Qual a causa da baderna em São Paulo? Qual seu custo? Como enfrentá-la?
É difícil explicar, é difícil calcular, é difícil sugerir. Mas, se não for para isso, por que alguém irá comprar um jornal?
A informação bruta, instantânea, vem pelo rádio e pela internet. As imagens estão na TV. Ou a imprensa escrita processa a informação, traduzindo-a, hierarquizando os fatos, buscando explicações, ou se torna desnecessária.
Um advogado de renome, Beno Suchodolski, em artigo num grande jornal, a Folha de S.Paulo (5/7/2006), informou que o tráfico dá aos caloteiros uma chance de escapar da pena de morte: matar policiais, incendiar ônibus, aterrorizar a cidade. Depois, sabendo que a polícia vai querer vingança, informa quem foram os executores dos crimes. Os esquadrões da morte os liquidam, fazendo o serviço para o tráfico [abaixo, o artigo de Suchodolski].
Alguém na imprensa pesquisou as informações? Alguém procurou aprofundar o assunto? Pois é. Ninguém procurou também aprofundar as acusações que dirigentes políticos de importância, como Jorge Bornhausen e José Serra, fizeram ao PT. Ou as acusações têm um fundo de verdade, e merecem ser analisadas, ou são totalmente falsas, e seus autores merecem o descrédito geral.
E a tal Força Nacional, caros colegas? Qual a opinião dos especialistas em segurança pública sobre sua utilidade no caso paulista? Qual o resultado da atuação da Força Nacional no Espírito Santo? E no Mato Grosso do Sul?
Jornal custa caro e suja as mãos com tinta. Por que se dar ao trabalho de lê-lo, se não traz as informações que não encontramos no rádio, na TV e na internet?
Os nossos homens-bomba
Beno Suchodolski – copyright Folha de S.Paulo, 5/7/2006
O impiedoso assassinato de dezenas de policiais em São Paulo, seguido da matança de mais de duas centenas de supostos criminosos, contém elementos insuspeitados de uma nova variante da dinâmica de ação e reação na esfera dos comportamentos anti-sociais. Os ‘cidadãos de bem’, a imensa maioria dos habitantes do Estado, sentem-se vingados com a eliminação de mais de duas centenas de ‘bandidos’, possivelmente muitos inocentes entre eles, punição exemplar sem qualquer esforço de apuração da responsabilidade pelos homicídios praticados contra os policiais. A sociedade como um todo parece satisfeita com a rapidez da vingança; e a consciência coletiva, de duvidosa existência, não dá qualquer indicador de efetiva repulsa ao assassínio dos criminosos, pobres diabos.
Afinal, pensam, morreram bem merecidamente porque eram bandidos.
Um punhado de defensores dos direitos humanos de carteirinha se mantém militante na defesa da lei. Mas São Paulo não parece emocionada com o esforço desse grupo. A pena de morte, que não existe -no Brasil, foi aplicada, por atacado, sem julgamento prévio, por meio de uma matança coletiva. A cidadania foi vingada. Mas quem foram as vítimas da vingança? Teriam sido os assassinos dos policiais? Que informação existe, disponível publicamente, sobre as vítimas desse genocídio?
Vamos nos perguntar – primeiro – quem teriam sido os assassinos dos policiais. No sistema de distribuição de drogas, os traficantes que não honram o pagamento pelos fornecimentos são condenados à morte e eliminados pelas quadrilhas. O inadimplente recebe um prazo para pagar. Se não efetuar o pagamento, morre.
Inadimplente, o pequeno traficante sabe que sua vida não vale nada. A qualquer momento será assassinado. Na gíria dos criminosos é chamado de ‘binladen’, apelido que contém a idéia inequívoca de ser um homem marcado para morrer. Todos os dias, na cidade de São Paulo, circulam centenas de ‘binladens’: não têm mais crédito para continuar seu negócio do tráfico e sabem que serão eliminados por seus credores. Que extraordinária massa de manobra! Que gente pronta para qualquer sacrifício! Pessoas que têm a mais completa convicção do desvalor de suas vidas. Prontos para morrer e, mais ainda, para matar. A mesma estrutura psicológica do homem-bomba.
Com este ingrediente humano o crime organizado desenvolve uma estratégia terrorista brilhante. Por que não oferecer a essa massa de condenados mortos-vivos a oportunidade de se redimir com a organização, de ter suas dívidas perdoadas e o retorno do seu direito à vida ? O preço a pagar pela quitação é o assassinato de um policial. O ‘binladen’ que mata um policial é perdoado e fica livre da condenação pelo crime organizado. Uma espécie de dação em pagamento mediante prestação de serviço.
Assim, o crime organizado instrumenta a escória dos seus bandidos, os caloteiros dos bandidos, para se transformar nos assassinos de policiais. Mas a cúpula do crime sabe que o terror gerado pelo assassinato dos policiais precisará ser aplacado num futuro próximo, uma questão de dias, inclusive para eficiência e bom funcionamento do negócio de distribuição de drogas. Antes que a sociedade se volte contra os chefes das quadrilhas, a cúpula entrega aos vingadores dos policiais assassinados os nomes e o paradeiro dos ‘binladens’. E assim, os ‘binladens’ que teriam sido assassinados pelo crime organizado são por fim assassinados pela polícia. Happy End.
Fecha-se um brutal primeiro ciclo de violência e hipocrisia. Mas esse é só o primeiro capítulo. Seguramente, teremos mais emoções no próximo. [Beno Suchodolski, 61, é advogado, membro do Conselho de Administração do Instituto Fernand Braudel de Economia Mundial e membro do Conselho Jurídico da Fiesp]
Idéias, cadê as idéias? – 1
Quando ministro da Justiça, José Carlos Dias fez uma proposta ousada: direito penal mínimo. As cadeias seriam reservadas aos criminosos que oferecessem risco físico à população. Os demais sofreriam outros tipos de pena: criminosos de colarinho branco, por exemplo, teriam confiscados os bens que roubaram, pagariam multa, prestariam serviços à comunidade, e não ocupariam espaço nas cadeias. A proposta foi feita há algum tempo e talvez esteja sendo reproduzida com imprecisões; mas este colunista acredita que, na essência, seja algo como isso.
Vejamos, por exemplo, Edemar Cid Ferreira. Imaginemos que seja julgado culpado de todas as acusações que lhe fazem. Teria os bens confiscados, no limite dos prejuízos que terá causado; pagaria pesada multa por infringir as leis; seria impedido de gerir empresas (ou, talvez, apenas empresas financeiras). A moça do xampu não iria para a cadeia; nem aquela do pacote de manteiga. Não deixariam de ser punidas, mas não seriam encarceradas.
Este colunista (embora não se sinta qualificado para defendê-la) vê a idéia com simpatia: acabaria a maratona de construção de cadeias, os custos com o sistema penal se reduziriam, gente que cometeu um deslize não seria enviada para as universidades do crime. Há gente que é contra isso por motivos ruins: num governo, nada melhor do que mostrar obras, mesmo que sejam cadeias. Mas há gente boa que também combate a tese e tem argumentos sólidos a apresentar.
Por que os meios de comunicação não pegam pautas desse tipo, ouvem os vários lados, contribuem para encontrar soluções? Estaremos condenados a construir cadeias em série, para prender cada vez mais gente e colocar cada vez mais soldados nas tropas do PCC?
Idéias, cadê as idéias? – 2
Nos Estados Unidos, a guerra contra a Cosa Nostra começou a ser ganha quando a Lei Seca foi revogada. Al Capone, Lucky Luciano, Bugsy Siegel, os bandidos mais lendários, são do tempo em que vender uísque era ilegal e lucrativo. Hoje, o dinheiro do crime vem da droga – da droga e da classe média que consome a droga (como, na época da Lei Seca, vinha do uísque e da classe média que tomava uísque). Sem droga, o crime fica sem AR-15, sem granadas, sem os garotos da favela que se transformam em aviões em busca de um futuro melhor.
Este colunista acha que é impossível proteger uma pessoa contra si mesma. Mas conhece gente bem-intencionada e articulada que considera temerária qualquer abertura à legalização das drogas. Não cabe à imprensa abrir essa discussão? Em países que legalizaram a droga, de uma ou outra forma, que é que aconteceu? O contingente de marginalizados cresceu, se manteve ou se reduziu? A política de redução de danos – sabemos que a droga é ruim, mas pior do que a droga é a proibição da droga – funciona ou não funciona?
A cada vez que se fala nesse assunto o barulho é ensurdecedor: o mínimo que acontece é acusar os defensores da legalização de partidários das drogas.
Mas é preciso debater. E que lugar melhor para o debate do que a imprensa?
O nome oculto
Em algumas emissoras o nome PCC foi banido: usa-se ‘quadrilha’, ‘bandidos’, ‘criminosos’. São bandidos, são criminosos, formam uma quadrilha. Mas por que não usar o PCC?
Em termos mercadológicos, há certa lógica no banimento do nome: procura-se enfraquecer a marca, evitar que ganhe charme (mas talvez, depois de tanto noticiário, seja inútil tentar hoje levá-la ao esquecimento. PCC virou sinônimo de tudo quanto é ruim; escondê-lo talvez seja tirar um dos atributos mais mal vistos da atividade criminosa).
A questão, porém, é outra: caberá ao jornalismo fazer uma opção de marketing? É uma boa questão para o debate, porque sempre se poderá dizer que a utilização intensiva da marca PCC é também uma questão de marketing, já que o objetivo dos criminosos é promover sua marca.
A opinião deste colunista é que não se deve esquecer o que é o PCC: uma quadrilha, um grupo criminoso, coisas desse tipo. Mas também não se deve ocultar seu nome. Parodiando Gertrude Stein, terrorismo não deixa de ser terrorismo só porque é tratado por nome diferente.
Horário, dizem, gratuito
Por falar em nomes, por que chamar a propaganda dos candidatos na TV de horário eleitoral gratuito? Não é gratuito para os candidatos, que têm de pagar a gravação (não é permitido simplesmente chegar ao estúdio e dar o recado: o que se transmite é o vídeo gravado). E não é cedido gratuitamente pelas emissoras, já que recebem, como contrapartida, um substancial crédito de impostos.
De acordo com a AdVillage, a isenção fiscal dada às rádios e TVs atingirá, neste ano, R$ 190 milhões. Horário gratuito para quem, cara-pálida?
Questão de aposto
Está na internet: Raíca, a modelo que namora Ronaldo Gorducho, ‘fará fotos para um editorial de moda da Daslu, que se envolveu em recente escândalo de sonegação fiscal’.
Este é um vício recorrente na imprensa: se há uma informação desabonadora sobre alguém ou alguma empresa, deve ser publicada sempre que houver oportunidade, mesmo fora do contexto, mesmo quando não tem qualquer relação com o tema principal. Que é que tem Raíca a ver com eventuais problemas da empresa para quem vai trabalhar? É o mesmo que, daqui a algum tempo, dizer que Zidane, ‘que foi expulso na final da Copa de 2006’, decidiu mudar-se para Mônaco; ou que o presidente Lula, ‘cujo patrimônio quase dobrou durante seu primeiro mandato’, vai visitar o neto em Santa Catarina.
É importante dar informações sobre os personagens da notícia. Mas que as informações tenham relação com a notícia. Dizer quantos netos tem Lula, por exemplo, é útil; contar há quanto tempo Zidane morava na Espanha antes de se mudar para Mônaco, também. No caso de Raíca, quais são as outras modelos que já posaram para a Daslu. A vida não se compõe apenas de fatos negativos. Há tempo para tudo, inclusive para dar informação em vez de fazer campanha.
Pobre Flor do Lácio
Sérgio Graciotti, grande jornalista, grande publicitário, grande em tudo (tão grande que já pensou em criar, com este colunista, a empresa Gordo&Gordo Ilimitada – idéia que não poderia dar certo, por excesso de fundos), lembra aos caros colegas que a polícia não ‘apreende 15 munições’, nem ‘checou as bagagens e as correspondências’ de alguém. E os Estados Unidos não enviaram ‘mais três mil tropas’ ao Iraque.
Tem razão, Sérgio: munição é o conjunto, como bagagem e correspondência, como tropa. Mas a imprensa gosta dessas coisas: pode abrir qualquer jornal, pode entrar nos mais diversos portais da internet, que todos os dias você encontrará algo do tipo ‘contar com as presenças de fulano e sicrano’. Parece que apenas ‘a presença’ é insuficiente, não é mesmo?
Outra delícia vem do esporte: o jogador foi contratado ‘junto ao’ clube tal.
E, como nota a atenta leitora Flora Martinelli, ninguém mais é ‘levado ao hospital’ ou ‘socorrido no hospital’. É ‘socorrido ao hospital’. Às vezes, Flora, a coisa piora: o cavalheiro, além de ‘baixar hospital’ ou ser ‘socorrido ao hospital’, não morre: ‘entra em óbito’. E vira ‘vítima fatal’.
O erro da coluna
Vários leitores mostraram um erro da coluna: Parreira não foi campeão brasileiro pelo Corinthians, mas vice. Foi apenas campeão paulista e campeão da Copa do Brasil. Mas o erro, de qualquer forma, é apenas de interpretação: para este colunista, o Corinthians foi também campeão moral do Brasileiro.
E eu com isso?
Um dos filhos deste colunista jamais conseguiu entender como é que o pai, na infância, não tinha videogame. Como é que se vivia sem videogame?
Pois é: e a gente vivia também sem carro – que só começou mesmo a se espalhar na década de 1960. E sem celular: quem precisava passar uma informação esperava o interlocutor estar em algum lugar com telefone fixo (que, aliás, não eram muitos, e nem sempre davam linha).
O ser humano é profundamente adaptável, tanto que conseguia viver sem essas coisas indispensáveis. E só isso explica como é que realizamos a façanha de viver até hoje sem ter tomado conhecimento das importantes notícias abaixo, que foram publicadas (a sério) em grandes veículos de comunicação:
1.
‘Raica chega a São Paulo nesta terça-feira, após encontrar Ronaldo em Nova York’2.
‘Jolie volta ao trabalho com animação da Dreamworks’3.
‘Luana Piovani aparece pela primeira vez ao lado de Dado Dolabella’4.
‘Astrid Fontenelle comparece ao desfile de Fause Haten’5.
‘Ator de Belíssima é flagrado na praia no RJ’Perguntará o colega: estaria o ator na praia clandestinamente? Estaria nu em pelo? Não, nada disso. Na verdade, ele não foi flagrado. Foi apenas fotografado.
Mas nada bate a informação abaixo:
6.
‘Com pinta de fora, Angélica desfila para Tufvesson’Ainda bem que Angélica é mulher e a frase está toda no feminino.
Completando
Uma ampla reportagem, num grande jornal, informa o tempo de TV de Alckmin, de Lula, de Cristovam Buarque, de Heloísa Helena. Informa também os dias da semana destinados à propaganda de parlamentares. Só não diz o dia em que a coisa toda começa. Esta coluna ajuda: a data fatídica é 15 de agosto.
Novos tempos
Os tempos estão mesmo mudando. Um portal de internet informa que uma celebridade instantânea, ex-Big Brother, ‘causou alvoroço ao aparecer com a barriga de fora’. Claro, claro: esses hábitos moderníssimos devem mesmo causar estranheza. Nenhuma outra moça usa barriga de fora, não é mesmo? Quantos de nós já teremos tido oportunidade de ver uma jovem com a barriga de fora?
Outro portal diz que a atriz Kate Hudson participou de uma pré-estréia ‘com um decote profundo à mostra’. O decote, aliás, nem era tão profundo assim. E como será um decote que não esteja à mostra? Cartas à Redação.
Entenda!
Desfile de modas, de certa maneira, é como a descrição dos sabores de uma degustação de vinho: vem com toda uma fraseologia específica, raramente compreensível ao comum dos mortais. E há frases que podem ficar na história:
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‘Verão da Uma vem fluido e em clima de selva concreta’.Quem conseguir explicar a frase a este colunista ganha, assim que estiver pronto, um exemplar de ‘Chuchu lá’ – o programa de Governo de Geraldo Alckmin.