A reportagem de capa da Veja (26/10) sobre a indignação contra a corrupção tem o mérito de constatar que o grande catalisador das manifestações realizadas em várias cidades brasileiras foi a reação da presidente Dilma Rousseff às primeiras denúncias graves de corrupção em seu ministério. A figura simbólica de presidente tem muita força em qualquer lugar, talvez mais ainda num país em que tanta coisa importante acontece de cima para baixo.
À luz dessa relação de causa e efeito, o confronto de ideias entre partidários e adversários das manifestações perde o sentido quando é cavalgado por, respectivamente, oposicionistas e situacionistas. Esses opinadores atribuem aos manifestantes inspirações e propósitos que eles não têm.
Lição do barão
A revista apresenta uma numerologia vazia. Primeiro, porque o cálculo do montante de corrupção é uma conta necessariamente falsa, já que corrupção é crime e, portanto, feita sem registro. Os números que se conhecem reportam-se aos casos investigados, pequena parte do todo. Segundo, porque não explica como chegou ao número de R$ 85 bilhões (2,3% do PIB) drenados anualmente pela corrupção. Menciona uma “estimativa” da Fiesp – cujas bases metodológicas são desconhecidas – de R$ 720 bilhões garfados em dez anos.
Terceiro, porque a tradução dos R$ 85 bilhões em obras e atividades que essa soma permitiria realizar é mera fantasia para ilustrar a reportagem. Como se fosse possível escolher uma só dessas opções e jogar nela todo esse inexistente dinheiro.
O mais curioso é, entretanto, um “esquecimento”: Veja não diz uma palavra sobre o papel decisivo de grandes empresas privadas na corrupção. Não são só os corruptos que ficam mais ricos. Os corruptores ficam ainda mais ricos. Cabe a frase com que o Barão de Itararé ironizava o dito de Augusto Comte segundo o qual cada vez mais os vivos são governadores pelos mortos: “Os vivos são cada vez mais governados pelos mais vivos”.