Abra a caixa de entrada de e-mails. Ali o caro colega encontrará de tudo: boas informações, opiniões bem embasadas, opiniões amalucadas, informações sem a menor importância. E dezenas de notícias sem sentido, muitas vezes distribuídas por gente séria, de boa-fé. Pergunte se há algo que sustente aquela informação aparentemente incabível e há boas chances de receber a resposta-padrão, dada até mesmo por jornalistas: ‘Eu só estou repassando’. Como se, só repassando, o divulgador de uma infâmia esteja dispensado de qualquer trabalho de checagem da informação. Como se, só repassando, possa atentar, sem qualquer problema, contra o caráter e a reputação de terceiros.
No caso do recente ataque à imagem do jornalista Boris Casoy, o fenômeno ficou explícito: alguns atacaram Boris por considerar sua atitude errada, inaceitáveis os comentários que fez sobre garis perto de um microfone acidentalmente aberto (e têm todo o direito de externar sua posição), ou por não gostar dele, ou por divergências ideológicas. Outros seguiram a manada e ‘apenas repassaram’.
Todos se basearam numa reportagem publicada há pouco mais de 40 anos pela revista O Cruzeiro, já na etapa final de decadência, sem se preocupar com a correção das informações lá contidas (logo depois, sob o comando de Alexandre von Baumgarten, a revista se transformaria em órgão oficial dos setores de informação do regime militar). Houve testemunhas oculares que deram depoimentos pessoais, com a força de quem assistiu aos acontecimentos (e que, portanto, seriam dignos de crédito). Só que as coisas não poderiam ter acontecido daquele jeito. Como ensina qualquer romance policial, nem sempre a testemunha é confiável, ainda mais tantos anos depois dos fatos que testemunhou.
Tomemos dois personagens públicos, atacados pela revista (e pelos que ‘apenas repassaram’, ou endossaram conscientemente o que O Cruzeiro disse): o próprio Boris Casoy e o advogado José Roberto Batochio, ex-presidente da OAB, ex-deputado federal, que durante um bom tempo foi o político paulista mais ligado a Leonel Brizola. Boris e Batochio foram apontados como ‘pertencentes ao CCC’, o Comando de Caça aos Comunistas, grupo neonazista formado por alguns estudantes da Universidade Mackenzie, envolvido na invasão da Faculdade de Filosofia da USP; ambos foram apontados como participantes da batalha entre estudantes que terminou com um morto e o prédio da Filosofia depredado.
Na época em que o CCC se destacou, Batochio já era formado, já tinha carteira da OAB, já advogava (veja seu diploma e sua carteira da Ordem); há mais de um ano tinha deixado a faculdade. A foto que O Cruzeiro publicou, de um jovem magrinho, barbudo e bigodudo, não é dele: Batochio nunca foi magrinho e não é magrinho até hoje. E na carteira da OAB, desta mesma época, sua foto datada mostra um rapaz de cabelos curtos, sem barba e sem bigode.
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Mesmo assim, quantas pessoas não foram levadas a acreditar em fatos que nunca ocorreram apenas porque alguns jornalistas se empenharam numa batalha ideológica e foram seguidos pela manada do ‘só repassei’? Um jornalista que ‘só repassou’ não terá qualquer responsabilidade no character assassination?
A propósito, Boris e Batochio não estavam no cenário da guerra entre as faculdades. Ambos já eram profissionais; ambos estavam em horário de serviço.
Notícia é notícia
Sobre o mesmo tema, vale a pena ler o blog de Sérgio Buarque de Gusmão, fundador do Instituto Gutenberg, publicado em 28 de janeiro, sob o título ‘Fortuna e miséria dos blogues’.
Sérgio Buarque de Gusmão está bem à esquerda deste colunista, mas ambos temos posições coincidentes na defesa da notícia e no repúdio à contrafação. Ou, em outras palavras, no jornalismo correto, com informações tão bem apuradas quanto possível, aquele em que o consumidor de informações possa acreditar.
Quem doa, quem recebe, quem noticia
A julgar pelo noticiário, a moralização dos costumes do país passa pelo que se está chamando de ‘doação oculta’ de campanha: aquela doação absolutamente legal mas que, em vez de ir direto para um candidato, vai para o partido, para que o partido decida soberanamente como vai gastá-la.
É legal, mas será imoral? Não: se os candidatos têm de pertencer a partidos para poder disputar, se os votos para o Legislativo são contados para a legenda, qual o problema de doar para o partido? Imagine-se um eleitor ideológico, um socialista ferrenho: por que não poderia doar para o Partido Socialista Brasileiro, em vez de fazer a doação para o social-socialista Paulo Skaf?
Mas, normalmente, o que leva as empresas a doar para partidos, e não diretamente para candidatos, tem muito a ver com os meios de comunicação. Se alguém doa para um candidato que ganhe a eleição, passará os quatro anos seguintes sob a lupa da imprensa, que relacionará qualquer concorrência que ganhe com a doação que fez. É um texto padrão: ‘a empresa X, que doou N reais para a campanha de Fulano, venceu a concorrência (…)’. É um texto padrão e maldoso, porque insinua sem dizer, ataca sem necessidade de comprovação.
Quais as alternativas à doação para o partido (ou, na linguagem jornalística, ‘doação oculta’), que significa evitar tornar-se refém dos meios de comunicação, na prática impedido de negociar com o governo? Ou a doação para o candidato, com as consequências acima, ou a doação no caixa 2, e aí já se está fora da lei.
Campanha financiada com recursos públicos? Em primeiro lugar, seria preciso convencer a opinião pública de que mais dinheiro de todos não está sendo dado aos políticos. Em segundo lugar, não adianta nada: quem quiser trabalhar fora da lei usará os recursos públicos e saberá onde buscar o dinheiro de caixa 2. Na Alemanha, onde o financiamento público de campanha existe, o primeiro-ministro Helmut Kohl teve a carreira política encerrada quando se descobriu que recebia doações clandestinas.
O melhor seria fazer como nos EUA: doa quem quer, declaradamente, legalmente, e a quantia arrecadada pelos candidatos funciona como termômetro de sua capacidade de administração. Menos regulamentação, menos corrupção.
O grande Zé, por um grande repórter
Lula teve problemas de saúde que, esperemos, sejam breves e totalmente sanáveis; nada que uma pequena mudança de hábitos, precedida por jogar os cigarros fora, não possa resolver. Mas, embora Lula tenha muito mais carisma, muito mais popularidade, quem emociona mesmo a população com sua luta pela vida é o vice-presidente José Alencar.
Vale a pena ler o excelente relato de Ricardo Kotscho sobre Alencar. Almoçaram juntos no restaurante paulistano favorito do vice-presidente – o Generale, do grande Leonel, na rua Pamplona, 957, à esquerda de quem desce – e Kotscho, sempre bom repórter, narra a conversa que tiveram. Veja ‘Um dia na vida de Zé Alencar, a unanimidade nacional‘. Vale, cada minuto gasto na leitura.
Notícias dos escombros
Parece incrível, mas surgiram maneiras de informar a população haitiana sobre o que está acontecendo no país. Programas nacionais de rádio como o Nouvelles-Utilles, uma criação da ONG Internews (que mandou ao país duas estações transmissoras portáteis e seis técnicos), informam como encontrar água potável, como ter acesso ao recolhimento de lixo, quais os bancos que voltaram a funcionar. Há, além da rede nacional, emissoras locais que retransmitem os programas; e os rádio-amadores, que prestam um serviço que outros meios de comunicação não podem suprir. O rádio continua sendo insubstituível.
O Brasil, lá
Uma pergunta à qual é dificílimo responder: quais os jornalistas brasileiros no Haiti realizam o melhor trabalho? No meio de tantas dificuldades e riscos, o trabalho de todos é de primeiro nível, com notícia, emoção, clima. As revistas vão bem, os jornais vão bem; na TV, quem zapeia encontra temas diferentes, diferentes maneiras de fazer a cobertura, todas boas.
Há quem diga que cobrir tragédia é fácil: para onde quer que se olhe, há notícia, há emoção. A prática é diferente, e exige até, dos repórteres, cuidados com a própria sobrevivência e integridade física que não são comuns em coberturas. Pior: ali, além de concorrer entre si, cada repórter sabe que seu trabalho está sendo comparado com o das grandes redes internacionais. Mostraram-se à altura.
Os cinco minutos
Há muitos e muitos anos, um cavalheiro se apresentou ao chefe de reportagem de um grande jornal paulista e propôs uma pauta: mostrar como era frágil a segurança dos bancos. O jornalista se entusiasmou, designou repórter e fotógrafo, colocou um carro do jornal à disposição do grupo. O cavalheiro que liderava a comitiva provou tudo o que queria: enganou a segurança, assaltou o banco e sumiu com o dinheiro, deixando repórteres e motorista para explicar-se à polícia. E para explicar ao dono do jornal que tinham participado de um assalto a banco.
Não, não são coisas passadas. Há pouco, uma rede de TV, sabe-se lá por que motivo, alugou um táxi clandestino para gravar um programa no aeroporto de Congonhas, em São Paulo. Deu azar: a polícia interceptou o táxi. Deu mais azar ainda: para fugir da polícia, o motorista do táxi acabou ferindo um fiscal do aeroporto.
O grande escritor italiano Dino Segre, codinome Pitigrili, hoje meio fora de moda, dizia que todos os seres humanos estavam sujeitos a cinco minutos diários de imbecilidade. A diferença entre os gênios e as pessoas comuns é que, em seus minutos de imbecilidade, os gênios não faziam nada. Pois é: tem gente que exatamente nesses minutos tem espasmos de hiperatividade.
Gentileza
O ministro da Previdência, José Pimentel, garantiu à TV que nenhuma categoria profissional teve ganho maior que os aposentados e pensionistas. Os aposentados tiveram 6,14%. O salário mínimo subiu 9,68%. E deixaram o homem falar, sem lhe explicar que 9,68% é mais do que 6,14%.
Às vezes, como dizia Kate Lyra, nos tempos em que Lula, Fernando Collor e Paulo Maluf eram adversários, ‘brasileiro é tão bonzinho!’ O absurdo dito em rede nacional pelo ministro da Previdência passou liso.
Prepotência, arrogância, ilegalidade
Parecem os tempos da ditadura militar: o Ibama, que deveria proteger o meio ambiente, prendeu uma equipe de jornalismo da Rede Bandeirantes, tomou a mão armada a máquina de um fotógrafo e apagou as imagens ali registradas e ameaçou manter presos os profissionais – sem mandado, sem conhecimento da Justiça, na ilegalidade total – a menos que apagassem todas as imagens e deixassem o equipamento no local. A violência aconteceu na semana passada em Novo Progresso, no Pará, onde os jornalistas registraram a Operação Boi Pirata – em que o pessoal do Ibama e da Força Nacional de Segurança maltratou 600 bois que, ao que se saiba, não tinham passagem anterior pela polícia. O gado foi transportado por mais de três mil quilômetros sem comer e sem beber. E isso pelo pessoal que cuida do meio ambiente e que, supõe-se, deveria gostar de animais e respeitá-los.
Como pode cuidar do meio ambiente quem maltrata animais? Como pode cuidar do meio ambiente quem maltrata gente? Alô, presidente Lula! Teremos de volta os tempos do general Médici?
Crescendo
O jornal Repórter Brasil, da TV Lula, entrou nesta semana na internet, em versão integral (e gratuita). Veja aqui. Segundo a informação oficial, o programa já tinha 19 mil acessos diários nas exibições experimentais.
Quem é a família?
O Ministério Público do Trabalho (MPT) exigiu da Rede Globo (e foi atendido pelo autor, Manoel Carlos, para evitar maiores complicações) que a personagem vivida pela menina Klara Castanho na novela Viver a Vida fosse modificada: a menina fazia o papel de vilã e, se não houvesse a mudança, os promotores poderiam tentar tirá-la da novela, alegando que o trabalho talvez provocasse hostilidade pública contra ela. À primeira vista, maravilhoso: estão protegendo uma criança. Mas, olhando mais longe, o MPT parece estar atropelando o pátrio poder – o direito dos pais de conduzir a vida dos filhos. Se a família concorda com o papel dado à filha, onde fica o envolvimento dos promotores? Aqueles garotos e garotas alugados a ‘pais de rua’ para pedir esmolas, com a obrigação de entregar todos os seus ganhos aos patrões, merecem menos proteção do que uma garota que vive com a família e trabalha?
É uma questão urgente: em nome do bem-estar de quem já é protegido pela família, busca-se proibir propaganda de produtos infantis, ataca-se um autor como o desenhista Maurício de Souza, internacionalmente premiado por seu trabalho em favor das crianças e contra o racismo, e sabe-se lá mais o que pode ocorrer. É preciso definir se as crianças devem ser cuidadas pela família, por seus pais, ou por funcionários públicos que não têm com elas qualquer vínculo afetivo.
Como…
De um grande jornal, noticiando um falecimento:
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‘O morto teve um mal súbito na curva do Shopping Ponteio’
…é…
De um portal noticioso da internet:
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‘Cirurgia feita por Faustão é proibida pela Justiça Federal’O Faustão é um talento múltiplo: trabalhou em Redação, foi repórter de campo, transformou-se em apresentador, sempre com brilho. Mas este seu lado de cirurgião é novidade.
…mesmo?
De um grande jornal:
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‘…e entrou com ação judicial para tentar caçar a medida’Deve ser caça ilegal. É urgente: alguém precisa alertar a Sociedade Protetora das Medidas!
Caprichando no título
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‘De um portal noticioso da Internet, onde a pressa permitiu um belíssimo título com duplo sentido:**
‘40% das crianças não têm pai registrado em Maceió’O registro das crianças não tem pai ou o pai das crianças não tem registro?
E eu com isso?
É preciso acompanhar a evolução dos costumes, conhecer os novos hábitos, perceber as tendências. Vejamos:
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‘Supermercado britânico proíbe clientes de pijama’**
‘Esquiar no sofá vira moda nos EUA’**
‘Ivete Sangalo usa short ‘estratégico’ em apresentação em Salvador’**
‘Katy Perry aparece sem maquiagem e exibe espinhas no rosto’**
‘Vladimir Brichta e Adriana Esteves namoram em sorveteria’**
‘Rihanna avisa que vai ao Grammy sozinha’**
‘Pai de Lindsay Lohan foi preso em Nova York’**
‘Gisele Bündchen diz em entrevista que deu à luz dentro de banheira’
O grande título
Nada de muito importante, mas mesmo assim os títulos são bons.
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‘Pneu furado leva motorista à prisão no RS’E como é que o pneu furado conseguiu dizer o clássico ‘teje preso’?
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‘Cláudia Leitte diz que levou uma ‘encoxadinha respeitosa’ de Akon’O rapper também tentou agarrar uma jovem que participa do BBB. A propósito, como é que seria uma ‘encoxadinha desrespeitosa’?
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‘Bebê nasce com dois pênis no Peru’Então são três.
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Jornalista, diretor da Brickmann&Associados