Cada lado, claro, se considera prejudicado pelo noticiário; cada lado, claro, enxerga nos meios de comunicação mensagens subliminares de apoio aos inimigos. Mas esta guerra entre Israel e o Hamas é, de longe, a que oferece melhor cobertura de imprensa, do ponto de vista da busca da realidade.
Conforme a posição de cada leitor, ouvinte, internauta ou telespectador, ele se irrita com determinadas notícias. Em alguns casos, não importa se a notícia é verdadeira ou falsa: o que importa é que a notícia é incômoda e ele preferiria não recebê-la. Há os que só acreditam em informações vindas de seu lado da guerra; e há outros que fazem uma pergunta clássica, que qualquer jornalista já deve ter ouvido dezenas de vezes, algo como ‘mas precisava publicar essa notícia’?
Nos confrontos entre Estados laicos e grupos religiosos fundamentalistas, entre Ocidente e Oriente, entre democracias e ditaduras, entre progresso e atraso, este colunista tem lado. Mas notícia é notícia, jornalista tem de respeitá-la. E dá para ver que, muito mais do que nas guerras anteriores, os veículos de comunicação se esforçaram para tornar a cobertura mais ampla, mais pluralista, com mais nuances. E, usando com competência o trabalho de especialistas brasileiros e estrangeiros, deram um interessante tom técnico ao noticiário.
Nestes momentos de crise, os meios de comunicação se agigantam. Sabem, portanto, como fazê-lo. O grande trabalho agora é usar a mesma receita no dia-a-dia.
Censura burra
Quando sufocaram uma rebelião comunista na Malásia, os ingleses, mestres nesta arte, impuseram censura total à imprensa: nenhum jornalista estava lá para narrar ou fotografar o que acontecia, nenhum jornalista podia ir até o outro lado para ouvir a versão dos rebeldes.
Só que isso faz tempo. Agora, ao proibir a entrada de jornalistas na Faixa de Gaza (uma decisão derrubada pela Suprema Corte), Israel conseguiu dar aos inimigos o controle absoluto da notícia. Os poucos jornalistas que já estavam em Gaza trabalhavam em emissoras como a Al-Jazeera, do governo do Qatar, e seu compromisso claro sempre foi com o lado Hamas da guerra. Notícias, fotos, entrevistas, tudo saiu de um lado só – e isso porque o outro, abdicando de sua posição democrática, preferiu desistir da notícia.
Burrice; e a burrice se multiplicou depois da decisão da Suprema Corte israelense de liberar o acesso de jornalistas a Gaza. As forças israelenses obedeceram, mas criaram todo tipo de restrição logística aos correspondentes. Resultado: além dos jornalistas que já estavam em Gaza e que tendiam para o Hamas, os correspondentes, continuamente hostilizados por Israel, foram empurrados para o outro lado. E é preciso saber que censura hoje não consegue existir: com telefones celulares que fazem tudo (e que, no Brasil, só faltam falar, porque até cobrar a mais já sabem), com internet, com VOIP, não há censura que resista. Só serve como tiro no pé.
Lá e cá
Lá, pelo menos, há a desculpa da guerra. Aqui não há qualquer desculpa: a equipe do jornal A Tarde, de Salvador, foi ameaçada e ficou presa por cerca de meia hora no estacionamento do Hospital Municipal de Simões Filho, no interior baiano. Dois vigilantes a serviço da Secretaria Municipal da Saúde desempenharam as funções de carcereiros, exigindo que a repórter Marjorie Moura e o fotógrafo Eduardo Martins desistissem da matéria sobre as más condições de funcionamento do hospital. Parabéns à repórter e ao fotógrafo: resistiram à pressão e levaram as informações (de que as condições eram ruins, mesmo) para o jornal.
Mate e viva tranquilo
Estamos entrando no nono ano. Em 2000, o jornalista Antônio Marcos Pimenta Neves matou com dois tiros sua namorada Sandra Gomide. De lá para cá, foi condenado a 19 anos de prisão, teve a pena reduzida para 15 anos, e ficou preso mesmo por sete meses, até 2001. De lá para cá, está livre, leve e solto. A subprocuradora da República Delza Curvello Rocha recomendou ao Superior Tribunal de Justiça (STJ) que o júri que condenou Pimenta seja anulado; se a relatora do caso, ministra Maria Tereza de Assis Moura, da 6ª Vara do STJ, aceitar a recomendação, o processo volta ao início. Pimenta, réu confesso, tem boas chances de jamais ser condenado.
Pela pena que o júri lhe impôs, o crime estará prescrito em 20 anos. Mas Pimenta tem mais de 70 anos, o que reduz o prazo à metade – dez anos. Em agosto, nove anos já se terão completado. Se até agora, quase oito anos e meio depois dos tiros, o processo continua emperrado, será demais esperar que não se conclua antes da prescrição?
O morto sumiu
Por falar em crime sem castigo, um cavalheiro que saía em alta velocidade do restaurante do chiquérrimo Hotel DPNY atropelou quatro pessoas em Ilhabela, SP, matando uma, o corretor de valores Ricardo Whately Thompson, e ferindo três. O atropelador foi levado à delegacia, acompanhado por seus advogados, recusou-se ao teste do bafômetro ou ao exame de sangue, pagou fiança e foi embora. Chama-se Ítalo Bacchi. É pai de uma atriz de TV – que, como não tem nada com o caso, não terá seu nome aqui citado.
É um caso importante. Tudo indica que houve no mínimo imprudência no momento em que o atropelador deixava o restaurante. Tudo parece indicar que a Lei Seca foi violada – se não o fosse, por que não se submeter ao exame? O fato é que Whately Thompson, que morreu, tinha quase dois metros de altura, 140 quilos, e foi atirado pelo carro a vários metros de distância.
A notícia saiu e sumiu. Os meios de comunicação, em peso, a esqueceram. Na missa de sétimo dia estavam o presidente da BMF Bovespa, o investidor Naji Nahas, gente importante, e nem nas colunas sociais houve notícia. Ninguém entrevistou os funcionários do hotel, as testemunhas, o delegado. Por quê?
Sinopse
O presidente Lula, na entrevista em que declarou que os jornais lhe dão azia (ver aqui), disse que, todos os dias, conversa com o ministro da Comunicação Social, Franklin Martins, para saber das notícias. Conversa também com a assessora Clara Ant, em quem tem confiança total. Beleza: o presidente vê o mundo a partir do relato de duas pessoas, e não de uma variedade de meios de comunicação.
O presidente Lula já era personagem da cena política brasileira quando o jornalista Sebastião Nery descobriu que, no governo do general Ernesto Geisel, a coletânea de notícias entregue ao general-presidente não incluía fatos importantes, que pudessem aborrecê-lo. E Geisel, severo, carrancudo, bravo, era assim enganado facilmente. Dê uma olhada no Google, em ‘Sebastião Nery’ ‘Sinopse’. É interessantíssimo.
Oásis…
Outra dirigente bravíssima, Catarina a Grande, czarina de Todas as Rússias no século 18, ficava feliz quando viajava pelas províncias e via aldeias muito bem arrumadinhas, pintadinhas, com gente visivelmente feliz nas ruas limpas e cuidadas. Nunca soube que seu amante e primeiro-ministro, o príncipe Grigori Potemkin (em cujo nome foi batizado, mais de cem anos depois, o famoso encouraçado) mandava maquiar todas as aldeias que ficavam no roteiro da imperatriz. Na época não havia jornais na Rússia que pudessem alertá-la. Mas, se houvesse, que serventia teriam se provocassem azia em Sua Majestade Imperial?
…de felicidade
Num grande jornal brasileiro, em certa época, nenhum pauteiro servia: o diretor de Redação achava todos incompetentes, e acabava por dar-lhes outras funções. Um dia, encontrou o pauteiro de seus sonhos, a quem elogiava sempre que tinha chance. O pauteiro contou aos amigos, então, como é que trabalhava: ao acordar, ia de táxi para o jornal, com caderneta e caneta nas mãos. Passava pelo endereço do diretor de Redação e, daí em diante, até o jornal, tomava nota de todos os problemas: buracos, árvores em perigo, ruas mal sinalizadas. Como aquele caminho, para o diretor de Redação, era tudo o que conhecia da cidade, o pauteiro acertava sempre. Talvez não fosse bom para o jornal; para ele, funcionou.
Crise a caminho
Atenção: embora a imprensa brasileira esteja cobrindo bem a crise do gás entre a Rússia e a Ucrânia, uma crise que atinge a Europa, está faltando aquela costura de noticiário que mostre o que significa a falta de gás no frio europeu. Gás, no Brasil, quer dizer cozinha (para a maior parte da população, o uso industrial do produto ainda é pouco conhecido). Na Europa do início do ano, pode significar a diferença entre a vida e a morte. A indústria sofre, claro; as termelétricas, que fornecem a maior parte da energia, sofrem. E a população sofre com o frio.
Este é um problema que pode facilmente degenerar em algum tipo de conflito. As relações entre Rússia e Ucrânia são tradicionalmente tensas, desde o desmantelamento da União Soviética; e a Rússia, no caso da Geórgia, mostrou que não aceita desafios nas proximidades de suas fronteiras.
Erro feio
Este colunista pisou na bola na semana passada, ao se referir à cidade natal do presidente Lula. É Caetés, pertinho de Garanhuns, não Crateús.
Como…
Saiu num grande jornal, daqueles de circulação nacional, dando a notícia daquele americano que, fantasiado de Papai Noel, matou várias pessoas: ‘Falso Papai Noel atira (…)’
Como se sentirá o Papai Noel verdadeiro ao ler essa notícia?
…é…
De um importante portal noticioso:
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‘Palestino tenta fugir de explosão em um campo de refugiados no Sul do Líbano, em Sidón’Só que Sidón, a velha cidade fenícia, não tinha nada a ver com a história. A guerra ocorria em Gaza, muito, muito longe dali.
…mesmo?
De outro portal noticioso:
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‘Ator Pedro Neschling sofre queda e é levado ao hospital’O caro colega já percebeu que ninguém mais se limita a cair? Todos agora ‘sofrem quedas’. Aliás, nem a Bolsa mais ‘cai’: ela ‘despenca’.
Pense em Maysa: ‘Meu mundo despencou’. Ou ficaria melhor ‘Meu mundo sofreu uma queda’?
E eu com isso?
O mundo está muito complicado: na novela ninguém sabe quem é pai de quem, quem é mãe de quem, quem é irmão de quem, nos telejornais é preciso decorar nomes de foguetes e caças, nosso presidente diz que tem azia conosco.
Vamos pensar leve – leve como aquela cerveja que provoca espirros, que horror!
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‘Giovanna Antonelli janta com Murilo Benício e o namorado’**
‘Rodrigo Hilbert corre da chuva na saída de academia’**
‘Jessica Simpson lava o cabelo com xampu apenas duas vezes ao mês’**
‘Márcio Garcia toma banho de mangueira na Barra da Tijuca’**
‘Jessica Alba leva filha para brincar em parque’
O grande título
Há semanas em que é difícil escolher. Veja só:
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‘Biólogos decifram canção de amor do mosquito da dengue’Temos um título em que é fácil identificar o erro de digitação. Mas ficou bem engraçado:
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‘Menino que prendeu a mãe em escada rolante no RS deve passar por nova cirurgia’Na chamada de capa saiu assim. Lá dentro, no texto, esclarece-se: é a mão.
Há um título magnífico, com troca de palavras:
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‘Campeão mundial morre de boxe em acidente de carro’E aqueles em que a construção da frase fica mais complicada que discurso de general da ditadura:
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‘Investigado se houve erro em caso de bebê dado como morto’Nada, entretanto, supera um título da área de Ciência:
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‘Bactérias escravizam vírus para fazer `sexo´ com outras espécies’Que será que quer dizer esse ‘sexo’ entre aspas?
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Jornalista, diretor da Brickmann&Associados