Não sou leitor da revista Veja, nem faço questão de ser. Gostaria de deixar isso claro. Mas fiquei curioso em ver o que poderia ter ali naquelas páginas para comprometer o revolucionário Guevara Lynch de la Serna (vulgo ‘Che’) quarenta anos depois de sua morte – a serem completados nesta 2ª semana de outubro.
Realmente fiquei curioso em saber que revelações a revista traria a respeito de um sujeito que poderia ter vivido uma boa vida na Argentina, ‘num ambiente cultural razoavelmente requintado’, como escreveu o sociólogo Eder Sader, mas que renunciou a tudo isso e preferiu viver em prol de causas sociais e lutas por ideais de justiça. De fato, queria saber que máculas eram essas que colocariam à tona a ‘farsa do herói’.
Depois de folhear a revista por alguns minutos, percebi que em poucas linhas de ódio e rancor a edição apenas delineava acusações de cunho puramente ideológico. O propósito de Veja é tentar conter a crescente simpatia que a juventude nutre pelo ‘ser humano mais completo de nossa era’, como o definiu um dos maiores escritores do século 20, Jean-Paul Sartre.
Falta de credibilidade
Com exceção da entrevista de um dos algozes de ‘Che’, Félix Rodríguez – soldado cubano que se tornou estadunidense e foi enviado pela CIA à Bolívia para ajudar a assassinar Guevara –, não havia nada de novo.
É uma pena Guevara não estar vivo para processar a revista por calúnia e difamação.
Fiquei pensando em me atrever a escrever alguma coisa em nome do ‘Che’ para responder às infâmias produzidas naquela edição da semana passada.
Por alguns momentos pensava que era melhor não. ‘É perda de tempo’, resignava-me. Como conclusão, cheguei a pensar que a revista é escrita para um público de classe alta e média boboca, que tem tudo do bom o do melhor e vive reclamando pateticamente da vida e dos pobres.
Jogada no chão do quarto uma semana depois, a capa da edição me chamou a atenção e acabei revendo-a. Fiquei olhando com certa indiferença o exemplar até que me ocorreram alguns pensamentos. Imediatamente me surgiu na cabeça o cunho ideológico da revista. Depois veio a tamanha falta de credibilidade que a revista tem em função de sua parcialidade descarada.
Decisão irrevogável
Nem mesmos os senadores e deputados da esfacelada direita usam a revista como parâmetro para fazer barulho com o denuncismo da revista Veja. Somente a turma do falido Cansei ainda levanta a voz para dizer bobagens do tipo: ‘Isso é verdade, eu vi na Veja.’
Mas ao revê-la hoje, percebi de imediato que o texto traz um erro logo nas primeiras linhas. A revista deixa a entender que ‘Che’ Guevara havia morrido no dia 8 de outubro de 1967. O que não é verdade. Che foi assassinado um dia depois.
Olhe o que a revista escreveu sobre o depoimento de um dos algozes de Che, Félix Rodríguez. Num cinismo descarado, o algoz diz, a respeito do assassinato de Guevara:
‘As instruções que recebi dos Estados Unidos eram para poupar sua vida (…) A ordem para sua execução veio por rádio, de uma alta autoridade boliviana. Era uma mensagem em código: `500´, `600´. O primeiro número, 500, significava Guevara. O segundo, que ele deveria ser morto. Tentei em vão convencer os militares bolivianos a permitir que ele fosse levado para ser interrogado no Panamá. Eles negaram meu pedido e me deram um prazo. Eu deveria entregar o corpo de Guevara até as 2 horas da tarde. Perto das 11h30, uma senhora aproximou-se de mim e perguntou quando iríamos matá-lo, pois ouvira no rádio que ‘Che’ havia morrido em combate. Naquele momento compreendi que a decisão de executá-lo era irrevogável’ (declaração do algoz ao repórter da revista, Duda Teixeira).
Pouco mais de uma hora e meia depois do anúncio da tal senhora, ‘Che’ seria assassinado com tiros na cabeça, no tórax e nas pernas. Segundo o algoz Rodríguez, Guevara foi executado sumariamente às 13h10, no fatídico 9 de outubro de 1967.
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Jornalista, editor do blog ‘Mídia Alternativa: A Hora e Vez’, Brasília, DF