Um famoso marginal carioca, Lúcio Flávio Villar Lírio, que virou até herói de filme, costumava protestar duramente contra a corrupção policial. Queixava-se: ‘Polícia é polícia, bandido é bandido’. Pouco depois, na pior fase da ditadura militar, uma das reivindicações da imprensa era proteger-se contra o exercício da profissão por policiais que se faziam passar por jornalistas. A luta para que polícia e jornalismo não se misturassem teve grandes vitórias. Agora, infelizmente, vemos muitos jornalistas loucos para desempenhar funções policiais.
Há coisas visíveis, como fantasiar-se de policial para obter imagens exclusivas. E coisas menos visíveis, como os jornalistas que levam e trazem informações da polícia, sem sequer se dar ao trabalho de checá-las; como os repórteres que, em vez de publicar as notícias que obtiveram, preferem entregá-las às autoridades.
Há jornalistas que, nos anos de chumbo, valorizavam o direito de defesa, colocavam-se a favor do respeito aos direitos humanos, mantinham-se sempre perto de um advogado (até porque, em certos momentos, só a ação firme deste advogado poderia mantê-lo vivo, incólume e em lugar conhecido). Hoje criticam ‘os advogados pagos a peso de ouro’ – os mesmos que, no passado, os defenderam de graça – e criticam os direitos individuais. A seu ver, uma polícia que não seja atrabiliária, uma investigação que não ofenda os direitos humanos e a possibilidade de acesso dos advogados à acusação, para que possam preparar a defesa, atrasam a punição dos culpados. Defendem a execração pública dos investigados, sem qualquer julgamento. Repetem, quase com as mesmas palavras, o refrão da direita fascista: direitos humanos são coisa de bandido. E bandido, naturalmente, é quem eles consideram bandido, e que o juiz só terá o direito de condenar. Ai do juiz que tiver idéias próprias e absolver algum cavalheiro que a imprensa considera culpado! Será patrulhado e atingido por toda sorte de insinuações.
Parafraseando Júlio Mesquita, em sua histórica polêmica com Eduardo Prado, isso não é imprensa, ou melhor, imprensa não é isso.
A culpa da vítima
Frase de um festejado comentarista de televisão, a respeito do filme Batman: ‘Ninguém filma Paris acabando ou Londres em pó. Mas americano paranóico só pensa em inimigos. As próprias torres encarnavam uma arrogância arquitetônica, pedindo bombardeio (…)’
A frase está errada, claro. ‘Paris está em chamas?’, pergunta de Adolf Hitler a seu general von Choltitz, virou livro e filme. Paris foi filmada sob bombardeio e sob ocupação; a Batalha da Inglaterra foi tema de muitos filmes, Londres sob as bombas da aviação nazista. E dizer que as torres pediam bombardeio equivale a dizer que a moça foi estuprada por causa daquelas roupas reveladoras. Pior do que atribuir às vítimas a culpa do crime, justifica o terrorismo. Inaceitável.
Meliante, suposto, quem sabe?
De certa forma, é um bom hábito: indica que os meios de comunicação hoje se preocupam em reduzir as acusações indevidas. O sujeito só passa a ser chamado de meliante, elemento, bandido, depois de condenado (ou quando se transcreve alguma peça do Ministério Público ou da polícia).
Mas há exageros. Aquele garoto que atirou a esmo dentro de um cinema não é ‘suposto atirador’. É atirador, mesmo. O sujeito apanhado em flagrante quando mata alguém não é ‘acusado de matar’, é matador mesmo (pode ser absolvido, se a Justiça considerar que há motivos para isso, mas o fato de não ser punido não significa que não tenha matado).
O professor de jornalismo Álvaro Larangeira traz um caso exemplar, tirado de um grande jornal:
‘Suspeito de ter matado jovem britânica se diz arrependido em GO’
E analisa:
‘Silogismo jornalístico:
a) Ele é o suspeito;
b) Ele confessa;
c) Logo, ele não é mais o suspeito’.
Mais claro, impossível.
Última flor…
Num grande jornal, a reportagem mostra a dificuldade de encontrar sementes de papoula para uso culinário. E entrevista uma senhora que ainda tem um pequeno estoque, mas é preciso ‘polpar’.
Parece que as sementes devem ser espalhadas com a ‘pauma’ da mão.
…do Lácio
Também de um grande jornal (e em título!):
**
‘Tarso responde delegado’.Pelo jeito, a regência verbal segue o mesmo caminho da regência trina, de antes de D. Pedro 2º: deixa de existir. Este colunista até tentou outra possibilidade, de que alguém tenha perguntado ao ministro da Justiça qual a profissão de, digamos, Paulo Lacerda, e ele tenha respondido ‘delegado’. Mas não, o tema era outro. Além disso, o ministro Tarso Genro jamais conseguiria responder a uma pergunta com uma só palavra.
Como é mesmo?
O título é de um portal importante:
**
‘Espírito Santo lidera ranking de produção industrial, diz IBGE’Terá São Paulo, finalmente, perdido a liderança industrial no país?
Não: o que ó título gostaria de dizer é que o Espírito Santo liderou, neste ano, o ranking de aumento da produção industrial. Um pouco diferente.
E eu com isso?
Tudo bem, a abertura das Olimpíadas de Pequim foi assunto por dois ou três dias (este colunista, lembrando ainda o ursinho Mischa das Olimpíadas de Moscou, ficou decepcionado com a festa chinesa). Mas os principais temas de conversa são outros: são os que se seguem.
**
‘Antonio Fagundes leva a namorada ao teatro’**
‘Carol Castro aparece sentada na capa da Playboy‘**
‘Ivete Sangalo repete roupa de Cicarelli’**
‘Mulher Melancia janta com namorado no Rio’**
‘Carolina Dieckmann pegou carrapato’**
‘Junior Lima `se joga´ na noite paulistana’O grande título
Muita coisa boa, muita coisa boa. Temos títulos daqueles que faltou completar, como…
**
‘Índia: Murdoch investirá US$ 100 mi para em canais’**
‘Aspirantes a sucessor de Olmert evitar eleições’Temos aqueles que precisam de interpretação:
**
‘Engavetamento entre nove veículos mata um na Dutra’E este colunista nem sabia que os veículos estavam vivos!
Há uma excelente série de duplo sentido:
**
‘Fabiana Murer recebe varas após epopéia’**
‘Não deu: Juliana desiste dos Jogos de Pequim’**
‘Cachorro comendo o rabo’Seria melhor colocar ‘o próprio’, não é mesmo? Gente com maus pensamentos, como este colunista e boa parte de seus leitores, pode fazer interpretações que provavelmente não corresponderão às puras intenções do autor do título.
O melhor título está na categoria dos que precisam de explicação:
**
‘Dunga pede chute para evitar `pecado´’Alguém tem a explicação?
******
Jornalista, diretor da Brickmann&Associados