Thursday, 21 de November de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1315

Esperanças renovadas

A piauí de maio publica texto em primeira pessoa da jornalista argentina Graciela Mochkofsky sob o título “Ilusões perdidas”, que poderia ser substituído pelo deste tópico, “Esperanças renovadas”: seu desencanto com a mídia tradicional não a levou a desistir do jornalismo crítico de qualidade, mas a criar a revista digital el puercoespín, depois de passar pelo Página/12  – quando o jornal “fazia os presidentes do momento tremerem”, pelo tradicionalíssimo La Nación e pelas universidades americanas Columbia e Harvard. 

Graciela surgiu no radar da mídia brasileira em 5 de agosto de 2012, quando a Folha de S. Paulo publicou reportagem da correspondente em Buenos Aires, Sylvia Colombo, sobre novas experiências de mídia digital (“Com humor e crítica, jornalismo digital cresce na América Latina”). Graciela estreou na piauí em dezembro de 2012 (“Cristina em metamorfose. As encarnações da presidente argentina e as dúvidas sobre o futuro do kirchnerismo”, em colaboração com Gabriel Pasquini, seu marido e também diretor de El Puercoespín).

Proibido apurar demais

A narrativa de Graciela publicada na piauí de maio fala de algo muito conhecido dos jornalistas com um mínimo de vivência e lucidez. Nem é indispensável que tenham lido o romance de Balzac do qual foi tirado o título do artigo. Ao relatar um episódio vivido no La Nación, Graciela escreve:

“– Isto que você escreveu – escuto certa noite do meu editor –, que tem meu artigo do dia sobre a mesa, todo anotado – é impecável. Confirmei pessoalmente a informação com todas as fontes. – E acrescenta, terminante: Nunca mais faça isso”. 

E, adiante:

“Boa parte do meu trabalho cotidiano consiste numa queda de braço, não mais com aqueles que, instalados no poder, querem impedir a publicação de certas ações e planos que esperam manter ocultos, e sim com meus editores, que esperam que meus artigos sigam a visão menos crítica do jornal e que avaliam a informação conforme os interesses editoriais do momento”.

Esqueçam mocinhos

Em artigo para o El País traduzido pelo Observatório, Graciela desmonta os discursos do poder e de um dos contrapoderes:

“Existem duas narrativas predominantes sobre o enfrentamento entre o Clarín, o maior grupo de mídia da Argentina, e o governo de Cristina Kirchner. Uma sustenta que, ao atacar Clarín, o governo busca esmagar a imprensa livre, sufocar o pensamento crítico e destruir o substrato da democracia. A outra assegura que Clarín é o eixo do mal, o culpado de todos os problemas nacionais, e que sua destruição será seguida, automaticamente, por uma impressionante melhoria da qualidade de nossa democracia. Nenhuma das duas versões reflete a realidade (leia a íntegra)”.

El Puercoespín é um reduto de boas reportagens e de avaliações sensatas sobre os caminhos do jornalismo. Em 9 de maio, publicou entrevista feita por Javier Valenzuela, veterano do El País, com Edwy Plenel, veterano do Le Monde que em 2008 criou o jornal digital Midiapart.

É um diálogo do qual vale traduzir alguns trechos:

Listas de intocáveis

Valenzuela – “Com frequência me perguntam se no El País sofri censura. Minha resposta é que tudo que lá publiquei era verdade, porém não toda a verdade que eu conhecia. Qualquer jornalista da casa sabia que havia pessoas, empresas e instituições intocáveis. E isso é muito frustrante, termina convertendo o jornalista num cínico ou num rebelde”.

Batalha feroz

Plenel – “A revolução industrial vivida por nossa profissão aguça a batalha entre a informação e o entretenimento; o que pode terminar matando o jornalismo é a vitória da diversão”.

Valenzuela – “Se o objetivo dos meios escritos, sejam digitais ou impressos, é o que agora ditam seus donos e dirigentes, conseguir o máximo de audiência a qualquer preço, fica claro que não há modo melhor de alcançá-lo do que pela via do espetáculo circense”.

Plenel – “Exato. O máximo de audiência só se pode conseguir com diversão. Foi o que provocou o descaminho da gratuidade total na internet de tantos periódicos, essa abertura na rede de todos os seus conteúdos, para ganhar muita visitação e, logo, muita publicidade. Grandes diários, como aqueles em que nós dois trabalhamos, quiseram copiar o modelo de sucesso das cadeias de televisão. E isso foi nefasto”.

A função dos jornais

Valenzuela, após Plenel ter dito que Mediapart publica três edições diárias, “retomando uma tradição dos jornais impressos mais dinâmicos” – “Por que não? Por que aquela forma de êxito no papel não pode servir para o digital? Afinal, a grande maioria das pessoas não passa o dia checando online quais são as últimas novidades, tem outras coisas para fazer. Os leitores de diários digitais esperam a mesma coisa que os leitores em papel: que lhes contem histórias que apuraram, que as ordenem, hierarquizem e tentem explicar o caos do mundo”.