Thursday, 21 de November de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1315

Empresas estrangeiras burlam a legislação

O Conselho Diretor da Agência Nacional de Telecomunicações (Anatel) aprovou, na sua reunião de n° 443, realizada no dia 18 de julho de 2007, por três votos contra dois, a compra da TVA (do Grupo Abril) pela Telefonica de España. Votaram contra os conselheiros Pedro Jaime e Plínio Aguiar. Este último fez questão de registrar por escrito a sua discordância, na análise 001/2007-GCPA, disponível no site da Anatel.


TVA MMDS


Segundo os documentos apresentados pelas duas empresas, a Telesp (de propriedade da Telefonica), através de sua subsidiária Navytree, passará a deter 100% das ações ordinárias (com direito a voto) e 100% das ações preferenciais das operações em microondas (MMDS) da TVA (São Paulo, Rio de Janeiro, Porto Alegre e Curitiba). E o Grupo Abril se retirará totalmente destas operações. Neste caso, não haveria o que rejeitar, já que não existe proibição legal para que uma operadora de telecomunicações seja dona de uma empresa de TV paga em microondas. 






* Todas as figuras utilizadas nesta reportagem em relação a compra da TVA pela Telefonica de España foram retiradas da análise 001/2007 GCPA, feita a pedido do conselheiro da Anatel Plínio Aguiar.


TVA SUL – cabo


Mas, a mesma Telesp, novamente através da subsidiária Navytree, terá também 49% das ações ordinárias (com direito a voto) e 100% das ações preferenciais da TVA Sul, que opera TV a cabo nas cidades de Curitiba, Foz do Iguaçu, Florianópolis e Camboriú. O limite de 49% das ações ordinárias se deve a proibição, presente na Lei da TV a Cabo (8977/95), de que o capital estrangeiro assuma o controle acionário de uma operadora de TV a cabo.


Na sua análise, o conselheiro Plínio Aguiar, contudo, aponta um fato importante. Os demais 51% das ações ordinárias da TVA Sul são de propriedade da empresa Datalistas. A família Civita, dona do Grupo Abril, possui 100% das ações ordinárias (com direito a voto) da Datalistas. E a Navytree (da Telesp) possui 100% das ações preferencias da Datalistas. Ainda que esteja formalmente de acordo com os limites impostos ao capital estrangeiro pela Lei da TV a Cabo, na prática a Telefonica de España assume o controle da TVA Sul e, conseqüentemente, das operações de TV a cabo em quatro cidades brasileiras. No capital total da TVA Sul, os Civita ficaram com apenas 8,5%, enquanto a Telesp possuirá os restantes 91,5%.






O fato de uma empresa estrangeira assumir o controle de uma operadora de TV a cabo é proibido pela Lei 9877/95 e, portanto, o Conselho Diretor da Anatel deveria ter rejeitado a operação envolvendo a TVA Sul, conforme recomendou o voto do conselheiro Plínio Aguiar.


NET Serviços


Mas, aqui surge a contradição do voto de Aguiar. Na reunião de n° 385 do Conselho Diretor da Anatel, realizada no dia 15 de março de 2006, e presidida pelo próprio Plínio Aguiar, a agência aprovou a compra da operadora de TV a cabo NET Serviços por parte da Telmex-Embratel (de propriedade do grupo mexicano Telmex). A NET Serviços não opera em quatro cidades, como a TVA Sul, mas em 44, entre elas São Paulo, Rio de Janeiro, Porto Alegre, Curitiba, Recife, Belo Horizonte e Brasília.


Segundo o próprio site da NET Serviços, a Embratel passou a deter 1,86% e a Embratel Participações 36,15% das ações ordinárias (com direito a voto) da NET Serviços (em um total de 38,01%). Além de, respectivamente, 8,62% e 6,59% das ações preferenciais.


Já a Globo reteve 1,68% das ações ordinárias (com direito a voto), enquanto sua subsidiária integral, Distel, ficou com 8,66% das mesmas ações ordinárias (em um total de 10,34%).


Menos de 1% das ações ordinárias (exatos 0,64%) estão com os antigos donos da Vivax, comprada recentemente pela NET Serviços.


Os restantes 51% das ações ordinárias são de propriedade de uma empresa chamada GB Empreendimentos e Participações. A existência da GB tem o mesmo objetivo de sua congênere Datalistas, na engrenagem societária da TVA Sul. Trata-se de burlar o limite de 49% de capital estrangeiro em operadoras de TV a cabo, constante da lei 8977/95.


A Telmex (dona da Embratel) possui 49% das ações ordinárias e 100% das ações preferenciais da GB, enquanto a Globo detém 51% das ações ordinárias e nenhuma ação preferencial da GB.


Assim, 51% das ações ordinárias da NET Serviços pertencem a GB Empreendimentos e Participações. E 51% das ações ordinárias da GB pertencem a Globo. Formalmente, portanto, o controle da NET Serviços está nas mãos da Globo, que é um grupo empresarial brasileiro (não havendo contradição com o limite ao capital estrangeiro que consta na Lei da TV a Cabo). Na prática, contudo, a maior parte do capital da NET Serviços está em mãos do bilionário mexicano Carlos Slim Helu, dono da Telmex e da Embratel.






E para que ninguém tenha dúvidas, os resultados da NET Serviços no ano de 2006, divulgados para o mercado, informam que a única empresa de telecomunicações a contratar a rede da NET Serviços foi a Embratel. Embora tenha dito que sua rede estava aberta para qualquer operadora (em benefício do próprio caixa da NET Serviços), a empresa jamais estabeleceu negociações com outra operadora que não fosse a Embratel.


O conselheiro Plínio Aguiar, que votou contra a compra da TVA Sul pela Telefonica de España, deveria ter sido coerente e votado igualmente contra a compra da NET Serviços pela Telmex. Já o conselheiro José Leite, porém, foi coerente e desconsiderou às evidências de controle estrangeiro em ambos os casos.


Pedro Ziller, que votou contra a compra da TVA pela Telefônica, esteve ausente da reunião que decidiu pela compra da NET Serviços. Votaram a favor da Telmex o então conselheiro Luiz Alberto da Silva e o substituto de conselheiro Ara Apkar Minassian. Votaram a favor da Telefonica  os conselheiros Antônio Bedran e Ronaldo Sardenberg. Estes dois não faziam parte do conselho diretor da Anatel quando da votação da compra da NET Serviços pela Embratel.


TVA São Paulo – cabo


Mas, o enredo dessa história fica ainda mais interessante quando lembramos que a Telefonica de España também comprou a Comercial Cabo, empresa da família Civita que distribui a TVA em São Paulo. Nesse caso, além do limite ao capital estrangeiro, imposto pela Lei da TV a Cabo, os novos contratos de concessão das operadoras de telefonia fixa, em sua cláusula 14.1, vedam que uma operadora tenha, na mesma cidade, outorgas para telefonia fixa e TV a cabo. Como todos sabem, a Telefonica, dona da Telesp, opera em São Paulo e, sendo assim, não poderia participar do controle da Comercial Cabo.


As operadoras de telecomunicações alegam que a cláusula 14.1 foi anexada aos contratos na véspera de sua assinatura, por pressão da Globo. Pela notória influência da Globo junto ao Ministério das Comunicações, a hipótese não pode ser descartada, mas é fato que as operadoras, mesmo assim, assinaram os contratos de concessão.


Dessa forma, a Telesp-Telefonica não poderia ter mais de 19,9% das ações da Comercial Cabo, porque isso significaria sua entrada no bloco de controle da empresa. A Telefonica usou, então, o mesmo expediente empregado por ela na TVA Sul e pela Telmex na NET Serviços.


A Navytree tornou-se dona de 19,9% das ações ordinárias (com direito a voto)  e 100% das ações ordinárias da Comercial Cabo. O restante das ações pertence a uma empresa de nome Lemontree. A família Civita, dona do Grupo Abril, possui 100% das ações ordinárias (com direito a voto) da Lemontree. Enquanto a Navytree (da Telesp) ficou com 100% das ações preferencias da Lemontree. Na prática, isso significa que a Telesp possui 86,7% do capital total da Comercial Cabo, contrariando de uma só vez a Lei da TV a Cabo e os contratos de concessão da telefonia fixa.






O acordo de acionistas


A grande diferença entre a operação de compra da NET Serviços pela Telmex e da TVA pela Telefonica é o fato de que os espanhóis resolveram ter a garantia contratual de que assumirão realmente o controle da TVA.


Segundo o acordo de acionistas, firmado entre os Civita e a Telefonica, a operadora espanhola cuidará da gerência e operação da infra-estrutura de comunicação da TVA Sul e da Comercial Cabo. E, no futuro, caso a legislação venha a permitir que a Telefonica compre a totalidade da TVA, os Civita declaram uma opção ‘irrevogável e irretratável’ de venda de suas ações para a empresa espanhola.


Mas, de acordo com a Regulamento para Apuração de Controle e de Transferência de Controle em Empresas Prestadoras de Serviços de Telecomunicações (a chamada Resolução 101, da Anatel), aprovado em 04 de fevereiro de 1999, tanto o ‘uso comum de recursos materiais, tecnológicos ou humanos’ quanto a ‘existência de instrumento jurídico tendo por objeto a transferência de ações entre as prestadoras’ caracterizam uma forma de ‘controle vedado por disposição legal’. Portanto, segundo resolução da própria Anatel, o contrato de acionistas firmado entre os Civita e a Telefonica fere tanto a Lei da TV a Cabo quanto os contratos de renovação das concessões de telefonia fixa, porque transferem de fato o poder da Comercial Cabo e da TVA Sul para a Telefonica.


Reunião prévia


O acordo de acionistas vai além e determina a existência de ‘reuniões prévias’. Nestas reuniões, os acionistas definirão os votos que darão, de ‘modo uniforme’, no Conselho de Administração e na Assembléia Geral. Todas as vezes em que for necessário discutir, nas reuniões prévias, ‘questões patrimoniais e de investimento’ (incluindo o plano de negócios e o orçamento anual), a decisão a ser tomada deverá contar com o voto favorável de todos os acionistas. As decisões relativas às subsidiárias e controladas também deverão passar antes pelas tais ‘reuniões prévias’. E a posição aprovada nestas reuniões vinculará obrigatoriamente o voto dos acionistas no Conselho de Administração e na Assembléia Geral. Se não for possível chegar a um consenso nas reuniões prévias, o item em questão deverá ser retirado da pauta do Conselho de Administração ou da Assembléia Geral.


Portanto, mesmo que tenha a maioria formal das ações da TVA Sul e da Comercial Cabo, a família Civita não pode tomar nenhuma decisão nestas duas empresas sem contar com o voto favorável da Telefonica de España, que passa a ter poder de veto.


Foi assim que, de jeitinho em jeitinho, Telmex e Telefonica assumiram o controle da maior e da terceira maior empresas de TV paga do Brasil.


***


Mudanças pouco transparentes


Na sua reunião 443, em que aprovou a compra da TVA pela Telefonica, o Conselho Diretor da Anatel decidiu, também, impor supostos limites para essa aquisição. Segundo o voto do relator, Antônio Bedran, é necessário a ‘comprovação, no prazo de trinta dias, da eliminação das relações de controle vedadas pelo Regulamento aprovado pela Resolução n.° 101, de 04/02/1999, da Anatel, e mencionadas no item 3.3.1.2 da Análise n.° 001/2007-GCPA, de 16/07/2007, do Conselheiro Plínio de Aguiar Júnior, mediante apresentação de novo acordo de acionistas’. O serviço Pay-TV News informou que por ‘relações de controle vedadas pelo Regulamento’ a Anatel entendeu apenas a realização das reuniões prévias, que, portanto, deveriam ser retiradas do acordo de acionistas.


O novo acordo de acionistas, com as mudanças propostas pela Anatel, foi aprovado pelo Conselho Diretor da agência no dia 31 de outubro. Até a publicação desta reportagem, ainda não estava disponível no site da Anatel a ata desta reunião. Portanto, não foi possível descobrir quais mudanças foram feitas de fato no acordo de acionistas firmado entre os Civita e a Telefonica em torno da TVA.