Friday, 22 de November de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1315

Galés, masmorras, fogueira

Um dos homens mais inteligentes deste país, Octavio Frias de Oliveira, comandante da Folha de S.Paulo, costuma dizer que uma das vantagens de ser velho é que já se viu tudo acontecer, e também ao contrário. Nós, jornalistas mais velhos, vimos a imprensa colocar-se ao lado dos advogados de defesa, contra as cassações, contra as inquisições (na época do regime militar, o equivalente às CPIs eram os inquéritos policiais-militares, IPMs, que também pretendiam combater a corrupção), em favor das vítimas.


Hoje vemos – ao menos no caso deste colunista, com temor – a imprensa se colocar ao lado dos acusadores, sempre a favor das cassações, em prol das inquisições, contra os defensores. A coisa chegou a tal ponto que ninguém mais pode, aos olhos da imprensa, ser absolvido: absolvição é coisa feia, é pizza. Exige-se condenação, sempre, e a penas severas. E os advogados de defesa se transformam também em acusados: fulano foi absolvido porque teve bons advogados. Ué, e desde quando é crime exercer sua profissão com competência?


Se o Congresso fosse obrigado a acatar as recomendações do Conselho de Ética, não seria preciso votar. O Conselho de Ética – como o Tribunal de Contas – é órgão auxiliar, de assessoria. Dá pareceres. Cabe a decisão ao plenário. Como, num inquérito policial, ou do Ministério Público, cabe a decisão aos tribunais.


A imprensa tende, hoje, a crer na acusação – no promotor, no parlamentar inquisidor, no relatório (que se supõe neutro) dos técnicos que trabalham com o inquisidor. E tende a desmerecer o trabalho da defesa – dos advogados, principalmente, e dos assessores de imprensa. O ideal seria levar a sério tanto acusação como defesa, sem privilegiá-las. E lembrar que um dos pilares do Direito e da democracia é que é melhor errar absolvendo do que condenar quando há dúvida.




Números


O levantamento é do site Espaço Vital: sete dos maiores bancos do país arrecadam, só em tarifas, mais que o Orçamento de 26 estados. Banco do Brasil, Bradesco, Caixa Econômica Federal, Itaú, Unibanco, Santander-Banespa e Nossa Caixa cobraram de seus clientes 31 bilhões de reais pela prestação de serviços, em um ano. Só o estado de São Paulo, em todo o Brasil, tem orçamento superior a este. Detalhe: dos sete bancos, três são estatais.


Detalhe saboroso: o Espaço Vital dá esse tipo de notícias sobre bancos sempre com o mesmo e preciso título – ‘Os vorazes’.




Delícias de imprensa


1. De um grande jornal, no domingo: o jornal ‘procurou ontem’ a firma, ‘por meio do telefone da assessoria que consta do site da empresa, mas não conseguiu ouvir a companhia’. Ontem, para um jornal de domingo, significa sábado. E desde quando é possível encontrar algum funcionário de alto nível numa empresa, num sábado?


2. Também num grande jornal, a respeito do advogado Roberto Bertholdo, acusado de irregularidades: ‘Bertholdo está detido e não foi localizado’.


3. Em outro grande jornal, legenda da foto da Galeria Pagé, em São Paulo, famosa pela venda de produtos, digamos, paraguaios: ‘A fachada colorida do prédio da Galeria Pagé, no Centro’. Segue-se uma foto em preto e branco.


4. Título de um portal de internet: ‘Acnur corta metade do orçamento em Darfur devido a insegurança’. O leitor que decifrar a charada ganha uma gravação do Roberto Jefferson cantando Nervos de Aço. Traduziu? Não? Então vai lá: Acnur é Alto Comissariado das Nações Unidas para os Refugiados. Darfur é a região do Sudão onde milícias árabes massacram cidadãos negros, em nome da ‘limpeza étnica’ – novo nome daquilo que, antigamente, se chamava genocídio.




A queda dos jornais


O leitor Marcel Leal, de Itabuna (BA), entra no debate sobre a queda da circulação dos jornais. Em sua opinião, não há queda no número de leitores de jornal, mas sim de jornais impressos. Os mesmos leitores que liam os impressos lêem hoje a versão online. A Região, por exemplo, tem hoje 45 mil leitores online; segundo Marcel Leal, a edição impressa nunca teve tal número de leitores.


OK, Marcel: isso acontece, também. Mas, por mais que a internet tenha se expandido, não chegou a tomar mais de 1 milhão de leitores da Folha, 1 milhão do Estadão, 1 milhão do Globo. Há dez anos os três jornais disputavam a liderança, aos domingos, na faixa de 1,5 milhão de exemplares. E hoje?


Talvez a resposta seja mais próxima do que disse a este colunista um executivo do mercado financeiro: ele lê a parte que lhe interessa e foge do resto, porque está cansado de só encontrar más notícias. Pior: às vezes, até as más notícias estão escritas de maneira tão esquisita que ele ainda precisa se esforçar para entendê-las.




Boiolagem


Já houve época em que o chique era o francês: um colunista jamais chamaria um banheiro de banheiro, mas de ‘toilette’. Seios? Peitos? Não, ‘poitrine’. E a bunda, uma palavra exclusiva do idioma português falado no Brasil, uma palavra deliciosa, quase onomatopaica, virou ‘derriére’. Hoje o chique é o inglês. Modelo é ‘top model’, o cachorro-quente é ‘hot-dog’, o sanduíche de atum é ‘tuna fish’. Mas bem que o pessoal, antes de usar o inglês, podia aprender um pouco. Vamos lá:


1. Cast é o elenco. Casting é o ato de formar o elenco. Uma TV tem ‘cast’, não ‘casting’;


2. Aquele botão de propaganda, especialmente propaganda política, é ‘button’. ‘Botton’, como muitas vezes o povo escreve, é o sobrenome de um antigo empresário muito festejado, e que não tem nada a ver com isso. ‘Bottom’, a outra forma que gostam de usar, é a parte de baixo. Em certas regiões, quer dizer ‘bunda’ (mas podem me chamar de ‘derriére’)


3. O desenho de um produto é ‘design’. E quem elabora este desenho é o ‘designer’. Designer é a pessoa que trabalha no caso; design é o resultado.




Coisa feia


Alô, Edinho Araújo! Alô, prefeito de São José do Rio Preto! Que coisa mais feia esta de negar ao Diário da Região informações de interesse público!


Explicando: o Diário da Região, de Rio Preto, pediu a relação de prestadores de serviços à Secretaria Municipal da Cultura. Pois não é que a prefeitura decidiu negá-la? Bobagem: se não existe nada, parece que existe. E, se existe, acabará sendo descoberta, mais cedo ou mais tarde. A briga não parou no Diário da Região: a Associação Paulista de Jornais se solidarizou com o jornal atingido. Esta coluna também apóia o Diário da Região. O prefeito Edinho Araújo, que tem uma boa biografia, pretende manchá-la atacando a imprensa?

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Jornalista, diretor da Brickmann&Associados