O presidente do Palmeiras insultou pesadamente o juiz que apitou a partida contra o Fluminense – até aí, até dá para passar, já que no futebol ninguém costuma reprimir suas emoções. Mas ameaçou agredir fisicamente o juiz, caso o encontrasse em algum lugar. Foi suspenso por nove meses – e, coincidência ou não, poucos dias depois, dois jogadores de seu time trocaram socos e tapas e foram expulsos de campo.
O cartola e boa parte dos meios de comunicação preferiram se fixar nos insultos, esquecendo a ameaça de agressão física. Muitos jornalistas lembraram que o presidente é xingado, o governador é xingado, os parlamentares são xingados, e punido é apenas quem xinga um juiz de futebol. Não lembraram que um dirigente de torcida organizada disse que se sentia liberado para agredir jogadores de seu time que estivessem rendendo pouco, porque era igual ao seu presidente.
O próprio presidente do clube, já bem menos feroz do que nos últimos dias, tenta partidarizar a questão, jogando a culpa nos meios de comunicação e em posições políticas dos (poucos) profissionais que o criticaram. ‘Eu só falei contra um tipo de atitude. Aí vem a imprensa e faz nheco-nheco. A imprensa agiu com o cinismo habitual. Conheço essa tigrada há muitos anos. Eram a favor da democracia e fizeram a ditadura’.
Dizem que o referido cartola é pessoa de trato agradável, conversa educada (exceto, naturalmente, quando discorda das marcações do juiz). Será por isso que boa parte dos meios de comunicação finge que não houve ameaça de violência física? Será por isso que boa parte dos profissionais da área não menciona que o time dirigido por ele disputou 27 pontos e ganhou só seis? Não, o time não teve suas oportunidades de vencer o título drasticamente reduzidas por um erro do árbitro que o cartola ameaçou agredir: o fato é que há um bom tempo seu rendimento em campo desabou. E que tem isso com democracia e ditadura?
Batom na cueca
Blogs diversos andaram buscando descobrir o endereço do árbitro que o cartola prometera agredir. Como surgiu esta movimentação de características nitidamente violentas?
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A história do reconhecimento do filho de Fernando Henrique com a jornalista Miriam Dutra provocou uma tempestade de protestos de leitores: por que o fato não tinha sido noticiado pela imprensa?
Acontece que o fato foi amplamente noticiado, e não só pela imprensa: até livros o mencionaram. Basta ir ao Google e pesquisar alguns segundos: há aproximadamente um milhão de citações do caso entre Fernando Henrique e Miriam Dutra. Como o Google não cria notícias, apenas as transcreve, fica óbvio que os fatos foram amplamente noticiados. Não foi informado quem não quis.
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A propósito, o caso Lurian – a filha que Lula teve com Miriam Cordeiro, antes de seu casamento com Marisa Letícia – tem menos registros no Google, à primeira vista (pode ser que, mergulhando-se em identificações diferentes, o número cresça), do que o caso Fernando Henrique-Miriam Dutra. A notícia ganhou mais peso, entretanto, por ter sido divulgada na TV, durante uma campanha eleitoral. Quem não sabe da história é porque não quis sabê-la, ou não teve interesse no assunto.
Mudando as palavras
A Amil comprou sua concorrente Medial Saúde e a imprensa chamou o fato de ‘consolidação do mercado’. A Perdigão comprou sua concorrente Sadia e a imprensa chamou a atenção para a força da nova multinacional brasileira, líder no mercado internacional de proteínas de aves. A Brahma comprou a Antarctica e a imprensa salientou a formação de uma empresa brasileira de bebidas de nível internacional, que por seu porte faria baixar o preço de cervejas e refrigerantes.
Antigamente, essas coisas se chamavam de ‘truste’ ou ‘cartel’. Sabia-se que a redução da concorrência faria com que os preços subissem, e não que caíssem. Mas hoje os fornecedores de informação ficaram mais bonzinhos. Não salientaram nem que a grande empresa brasileira de bebidas, antes dividida entre São Paulo (Antarctica) e Rio (Brahma) agora é Inbev e tem sua sede na Bélgica.
Os investigadores
Do professor e excelente repórter Cláudio Tognolli, membro da Abraji, Associação Brasileira de Jornalismo Investigativo, em seu twitter:
‘Um aluno fez o estudo: 95% do que saiu este ano, de investigação em jornalismo, veio pronto da PF, do MPF ou do MP. É o mensalão do riporti’.
Briga boa
Uma das melhores notícias deste ano é a guerra entre as redes Globo e Record. Não, nada a ver com reality shows ou com novelas: só com jornalismo. A presença da adversária obrigará cada uma das redes a tornar suas informações e denúncias cada vez mais robustas, sob pena de desmentido e desmoralização.
Briga ruim
Mas, se a disputa entre as emissoras é boa, a disputa partidária (‘meu candidato é mais bonito que o seu’, ‘seu apagão é pior do que o meu’, ‘a gente mente sobre títulos universitários, mas vocês também mentem’) é ruim. Há poucos dias, um diretor do Banco Central, Mário Torós, deu uma criticadíssima entrevista a respeito da ação da instituição durante a crise. Torós nada disse que já não fosse conhecido, mas não cabe a dirigentes financeiros dar entrevistas sobre um tema tão sensível quanto o trabalho do Banco Central.
Apenas um detalhe: o mercado tem um equilíbrio tão delicado que notícias sobre compra ou fusão de empresas, lançamento de ações, fatos que possam interferir nas cotações de Bolsa, só são anunciadas após o fechamento dos negócios. Divulgar inadequadamente esse tipo de informação pode configurar crime.
Em resumo, Torós não devia ter dado a entrevista, com informações conhecidas ou não – e não deveria falar nem mesmo depois de deixar o Banco Central. Mas isso não justifica o destempero de um jornalista normalmente menos bravo, reclamando que ele fosse denunciado à polícia.
Isso não se faz. Cabe ao jornalista mostrar a inadequação da conduta do agente público, mas não lhe cabe chamar a polícia. Há profissionais de outras áreas que cuidam disso – jamais os jornalistas. O papel da polícia é ser o braço armado dos governos. O papel dos jornalistas é investigar o trabalho dos governos.
A guerra das palavras
Os fatos que se danem: no clima de jogo de futebol que se instalou na área de comunicação da política brasileira, o importante é saber a quem ajudam, a quem prejudicam (e, a partir desta análise, a imprensa situacionista e oposicionista define até se o fato ocorreu ou não). Outra batalha interessantíssima é a das palavras: o apagão deste governo, para os militantes situacionistas, não é apagão, é blecaute. Já o apagão do governo anterior é apagão, mesmo.
Este colunista não pegou o início do uso no Brasil da palavra ‘blecaute’, do inglês black-out, em que as luzes eram apagadas para não indicar aos aviões inimigos o lugar certo a bombardear. Mas pegou a fase seguinte, em que Blecaute, um excelente cantor, fez sucesso com ‘General da Banda’ (na época, cantor negro não tinha nome: tinha apelido, como Blecaute ou Noite Ilustrada. Se não falha a memória deste colunista, Agostinho dos Santos foi o primeiro cantor negro brasileiro a ser conhecido pelo nome). Agora, as patrulhas da situação querem porque querem, sabe-se lá o motivo, chamar o apagão de blecaute, como se fosse o cantor de ‘O pedreiro Valdemar’. Pois vamos ao Caldas Aulete:
Apagão – Colapso parcial ou total no fornecimento de energia elétrica a grandes áreas, esp. urbanas, ou a toda uma cidade, um estado, país etc.
Blecaute – Falta generalizada de luz em um bairro, cidade ou região; apagão.
Sinônimos, enfim. Seja no governo Fernando Henrique, seja no governo Lula, blecaute é apagão, apagão é blecaute. A menos que o Caldas Aulete, respeitadíssimo e veteraníssimo dicionário editado pela primeira vez em 1881, na época dos lampiões de gás, antes que Lula e Fernando Henrique tivessem nascido, também esteja vetustamente empenhado em algum golpe contra as instituições.
O país da censura
A guerra da família Sarney a O Estado de S.Paulo é o lado mais visível da censura prévia, que é proibida pela Constituição e continua vigorando como se Constituição não houvesse. (O Estadão está proibido de publicar as gravações que obteve da Operação Boi Barrica, da Polícia Federal, a respeito das empresas dos Sarney.) Mas, se é o lado mais visível, não é o único: a mais recente manifestação de censura prévia atinge dois blogs de Cuiabá, Mato Grosso. O Prosa & Verso, de Adriana Vandoni, e o Página do E, de Enock Cavalcanti, estão proibidos pelo juiz Pedro Sakamoto, da 13ª Vara Cível, de ‘emitir opiniões pessoais’ sobre o deputado José Riva, do PP, presidente da Assembléia Legislativa local, que enfrenta 92 processos por improbidade administrativa e 17 ações criminais.
OK, Sua Excelência ainda não sofreu nenhuma condenação transitada em julgado, e portanto tem direito à presunção de inocência; mas os blogueiros estão sendo cerceados em sua liberdade de opinião, constitucionalmente garantida.
Vale a pena fazer uma pesquisa nacional: quantas pessoas estão sendo inconstitucionalmente submetidas a censura prévia?
Leonardo, jamais
Nos tempos da censura prévia a que o Jornal da Tarde e O Estado de S.Paulo foram submetidos, durante o regime militar, havia um censor chamado Leonardo (Leonardo de quê? Nunca soubemos). Ele morria de medo de que os jornalistas o ridicularizassem com alguma citação disfarçada, o que acabaria com sua reputação de censor feroz. Então, proibiu a citação do nome ‘Leonardo’. Mesmo falando da ‘Última Ceia’, ele só aceitava que se usasse ‘Da Vinci’.
Quem sabe o temor que se esconde no coração das pessoas que aprovam e exercem a censura prévia?
Como…
Manchete de um grande jornal, de circulação nacional:
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‘IPTU vai subir para 1,7 milhão’E quem vai aguentar pagar um IPTU deste tamanho?
…é…
Também de um grande jornal:
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‘Criação de vaga formal tem melhor outubro’É uma bela frase. E, se for muito bem interpretada, talvez até tenha sentido.
…mesmo?
De um grande portal esportivo:
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‘Tcheco se despede do Grêmio nesta quarta-feira’Seria um excelente título se não tivesse saído no dia 19 – quinta-feira.
E eu com isso?
Há notícias sem as quais não poderíamos dormir à noite. E há fatos noticiados que, certamente, atrapalharam muitas noites de quem os viveu. Por exemplo:
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‘Após 54 anos, zoo revela: tartaruga `fêmea´ é macho’É um problema mais comum do que se pensa. Há alguns anos, uma crocodila de avançada idade, que costumava atacar os machos que o zoológico punha na sua lagoa, revelou-se um crocodilo – e provavelmente cansado do assédio sexual a que foi submetido durante tanto tempo. Mas teve uma velhice condigna, agora ao lado de uma meiga e amorosa crocodila, cheia de amor pra dar, sobre cujo gênero não pairavam dúvidas.
Há notícias inestimáveis, que desmentem velhos tabus sexuais:
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‘Atriz de `Lua Nova´ ensina como usar curtos sem afetação’É como dizem as sexólogas e muitos homens interessados no tema: o importante não é o tamanho da varinha de condão, mas o que se faz com ela.
Existem notícias que mostram como a tentação de insultar os outros deve ser contida (atenção, dirigentes esportivos! Contenham-se também nas ameaças de agressão!):
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‘Deputada chama colega de `gordo´ e tem de se desculpar’Este colunista conhece bem o problema. Costuma ser chamado de gordo quando, na verdade, é baixo. De acordo com seu peso, deveria medir 2m44.
E nunca faltam notícias que mostram este país como ele é:
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‘Senadores convidam fundação esotérica para explicar apagão’Trata-se da Fundação Cacique Cobra Coral, até agora especializada em evitar tempestades que não aconteceram (mas que, segundo sua dirigente máxima, a médium Adelaide Scrittori, que recebe instruções diretas do espírito do falecido Cacique Cobra Coral, aconteceriam se não fosse sua interferência). A julgar pelo convite do Senado, a Fundação Cobra Coral ampliou seu escopo de atividades para geração e distribuição de energia.
E há o frufru puro e simples, a fofoca pelo prazer da fofoca.
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‘Capa da Playboy anima festa com Hebe Camargo’**
‘Lindsay Lohan não consegue esconder lábios rachados’**
‘Jesus Luz usa a mesma camiseta de segunda’**
‘Polícia procura ladrão que perdeu pedaço do nariz na hora de fugir’**
‘Thaila Ayala é duramente criticada por frase no Twitter’**
‘Jayme Monjardim e Tânia Mara vão ao cinema no Rio’**
‘Katie Holmes aparece abatida e com visual desleixado’**
‘Vice de futebol garanti que zagueiro não veste mais a camisa alviverde’‘Garanti’ é um errinho bobo, de digitação. Mas ficou engraçado.
O grande título
O caro leitor conhece O Homem que Arquivava Telhados? Exatamente: assim com o Ricardo Kotscho arquivou o seu, antes tão abundante? Pois este é o tema da manchete de um grande jornal do Sul:
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‘Uczai vai arquivar o teto’Pedro Uczai é um deputado petista de Santa Catarina, ex-seminarista, e o jornalista Marco Zanfra, gente fina, avaliza seu bom trabalho e competência. Mas não é competente o suficiente para arquivar um teto. O que se imagina é que o título tenha algo a ver com a fixação de um teto salarial para os servidores estaduais.
Temos um daqueles títulos que não cabiam na página e, já que não cabia, botaram só um pedaço. Até caberia um pouco mais, se a frase não fosse tão esquisita e redundante, mas enfim é o que temos:
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‘Brasil e Inglaterra são se tornam parceiros na Copa e na’Mas há um clássico da não-notícia, contra o qual não há título que resista:
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‘Homem que teria jogado filho de prédio teria dito que levaria criança para banho de sol’Quem poderá dizer o que aconteceu?
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Jornalista, diretor da Brickmann&Associados