da criança para comprar comida, roupa, remédio’. Ué, se quem paga o passe são os pais da criança, mesmo que seja em impostos, como é que sobra dinheiro? Ou o passe livre é um instrumento de redistribuição de renda (e aí a família pode gastar em outras coisas) ou é apenas uma antecipação do pagamento da passagem. E não serve para nada.



Veadagens (ou ‘queerages’)

Uma fiel leitora desta coluna lembra que, além de usar outras línguas supostamente mais chiques para evitar nosso português, que julgam grosseiro, os inventores de neologismos ainda erram nos idiomas estrangeiros. O anglo-português ‘fashionista’, por exemplo, é chamado de ‘stylist’ nos países de língua inglesa. E o tal ‘übermodel’ (forma afrescalhada de ‘supermodelo’) não é alemão corrente, não. É uma palavra que pode ser formada, mas não é usada – algo, digamos, como chamar futebol de ‘ludopédio’, ou motorista de ‘cinesíforo’.