Friday, 22 de November de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1315

Informar e manter o respeito

Durante muitos anos, a imprensa americana publicou fotos do presidente Franklin Roosevelt apenas da cintura para cima. Evitava, assim, chamar a atenção para seus problemas físicos: Roosevelt, paralítico, usava cadeira de rodas.


A imprensa francesa jamais noticiou que o presidente François Mitterrand tinha duas famílias. O fato se tornou publicamente conhecido apenas em seu enterro, quando as duas esposas e os filhos de ambos os relacionamentos lhe prestaram as últimas homenagens. Para os jornalistas franceses, Mitterrand tinha de ser avaliado por sua vida pública, não por seus momentos íntimos.


O presidente Getúlio Vargas teve relacionamentos amorosos que os meios de comunicação ignoraram – por exemplo, com a famosíssima Virginia Lane, ‘A Vedete do Brasil’. O presidente Juscelino Kubitschek teve por longos anos um caso com a elegantíssima Maria Lúcia Pedroso. Nos dois casos, muita gente sabia, mas ninguém publicou. E por um motivo fortíssimo: tirando os envolvidos na história, ninguém tem nada com isso. Excetuando-se os casos em que o amante, ou a amante, interfere na vida pública, intimidade é intimidade e deve ser respeitada.


Neste momento, há quem insinue romances extraconjugais de figuras importantes da República. Não importa que essas notícias saiam em publicações sem importância ou em blogs inexpressivos: o objetivo é jogá-las no ar, mantendo-as em circulação, para que sejam usadas posteriormente, em ocasião adequada.


Independentemente do que pensamos sobre as pessoas envolvidas, isso não é exercício da liberdade de imprensa: é jornalismo marrom, é fofocagem pura e simples, sem qualquer vínculo com o interesse público. Beira a chantagem. E, especialmente, é covarde: as pessoas atingidas não podem reagir à altura, sob pena de divulgar amplamente aquilo que foi publicado de maneira restrita.


Para usar a linguagem do Carnaval, a genitália alheia não é assunto do jornalismo político e econômico, a menos que ultrapasse as fronteiras do privado e invada o espaço público. Arranjar emprego para a amante, ou o namorado, é inaceitável (e, no entanto, isso não apenas acontece como provoca escândalo apenas quando aparece dentro de outro escândalo).


E que ninguém venha dizer que a vida privada de outras pessoas, que sua intimidade sexual, seja um termômetro de seu caráter e de sua capacidade de ocupar cargos públicos. Os reis David e Salomão, que a Bíblia nos aponta como exemplos de vida, jamais escolheram o puritanismo como forma de vida. E quem é que o caro leitor prefere: o casal Roosevelt, cada um com seus relacionamentos próprios, o grande líder britânico Sir Winston Churchill, beberrão e apreciador do belo sexo, ou o ascético Adolf Hitler, que não bebia, que não era dos mais fanáticos por sexo, e que sem dúvida foi homem de uma só mulher?


 


Chateações


É sempre bom acompanhar de perto os dias de folga das autoridades: caso algo aconteça que exija sua presença, não será necessário procurá-las, nem esperar que alguém informe as novidades, nem correr o risco de saber que as coisas ocorreram debaixo do seu nariz e você não ficou sabendo.


Mas, no caso do presidente Lula, houve um certo exagero. Ficar à distância tentando flagrar momentos é cansativo para o repórter e ruim para a autoridade, que não pode comportar-se com naturalidade. Qualquer coisa pode ser objeto de crítica. Vejamos o caso do isopor, aquela geladeirinha que Lula levava na cabeça. Foi criticadíssimo por isso, onde já se viu um presidente carregar sua geladeirinha na cabeça, como se fosse uma lavadeira com a trouxa de roupa? Mas imaginemos o contrário: algum ajudante de ordens carregando o isopor. Aí o presidente seria criticadíssimo por usar funcionários públicos em serviços pessoais.


Por que não deixar o homem sossegado, ficando por perto apenas para eventualidades?


 


O papel da imprensa


O governador de Brasília, José Roberto Arruda, foi vaiado no Itamaraty. Ninguém, nenhum político, queria ser fotografado a seu lado. Até aí, tudo bem. O problema é que jornalistas participaram da vaia. É uma confusão total: o jornalista pode pensar o que quiser a respeito de quem quer que seja, mas não pode permitir que suas opiniões interfiram no trabalho de levar os fatos a seus patrões, os consumidores de informação. Imagine um médico que deteste determinada pessoa: nem por isso deve deixar de tratá-la da melhor maneira que lhe for possível.


Este é um mal recorrente. Em 1989, jornalistas chegaram a cercar o carro do então candidato Fernando Collor, na saída de uma TV, em São Paulo, deram socos e bateram com as máquinas na lataria. Seu candidato era Lula – e como se sentirão hoje, sabendo que Collor está entre os grandes aliados de Lula?


 


As notícias da imprensa


O atento leitor Décio Pedroso escreve a este Observatório mostrando um caso exemplar: no lançamento do Programa Nacional dos Direitos Humanos, que provocaria tantas discussões alguns dias depois, o noticiário esqueceu o programa e se concentrou no new look da ministra Dilma Rousseff, agora sem peruca. A questão das invasões de terras, as ameaças às empresas produtoras de tecnologia, os ataques ao agronegócio, tudo ficou de lado: importante era saber se Sua Excelência usava peruca ou não. A imprensa, diz o leitor, deveria tê-lo informado de que, da próxima vez em que sua fazenda for invadida, ele teria de se reunir com os invasores antes de recorrer à Justiça. Ele procura notícias relevantes, ‘e não insignificâncias pilosas de quem quer que seja’.


O leitor tem toda a razão – e nem mencionou outro fato, de que notícia vende jornal. Quando este colunista dirigia uma redação, sabia que, sempre que havia notícias quentes – cruzeiro novo, tragédia de Caraguatatuba, Plano Collor, internação de Tancredo Neves – a circulação iria crescer. Lembrando o grande publicitário Alex Periscinoto, o que o leitor quer saber é o ‘what about me’: em bom português, ‘e eu com isso?’ O resto é história paralela, que até dá sabor à notícia, mas não pode substituí-la.


 


O Haiti e o Brasil


Uma história bem interessante, narrada pelo ex-prefeito do Rio, César Maia, relaciona o Haiti e o Brasil:


1. Em 5 de dezembro de 1492, menos de dois meses depois de ter descoberto a América, Cristóvão Colombo chega a uma grande ilha que chama de La Española. É a primeira ocupação das Américas e com desenho urbano espanhol. A população encontrada era estimada em 300 mil indígenas. Em 1697, espanhóis e franceses celebram o Tratado de Ryswick e dividem a ilha ao meio. À França coube a parte onde hoje é o Haiti, onde intensificou o sistema escravista. Em 1750, a parte francesa contava com 310 mil pessoas, sendo 300 mil escravos.


2. O Haiti alcançou, na segunda metade do século 18, índices de produtividade agrícola (café, cana etc.) dos maiores do mundo. A avaliação dos proprietários era de que a escravidão explicava a produtividade. Com isso, a população escrava não parou de crescer, atingindo quase o dobro no final do século 18. A aglomeração de escravos produziu, no último quarto desse século, reações, inicialmente de base religiosa. Sob a liderança do escravo Toussaint-Louverture se iniciou a luta a partir de 1790. Declara a Abolição em 1794 e promulga a Constituição em 1801. É capturado em 1802 e morto na França.


3. Em 1803, sob a liderança do escravo Jean Jacques Dessalines, se inicia a luta pela independência, que derrota os franceses e em 1804 declara a Independência, assumindo o governo como Imperador e nessa condição seus sucessores. É o primeiro país das América Latina a se tornar independente. O temor do exemplo leva a América Hispânica a limitar a entrada de escravos e, após as independências, realizar as suas abolições. Em 1822, o Haiti invade a parte oriental e unifica a Ilha de Santo Domingo. Em 1844, Haiti perde o controle da parte oriental e a República Dominicana se declara independente. Em 1915, o exército dos Estados Unidos ocupa o Haiti e o controla até 1934.


4. Mas o ponto que relaciona Haiti ao Rio é a rebelião de 1794. Os proprietários fugiram. Um deles, Louis François Recesne, grande produtor de café no Haiti, vai para Cuba e em função das disputas – Espanha e França –, segue para os EUA. Quando D. João IV cria no Brasil um programa de incentivos à lavoura, em 1816, Lecesne (com 57 anos) e sua esposa americana Frances Mary vêm para o Brasil e se apresentam. Querem que ele plante trigo. Lecesne lembrou que trigo só em clima temperado.


5. Sem esse apoio e com apoio do embaixador francês, compra 130 hectares na Gávea Pequena, Floresta da Tijuca, Rio. Em menos de um ano tem 60 mil pés de café plantado, o que é a primeira plantação de café em extensão do Brasil. Chamou suas terras de Fazenda São Luís. A casa central da fazenda é onde hoje está a casa da família Magalhães Lins. E a casa de apoio é hoje a casa do prefeito do Rio, a Gávea Pequena. A Fazenda São Luis foi desenhada de cima e está no diário de Maria Graham (Diário de uma viagem ao Brasil).


6. A Fazenda São Luis foi visitada e relatada por Carl von Martius, Rugendas, von Theremin, Príncipe Adalberto da Prússia, Maria Graham… Dois anos depois, o comerciante e médico-militar holandês Charles Alexandre van Mocke comprou as terras ao lado de Lescene e passou a ser o segundo grande produtor com sua Fazenda Nassau. E dessa forma nasceu a grande plantação de café no Brasil e seu caráter exportador. Em 1843 uma praga encerrou o ciclo do café nos altos da Tijuca.


 


Faltou dizer


Há coisas que só podem acontecer no Brasil. João de Barro, um clássico da música caipira gravado em 1956, foi composto por dois turcos, Muíbo César Cury e Teddy Vieira – Muíbo, filho de árabes, Teddy com os antepassados árabes mais distantes, já mesclado aos Vieiras e aos Azevedos, mas com inequívocos traços mediterrâneos, reforçados pelo clássico bigode da região. Teddy, que morreu há muitos anos num acidente de carro, compôs outros grandes sucessos caipiras, como Menino da Porteira; Muíbo, que morreu outro dia, depois de 56 anos de Rádio Bandeirantes, foi ator, dublador, compositor de músicas de Carnaval e, acima de tudo, um locutor de primeiro time.


E, no entanto, como saiu pouca coisa sobre Muíbo fora das emissoras de rádio! Os jornais ou ignoraram sua morte ou a deram em poucas linhas; as revistas nada publicaram. Em parte, por desconhecimento; em parte, porque os demais meios de comunicação costumam fazer de conta que o rádio não existe.


 


O público e a imprensa


Um blog visto por alguns milhares de pessoas é divulgado por outros blogs, sai no jornal, entra em alguma revista de informática. Um programa de rádio com centenas de milhares de ouvintes não consegue espaço em lugar nenhum. Os jornais informam quais os jogos de futebol que a TV vai transmitir; mas não contam de jeito nenhum quais os jogos que serão transmitidos pelo rádio. Há dias, a Rádio Inconfidência FM de Belo Horizonte reapresentou entrevista com dona Zilda Arns, com transmissão para todo o país pela internet, e a imprensa escrita nada informou.


Por que? Excelente pergunta – pois não se pode esquecer que o rádio está entre os mais ágeis veículos de comunicação, e em certas ocasiões, como o apagão, se transformou em única fonte utilizável de informações.


 


Como…


De um grande jornal:


** ‘Kassab usa carro para visitar áreas alagadas de São Miguel Paulista’


E como é que queriam que o prefeito fosse do centro da cidade a um bairro distante: em lombo de burro? A cavalo? Ou de helicóptero (caso em que a notícia chamaria a atenção para o conforto de que estaria desfrutando o prefeito, enquanto os moradores da região lutam contra os alagamentos).


 


…é…


De um grande portal noticioso:


** ‘Filha de Charles Chaplin atua em peça teatral em Paris’


Isso é o que diz o título. Já o texto informa que Victoria Chaplin Thierrée é neta de Charles Chaplin. Pela idade da moça, o texto deve estar certo.


 


…mesmo?


De um jornal importante, noticiando as Rodas de Samba no SPTV, da Rede Globo:


** ‘A escola leva 11 integrantes ao estúdio, dá entrevista e canta o samba’


Deve ser uma escola notável. Este colunista, já avançado em anos, jamais teve oportunidade de conhecer uma escola que dê entrevista e cante sambas.


 


No capricho


Saiu no site de um grande jornal regional, referindo-se ao terremoto no Haiti:


** ‘Trajédia’


Pois é: assim mesmo, com ‘j’. Hoge em dia faltam a alguns giornalistas o enjenho e a harte.


 


We are the world


Ainda o presente que recebemos de Moisés Rabinovici, que edita o inovador Diário do Comércio de São Paulo: alguns títulos escolhidos pela pesquisa Fark.


Numa notícia sobre naves espaciais:


** ‘A nave seguia próximo a 18 vezes a velocidade da luz’


Notável: até este colunista, para quem Física é a mulher do Físico, já conseguiu aprender que nada pode ser mais rápido no Universo do que a luz.


Comentário sobre maus-tratos a animais:


** ‘Ativistas bolivianos dos direitos dos animais obtêm sucesso na proibição de circos em usar animais, mas agora eles têm de descobrir o que fazer com 22 leões inúteis’


Trio fantástico:


** ‘Uma pessoa morta, seis feridas em explosão de fábrica de tortas. Estampido foi ouvido num raio de 3.14159265 milhas’


** ‘Avião se choca num istmo na Flórida, nenhum piloto encontrado’. Bem, aí está o problema’


** ‘Fogo destrói acampamento de sem-teto, deixando muitos…’ bem, não poderia ser pior, realmente.


E eu com isso?


O noticiário da semana é altamente informativo e instrutivo:


** ‘Descubra por que é difícil contentar as mulheres’


Como diria Oscar Wilde, é fácil analisar os homens. ‘Quanto às mulheres, limitemo-nos a amá-las.’ Embora ele também não se dedicasse a isso.


** ‘Novo estudo afirma que é saudável ter nádegas, coxas e quadril grandes’


** ‘Desenhos pubianos deixam você na moda’


** ‘Isis Valverde vai ao supermercado com shorts curtinho’


** ‘Cachorro recarrega bateria de celular’


** ‘Penélope Cruz pode estar mais perto do altar’


** ‘Susan Boyle surta em sala VIP de aeroporto’


** ‘Freira vai à praia em Copacabana’


 


O grande título


Nada muito especial. Comecemos com o clássico título que não coube:


** ‘Dois armadores disputam preliminar do’


Temos também um título, digamos, exótico:


** ‘Gato é convocado para júri nos Estados Unidos’


Nada a estranhar: este colunista conhece uma série de pessoas que conversam com gatos, cachorros e cavalos e não só estão convencidas de que eles entendem tudo como de que sabem direitinho o que os bichos responderam.


E temos um título bem-feitinho, sem nada de especial, a não ser a cena que se imagina que aconteceu:


** ‘Policial é pego transando na torre da igreja durante missa de Ano-Novo’


É aquilo que se poderia chamar de boas entradas.

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Jornalista, diretor da Brickmann&Associados